Nova série de TV do velocista escarlate só me faz provar o meu ponto, de que ele é o personagem mais Marvel da DC
E aí, The Walking Dead começa a quinta temporada à toda, virando o mundo dos fãs do avesso (no ótimo sentido da expressão). Então, eis que Agents of SHIELD finalmente se entende como série e, adquirindo personalidade, passa a caminhar com as próprias pernas no mundo cinematográfico/televisivo da Marvel. Pois que Arrow, em sua terceira temporada, já embarca num embate direto entre Oliver Queen e um vilão ancestral de nome Ra’s Al Ghul. Bingo. As séries inspiradas em quadrinhos parecem mesmo viver um ótimo momento criativo, o que criaria uma situação competitiva bastante complicada para qualquer novo competidor disposto a entrar no páreo. Um certo mago sobrenatural pisou no tomate e escorregou. Mas, correndo por fora, um rapaz magrelo vestido de vermelho por quem ninguém dava muita coisa, conquistou muita gente – incluindo eu.
As poucas horas semanais que tenho para dedicar a séries com frequência já estavam tomadas – mas fui obrigado a encontrar um cantinho para o Flash. Ao contrário do que faço com alguns títulos, que prefiro esperar para ver assim que a temporada atual acaba, numa tacada só, aqui não deu. O piloto já me conquistou de cara. Precisava ver o que ia acontecer a seguir. E já. Só que a sensação persiste. E se chegamos ao sexto episódio nesta pegada, duvido que vá ser diferente daqui pra frente.
Flash não apenas foi historicamente a melhor estreia do canal onde é exibida originalmente, o americano The CW, como também ajudou a levantar a audiência do Warner Channel brasileiro no horário, ao lado de Gotham. O motivo do sucesso? Dá pra resumir em uma palavra: autenticidade. A proposta é autêntica e sem medo de ser feliz. É seriado de super-herói com cara e alma de gibi de super-herói, diversão despretensiosa e sem frescuras. Geoff Johns já tinha dito que o Flash seria a série com mais cara de quadrinhos atualmente na TV. Estava certíssimo.
Aliás, este papo só serve como referendo para uma teoria que venho defendendo há anos para alguns amigos próximos, mas nunca tinha colocado no papel, pelo menos até o momento. O Borbs já disse, em um evento, que o Batman é o personagem mais Marvel da DC Comics, causando toda a sorte de celeuma e cizânia (modo Aurélio Buarque: ON). Eu discordo. Porque, para mim, o herói que mais tem o espírito da Casa das Ideias dentro da Distinta Concorrência é justamente o Flash.
Quando eu disse isso pro Renan, recentemente, o sujeito quase pulou no meu pescoço, me ameaçou de morte, chamou meu pai de coxinha e minha mãe de empadinha. Entendo a defesa dele: o Flash esteve no epicentro de praticamente todos os grandes eventos de mudança temporal/cronológica da DC, da Crise nas Infinitas Terras ao Ponto de Ignição (Flashpoint) que gerou os Novos 52, o reboot, aquela coisa. Faz sentido que o Renan diga que, para ele, o Flash é tão ou ainda mais DC do que o Superman.
Mas o meu lance é que estou falando especificamente daquele que, perdão aos puristas, sempre foi o Flash mais legal de todos: o sucessor de Barry Allen, o jovem Wally West, que durante muitos anos assumiu o manto de Barry depois de sua morte ao final da Crise. Diferente de Barry, Wally se tornou um herói mais leve, mais solto, descontraído, com foco nos conflitos humanos, no peso da responsabilidade de substituir um ícone como Barry Allen. Parte desta transformação, que o fez ser menos “o todo-poderoso deus da velocidade” se deve ao trabalho do roteirista Mark Waid, um egresso da Marvel que teve uma passagem brilhante à frente do título estrelado por Wally.
