Finalmente abriram-se as portas do Império de Jade | JUDAO.com.br

Conversamos com Marcelo Cassaro, autor da ambientação que durante muito tempo foi uma das maiores lendas do RPG nacional — e que virou até brincadeira recorrente de 1o de abril — mas que agora foi lançada pra valer, real e oficial

Apesar de se tratar do sistema de RPG mais popular do Brasil (ou talvez justamente por isso, né), o Tormenta tem lá a sua parcela de DETRATORES. Quem odeia costuma usar um argumento que, vamos lá, flerta com o ridículo: “ah, porque Tormenta é muito anime, sabe?”. Talvez herança do surgimento do sistema 3D&T, outrora conhecido como Defensores de Tóquio, originalmente uma sátira de desenhos animados e séries japonesas tipo tokusatsu? É, talvez.

Mas aí que chega finalmente um dos lançamentos mais falados e aguardados do universo de Tormenta nos últimos anos: Império de Jade, da Jambô Editora. E, bom, é o próprio autor (e integrante do Trio Tormenta original), Marcelo Cassaro, quem dá a má notícia, em entrevista ao JUDAO.com.br: “se você não gosta de Tormenta, também não gostará de Império — são jogos irmãos, sediados no mesmo mundo de Arton, seguindo o mesmo estilo e influências. Se Tormenta às vezes é acusado de ser ‘muito anime’, em Império essa sensação é ainda mais forte”.

Feito o aviso, é importante destacar que Império de Jade é um RPG completo, um livro básico independente. Cassaro explica que você não precisa conhecer absolutamente nada sobre Tormenta para jogar mas, ao mesmo tempo, o livro funciona como um acessório para Tormenta — porque contém novas raças, classes, equipamentos, magias, criaturas. “Para os fãs de Tormenta, a novidade é óbvia. Tamu-ra foi mencionada inúmeras vezes ao longo da história de Arton, mas jamais descrita em detalhes”, conta. “Mesmo suas citações na Trilogia e outras obras são superficiais — porque nenhum de nós jamais detalhou essa parte do cenário. Era ‘uma terra de samurais’, uma terra baseada no Japão feudal”.

Pra ajudar a contextualizar ainda mais, vale voltar no tempo, lá no finalzinho dos anos 90, quando Cassaro e os parças J.M.Trevisan e Rogério Saladino se reuniram para discutir as bases de Tormenta, o cenário de fantasia medieval ambientado no continente de Arton, o mesmo da cultuada HQ Holy Avenger. Eles tinham duas coisas claras em mente: sim, seria um mundo do tipo Dungeons & Dragons, com tudo que seus jogadores gostam; mas evitaria ao máximo cair nos clichês de cenários já existentes.

Assim, não haveria um “reino dos elfos”, pois ele já teria sido destruído. Não haveria um arquimago supremo, mas dois. Não haveria todas as raças básicas, os gnomos ficariam ausentes. E aí veio a pergunta: haveria um “reino oriental” como é Kara-Tur em Forgotten Realms? Não.

“Mas o público gosta de samurais e ninjas”, pondera Cassaro. “Como ter samurais e ninjas sem uma nação ou cultura de onde vieram? Pensei no bairro da Liberdade, em São Paulo: se o Japão fosse destruído hoje, a Liberdade seria a maior comunidade japonesa no mundo. Então resolvemos que a ilha de Tamu-ra teria sido destruída pela Tormenta, mas haveria um bairro étnico tamuraniano em Valkaria, a capital do Reinado. Assim, tínhamos ninjas e samurais, sem precisar de um reino para eles”. Uma boa saída.

Só que, certo dia, quando Tormenta estava mais desenvolvido, surgiu a ideia de um acessório descrevendo Tamu-ra. Ele seria, claro, situado no passado — antes da devastação pela Tormenta. E o livro chegou MESMO a ser parcialmente produzido. “Mas, em algum momento, percebemos que integrar esse mundo com Tormenta seria uma grande confusão, uma bagunça de épocas diferentes e coisas existentes ou não-existentes. Deixamos de lado. Tamu-ra estava destruída e FIM”.

