Em entrevista exclusiva ao JUDAO.com.br, o presidente da empresa brasileira, principal representante no país da categoria jogos de tabuleiro, fala sobre este novo momento, agora como parte de uma verdadeira gigante mundial do setor de jogos
Quando tivemos a chance de conversar com o papa da série Aventuras Fantásticas, o inglês Ian Livingstone, o cara se declarou abertamente como um “um agnóstico de plataformas”. Apesar de adorar joguinhos eletrônicos, ele deixou claro que tem mais de 1000 jogos de tabuleiro diferentes em sua coleção. “Videogames são ótimos, mas tem algo especial em ler um livro físico, folhear as páginas, rolar os dados, ver as ilustrações, anotar as suas provisões, desenhar um mapa... Tudo é parte da diversão aqui”.
Sabe quem entende exatamente do que o Livingstone tá falando? Três estudantes de engenharia da Poli-USP que resolveram transformar o fascínio pelos tabuleiros em profissão e, em 2009, fundaram uma empresa que hoje tem 30 funcionários. Em 2017, a companhia que atende pelo nome de Galápagos Jogos faturou cerca de R$ 16 milhões, um impressionante aumento de 800% desde que, em 2013, passaram a comercializar por aqui seus primeiros títulos internacionais. O resultado? Uma verdadeira gigante do segmento no Brasil, com mais de 60 linhas de jogos de tabuleiro e cartas.
De um mercado que, de acordo com os dados mais recentes da Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos (ABRINQ), arrecadou R$ 6 milhões em 2016, tamos falando aí de 8,9% dedicado especificamente para jogos de tabuleiro, cartas, figuras, memória. Este percentual representa mais do que brinquedos eletrônicos (tablets e laptops de brinquedos, videogames), bichos de pelúcia e mesmo os blocos de construção tipo LEGO.
É um mercado impressionante, que cresceu pra caramba nos últimos anos e que, claro, uma hora ou outra atrairia a atenção dos grandes players gringos. O resultado? Depois de alguns meses de negociações, o grupo francês Asmodee adquiriu a Galápagos, em negociação cujos valores não foram revelados, e agora tá com as portas escancaradas pra entrar no Brasil.
Fundado em 1995 e com escritórios em 14 países, além de 13 estúdios de desenvolvimento espalhados pelo mundo, o Asmodee faturou mais de 440 milhões de euros em 2017 e registra a venda média de mais de 30 milhões de jogos por ano, o que é um feito memorável. Mas, vejam só, vai ser a PRIMEIRÍSSIMA operação deles aqui na América Latina, ampliando um relacionamento que já dura cinco anos. “A Galápagos edita/traduz e distribui os jogos da Asmodee no Brasil. A Asmodee é a detentora dos direitos de criação dos produtos, além de operacionalizar a produção”, explica Yuri Barbosa, presidente da Galápagos, em entrevista pro JUDAO.com.br.
Neste modelo, os brasileiros já tinham colocado no mercado, via licenciamento/tradução, alguns títulos de estúdios associados aos franceses, como Star Wars: X-Wing, Guerra dos Tronos: Board Game, Ticket to Ride, Dixit, Dead of Winter e 7 Wonders, entre outros, todos nesta pegada dos tais “eurogames” — menos dependentes de jogadas de sorte ou momentos dramáticos e com muito mais foco em estratégia e na interação social.
Segundo Yuri, no entanto, com a compra nada muda na forma como a Galápagos opera os negócios no Brasil e tampouco no time — nada, portanto, de enxugamento ou, pelo menos por enquanto, de trazer parte da equipe deles para cá ou migrar parte do time local pra fora. “Temos uma incrível equipe que detém o conhecimento do mercado brasileiro”, reforça ele, lembrando que, claro, a troca de experiências pra absorver tudo que os caras trazem. Mas o principal “porém”, portanto, passa a ser a força que eles ganham em termos mercadológicos. “Como parte do grupo francês, somos uma empresa mais robusta, reduzindo riscos inerentes ao negócio e acelerando o crescimento; o que representa uma contribuição para setor de jogos de tabuleiro como um todo”.
Garantindo de dois a três lançamentos por mês até Dezembro, a Galápagos se mantém na média de cerca de 50 novos títulos por ano em um mercado que, com empolgação, Yuri afirma que está bem aquecido. “O brasileiro está descobrindo o jogo de tabuleiro moderno, que ressurgiu depois da década de 90 com propostas cada vez mais fantásticas e estilos que atendem todos os perfis”, conta. “Esse é um entretenimento que reúne pessoas no mundo real, o que tem um valor muito grande nos dias atuais”.
Quando fala dos anos 90, Yuri acerta na mosca: afinal, os especialistas apontam o “renascimento” dos jogos de tabuleiro justamente como algo que rolou a partir de 1995, com o lançamento do hoje icônico Colonizadores de Catan, da editora alemã Kosmos. Apesar dos jogos de tabuleiro remeterem ao Egito Antigo, dá pra dizer que, por causa de Catan, a Alemanha, aliás, é considerada a terra sagrada deste tipo de atividade: a participação dos jogos de sociedade chega a polpudos 13% no mercado total de brinquedos e jogos no país. É a maior fatia do planeta.
Junte a esta tendência de consumo/mercado o fato de que estamos falando de jogos que, apesar de serem de plástico e papel, também trabalham muito o conceito de expansão frequente para que as aventuras cresçam e os jogadores se desenvolvam e, bingo, olha aí de onde vem o crescimento do mercado brasileiro e, por consequência, o interesse natural da Asmodee. Novas miniaturas, novas cartas, novos mapas e muito mais faturamento pra todos os envolvidos. ;)
Mas, como o presidente da Galápagos faz questão de deixar claro, NÃO, os jogos distribuídos pela Galápagos no Brasil não serão apenas e tão somente os da Asmodee. “Vamos continuar buscando a melhor oferta de jogos para o público brasileiro. As parcerias com outras empresas se mantém”, explica. “O fato de a Asmodee ter acesso aos maiores estúdios de desenvolvimento de jogos, como a Fantasy Flight, Libellud, Days of Wonder e diversos outros é apenas uma vantagem”. Pudera: por exemplo, um de seus maiores hits, o jogo de miniaturas Zombicide, no qual você tenta sobreviver a um apocalipse zumbi, é um fenômeno dos financiamentos coletivos vindo originalmente da CMON Limited, antes conhecida pelo nome de CoolMiniOrNot.
O acordo, portanto, não permitiria que a Galápagos pudesse tentar investir mais não apenas em localização, mas também em desenvolvimento de jogos originais brasileiros, com potencial de distribuição em outros mercados? Yuri diz apenas que a Galápagos não descarta a possibilidade de diversificar os negócios no Brasil, “mas não temos nenhuma alteração prevista para o momento”. Apesar de ainda não ter planos de lançar jogos 100% nacionais, o que não faltam são interações com o fã brasileiro, incluindo participações em eventos tipo o Diversão Offline e mesmo nos torneios que eles fazem questão de montar, na melhor tradição de um Magic: The Gathering da vida.
E tome cada vez mais zumbis, piratas, deuses gregos, jedis, elfos, orcs, monstros gigantes que querem destruir Tóquio e até contadores de histórias reunidos em torno da mesa com boas doses de cerveja e salgadinhos.