Quando o diretor virou o conceito da série do avesso e entregou um dos filmes de horror mais originais de todos os tempos
Conceito é tudo. No cinema especialmente. Wes Craven sabia muito bem disso. Ele construiu sua carreira em torno de filmes de horror — salvo raras exceções — com conceitos muito claros, originais e estabelecidos.
Foi assim com “família tem carro quebrado em local habitado por mutantes selvagens” de Quadrilha de Sádicos. Também com “serial killer morto na cadeira elétrica usa eletricidade para se vingar de seus algozes” em Shocker. E, obviamente, com “assassino mata suas vítimas durante o sonho” em A Hora do Pesadelo.
Mas nenhum dos criativos conceitos de Craven, falecido no ano passado, é mais surpreendente que: “vilão de franquia de terror ultrapassa limites da ficção para assombrar os atores que participaram de seu filme”. Isso aconteceu no inigualável ano de 1994, em O Novo Pesadelo — O Retorno de Freddy Krueger.
A franquia A Hora do Pesadelo estava na pior naquele início dos anos 90. Seu último exemplar, o sexto, tinha bem menos qualidade do que subtítulos no Brasil. O filme saiu aqui como A Hora do Pesadelo — O Pesadelo Final — A Morte de Freddy. :)
O excesso de palavras servia, claro, para chamar atenção para aquela que seria a última aparição do icônico monstro. O filme, infelizmente, é uma porcaria que ajudava a ridicularizar ainda mais a figura de Krueger
Craven, longe da franquia desde que roteirizou a terceira parte, Os Guerreiros dos Sonhos (1987), recusava convites do estúdio para retornar ao comando da série. Porém, a história mudaria em meados de 94, quando o diretor virou o conceito da série do avesso e entregou um dos filmes de horror mais originais de todos os tempos. Não um dos melhores, mas um dos mais originais.
Na trama, quase 10 anos se passaram desde que A Hora do Pesadelo chegou aos cinemas. A atriz Heather Langenkamp, que estrelou o primeiro e o terceiro filme como a “final girl” Nancy, começa a ter sonhos estranhos com Freddy Krueger. E lida com seu filho pequeno se comportando de forma cada vez mais bizarra.
Enquanto isso, Wes Craven está escrevendo um novo Hora do Pesadelo, com um roteiro que cada vez mais se parece com os acontecimentos que assustam Heather. O próprio Robert Englund aparece, em três versões: como ele mesmo, como o Freddy que todo mundo aprendeu a amar e a dar risada e como uma versão mais sinistra do vilão, uma entidade demoníaca que se utiliza do culto a Krueger para chegar ao mundo real.
Como um roteiro absolutamente metalinguístico e à frente de seu tempo, Craven conseguiu fazer algumas coisas interessantes com esse filme: usar sua heroína mesmo ela tendo sido morta alguns filmes atrás, fazer uma interessante reflexão sobre a indústria do cinema, brincar com a imagem cada vez mais ridicularizada do monstro que ele criou e, acima de tudo, resgatar a dignidade da franquia.
Eu falei que O Novo Pesadelo era um dos mais originais filmes de horror, mas não dos melhores. E é verdade. Infelizmente sua execução não acompanha a genialidade de seu conceito. Para um filme de horror, as mortes são parcas e pouco criativas. E o clímax parece esquecer do que o filme havia construído até ali.
Mas, de qualquer forma, ele tem qualidade suficientes pra garantir duas horas de diversão. Entre os filmes da franquia, figura entre os três melhores. E é infinitamente superior ao reboot realizado em 2010.
O grande resultado de O Novo Pesadelo, porém, foi a série Pânico. Craven, contra todas as expectativas, acertou na veia com o primeiro filme. Assim como seu derradeiro trabalho com Krueger, Pânico abusava da metalinguagem e aprofundou seu olhar sobre as entranhas do cinema de horror.
Um retorno invejável para um diretor que começou a trabalhar com conceitos criativos de horror nos anos 70, submergiu no gênero ao longo dos anos, aprendeu seu mecanismo, utilizou esse aprendizado para criar mais um conceito criativo em O Novo Pesadelo e o lapidou com a série Pânico.
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