Mas se você tá aqui lendo este texto agora, já sacou que, não, a parada não acabou. Vieram os romances inspirados na história de Arton (no caso, a Trilogia da Tormenta, composta por O Inimigo do Mundo, O Crânio e o Corvo e O Terceiro Deus, os três escritos por Leonel Caldela), finalmente libertando Tamu-ra dos invasores aberrantes. AGORA um acessório sobre a ilha seria possível, já ganhando até o batismo de Império de Jade, mas acabaria adiado inúmeras vezes — segundo Cassaro, Tormenta ainda tinha muitos livros mais necessários, muito a descrever e detalhar. “E nossos recursos eram limitados. Era cedo para trabalhar em regiões distantes”.

No fim das contas, seu lançamento virou pegadinha de primeiro de abril. Só que lá dentro, nos bastidores da editora, eles sabiam desde 2016 que o livro existia e que era questão de tempo até virar realidade MESMO.

Agora, na obra de 336 páginas, a ilha é profundamente explicada pela primeira vez, com sua própria linha de tempo, seus próprios fatos históricos, com sua geografia reunindo os lugares destruídos pela Tormenta e os lugares onde a reconstrução está começando, suas próprias raças e classes e, como era de se esperar, seus próprios deuses. “E ainda que tudo seja novo, ainda está amarrado ao Tormenta que conhecemos. O leitor atento vai perceber as referências, as influências do jogo clássico neste mundo que renasce”, diz o escritor.

Em Império de Jade, o Reinado de Arton é descrito como uma terra distante, onde o povo de Tamu-ra refugiou-se até este momento. Eventos importantes ocorridos em Arton são constantemente citados, mas têm pouca influência nos tempos atuais.

Porém, tal qual o irmão mais velho, não deixa de ser também um mundo de fantasia para RPG, um mundo de Dungeons & Dragons, mas bem mais colorido e diversificado. “Não é sóbrio como Forgotten Realms, mas também não é exagerado e irresponsável como 3D&T”, contextualiza ele. “Não é como Dragon Ball Z ou Slayers, não é sobre sair explodindo tudo”.

Já que falamos lá no começo sobre animes/mangás, ele dá algumas referências pra gente se situar: Rurouni Kenshin (aka Samurai X), Samurai Champloo, Blade of the Imortal, Naruto e Inuyasha. Tentou encontrar uma conexão? Pois é.

O próprio Cassaro admite que existem outros RPGs de fantasia asiática que buscam reproduzir o Japão feudal com fidelidade (tipo um Legend of the Five Rings da vida), e fazem isso muito bem, mas Império segue outro caminho. “Apesar das fortes influências japonesas, é um mundo original e diferente, combinando essas referências em algo único. Você tem monstros mutantes de Kamen Rider, androides mágicos de metal heroes (tipo o Jaspion), monstros gigantes de Godzilla, youkai e meio-youkai de Inuyasha, ninjas e jutsus de Naruto, tudo em um mundo coeso”.

Em termos de regras, pelo menos as básicas são as mesmas, baseadas no Sistema D20 de Dungeons & Dragons 3ª Edição — assim, acessórios de Tormenta podem ser usados em Império, e vice-versa. Ainda há raças e classes, perícias e talentos. Você ainda rola 1d20 e soma modificadores para alcançar um número alvo. Mesmo assim, há diferenças. Enquanto Tormenta tem os seis atributos básicos de D&D, Império tem uma sétima habilidade, a Honra.

De acordo com Cassaro, a Honra substitui as tendências de Tormenta, eliminando o bem, mal, ordem e caos. “Uma Honra elevada é vantajosa, mas difícil de manter; uma série de atos pode causar dano de Honra”, exemplifica. “Quanto mais honrado você é, mais limitado em suas opções. Cada jogador deve escolher entre ser honrado e poderoso, ou desonrado e livre”.

Outra grande mudança é o sistema de magia — totalmente diferente de Tormenta. O autor optou por regras mais simples, baseadas em chacras e jutsus; existem menos jutsus em Império que magias em Tormenta, mas eles podem ter efeitos mais variáveis.

Tendo tudo isso em mente, Cassaro celebra que Império é sim uma excelente porta de entrada para Tormenta. “O livro básico é totalmente colorido, pela primeira vez na história do cenário. Suas regras são mais simples, rápidas e enxutas. Não existem arquimagos, sumo-sacerdotes ou heróis lendários para eclipsar os personagens jogadores. Religiões e castas sociais são descritas de formas mais claras”.