Foi Waid quem criou o conceito da “Força de Aceleração”, uma fonte/campo de energia usado como explicação pseudo-científica para a supervelocidade do Flash e de outros velocistas no universo DC. Toda a ideia lembra bastante aquele papo pseudo-científico que, há anos, permeia os gibis do Quarteto Fantástico, por exemplo. Anos depois, quando o agora todo-poderoso Geoff Johns assumiu os roteiros, ampliou a importância da vida pessoal de Wally e deu um destaque importante para a Galeria de Vilões. Aliás, por sinal: é, a coleção de malvadões do Batman é incrível, viva, aquele bando de psicopatas. Mas a galeria de antagonistas do Flash é memorável, reunindo um monte de esquisitos com poderes questionáveis, todos um bando de adoráveis perdedores multicoloridos, lembrando e muito o time de bandidos que persegue o Homem-Aranha, por exemplo. Alguns deles chegam a flertar com o ridículo, inclusive, o que é MUITO legal. :)
A faceta mais bem-humorada e leve de Wally West tem ecos diretos nas versões do personagem que podemos ver nas animações da DC recentemente – o Flash é praticamente o palhaço da turma, o piadista, o responsável por momentos de humor que aliviam um pouco a tensão da coisa. Da mesma forma, a série live-action dos anos 1990, estrelada John Wesley Shipp, trazia um Barry que tinha muito de Wally – incluindo, por exemplo, a necessidade de uma alimentação monstruosa para contrabalancear seu metabolismo aceleradíssimo, gerando momentos muito engraçados. O Barry Allen dos Novos 52 tem muito de Wally West, mais até do que de sua versão mais sisuda de outrora. E, obviamente, o mesmo vale para o Barry Allen desta nova interpretação televisiva – que tem não apenas a questão do metabolismo e da comida, mas também este gosto mais divertido, menos preocupado em se tratar de maneira tão séria.
Salvo exceções como a presença de Felicity Smoak, que ajuda a dar um ar mais suave à trama, no geral vemos que Arrow conversa muito bem com o “jeito Nolan de ser” dos três Batman e do recente Homem de Aço – um clima mais soturno que, segundo consta, deve contaminar todos os próximos filmes baseados em super-heróis da DC, inclusive o da Liga da Justiça. Aliás, quem acompanha o JUDÃO deve lembrar de um papo de que existe, nos bastidores da DC, uma regra não-escrita dizendo que é para se evitar piadas a todo custo nos vindouros filmes, certo? A ideia é emular ao máximo a realidade.
Neste sentido, Arrow dialoga com este universo não apenas por conta das referências à Liga dos Assassinos, Ra’s Al Ghul e demais elementos que estão fortemente presentes na terceira temporada. Mas sim pela seriedade, por Oliver Queen ser um herói mais teimoso, cabeça-dura, carrancudo, mal-humorado. E pela regra dos “não-poderes” – a Canário Negro não tem poderes sônicos, ela faz uso de uma espécie de “bomba sonora”, que emite um ruído ensurdecedor. Starling City é, num determinado ponto, uma espécie de filial de Gotham City, quase sempre retratada nas sombras, às escuras.
Não é o caso na Central City do Flash. Vemos uma série de cenas à luz do dia, a cidade é mais viva, mais vibrante, menos sofrida, tem gente nas ruas. E lá está o Flash de Grant Gustin quebrando o mandamento do “não farás piadas”. Ao lado do time dos Laboratórios S.T.A.R., eles sempre têm uma sacada, uma piadinha de duplo sentido, uma graça para batizar o supervilão da vez. Tem drama? Pombas, mas claro que tem. A história da morte da mãe do Flash por um sombra amarela que parece ser o Flash Reverso, isso dá um clima de tensão. Mas não domina a parada. A ambientação é bem mais super-herói de HQs e se assume deste jeito, sem a necessidade de mostrar que aquilo poderia ser real. Não, não é real e tudo bem. Vamos seguir em frente com a galhofa que está tudo certo.
No fim das contas, a série do Flash é o mais próximo do Universo Cinematográfico da Marvel que a DC conseguiria chegar.
E durma-se com um barulho destes.
PS: Por um crossover Flash + Homem-Aranha + Deadpool IMEDIATAMENTE.