F1 foi comprada com um único objetivo: se transformar em um negócio de entretenimento | JUDAO.com.br

Liberty Media, que anunciou a compra nesta quarta (7), tem as credenciais pra conseguir isso

Uma era do esporte e do automobilismo acabou na última quarta-feira, 7 de Setembro de 2016. A Liberty Media, do investidor John C. Malone, vai desembolsar US$ 8 Bilhões (ou duas Marvels, duas LucasFilms e meio WhatsApp) até o comecinho de 2017 para ter o controle total da Formula One Group, a empresa responsável por explorar os direitos comerciais e promover a F1. No momento, 18,7% das ações da empresa já estão nas mãos do comprador, que inclusive nomeou um novo presidente pra ela: Chase Carey, com passagens pelas diretorias da 21st Century Fox e da DirecTV.

Quando todos os trâmites legais forem aprovados e a aquisição for concluída, a Liberty vai assimilar totalmente a empresa que gerencia a categoria, renomeando a si mesma como a nova Formula One Group.

Mais do que uma compra, o negócio revela uma mudança de visão. A F1 surgiu primeiro como esporte, lá em 1950, e foi ganhando corridas esparsas pela Europa e, depois, pelo mundo. Foi apenas em meados dos anos 1970 que o então dono da equipe Brabham, Bernie Ecclestone, passou a centralizar e liderar a negociação dos direitos de TV da categoria. Em pouco tempo, o inglês criou um verdadeiro império, rendendo muito dinheiro pra ele e para as equipes. De certa forma, Bernie matou o esporte puro (até então dominado por mecânicos em suas garagens) e o transformou em um negócio de esporte.

Um negócio gigantesco que, há dez anos, Ecclestone vendeu para a CVC Capital Partners, um fundo de private equity que veio cheio da grana e acabou mantendo o inglês no comando.

Só que o cara e a F1 pararam no tempo. Na década passada, a Formula One Group negociou pesadamente com os canais de TV e transformou a categoria em, basicamente, um caro produto para a TV paga. De forma SISUDA, não soube acompanhar o ritmo de outras mídias – e, veja só, Bernie chegou até a proibir Lewis Hamilton de postar os bastidores dos GPs e dos treinos no Snapchat, “afinal” ele não pagou pelos direitos de exibição.

A Liberty Media tem mais experiência nesse novo mundo, que já nem é tão mais novo assim. A companhia surgiu em 1991 diretamente do universo da TV paga, onde o fundador fez carreira desde os anos 1970. Entre idas e vindas, a Liberty foi ou ainda é acionista de empresas como Discovery Communications, Starz, Encore, Viacom, Time Warner, Fox Sports, DirecTV, a livraria Barners & Noble, as operadoras Sprint e Time Warner Cable, além de ter sido, por um tempo, integrante do grupo da AT&T.

A empresa é dona do time de baseball Atlanta Braves, de parte do Tastemade e da Expedia (que opera no Brasil com as marcas Hoteis.com e Trivago, além de ter parte da Decolar.com), sem falar dos 27% que possui da Ideiasnet, uma gestora de investimentos focada em empresas de tecnologia aqui no nosso país. Na Europa, via Liberty Global, eles possuem diversos canais pagos. Pra fechar, no final dos anos 1990, foi criado um braço focado em tecnologias para o desenvolvimento de programação interativa, além de lançar uma das primeiras iniciativas de música digital do mundo.

Tudo isso é bem diferente do perfil da CVC, que investe nos mais diferentes negócios (incluindo uma loteria malaia chamada Magnum e a empresa que faz o antivírus Avast) e apenas esperava o dinheiro entrar na conta.

Tá praticamente claro que Malone, que tem 75 anos, assumiu essa bucha (junto com US$ 4 bilhões em dívidas) não pensando apenas em negociações com os atuais detentores dos direitos de exibição, mas também em explorar essa tal de internet. Pra você ter uma ideia, só agora em 2015 a Fórmula 1 começou a postar de forma constante no Facebook e a única iniciativa paga via web que a categoria oferece é um app com live timing e o posicionamento dos carros na pista. “Tudo isso” por uma assinatura mais cara do que a MLB, a liga dos Braves, cobra para assistir aos jogos de onde quer que você esteja.

Bernie Ecclestone

Bernie Ecclestone

O caminho também encaixa com o perfil do novo presidente da Formula One Group. Chase Carey é visto como um cara de pulso firme na liderança de seus negócios. Foi ele, por exemplo, um dos responsáveis por fazer o canal Fox entrar na disputa pelo futebol americano – sendo esse acordo com a NFL um dos maiores responsáveis por CATAPULTAR a emissora ao posto de uma das grandes nos EUA. O mesmo Carey foi o cara que, em 1996, fez as operadoras de TV pagarem por um canal que ninguém sabia qual era. Tratava-se da Fox News.

Quando passou pela DirecTV, Carey teve a visão do outro lado: viu que falta bom conteúdo para vender aos assinantes. Um conteúdo que ele tentou fazer quando voltou pra Fox e que agora pode ter em mãos com a F1. Ah, sim: ele também conhece bem o medo que os antigos impérios do setor têm das novas mídias.

Por enquanto, ao menos, os novos donos não vão se envolver com a parte esportiva. Há alguns anos as decisões do tipo na categoria são tomadas pelos próprios times, que já foram convidados a serem sócios da nova Formula One Group, e Bernie Ecclestone afirmou que continuará ditando os rumos por pelo menos mais três anos.

Claro, é difícil saber o que irá acontecer daqui pra frente, mas ao menos algo é certo: sai de cena a visão de que F1 é um esporte que precisa negociar transmissão na TV, entra a certeza de que este é um negócio de entretenimento com algo muito importante no mundo de hoje, que se chama CONTEÚDO.