Eu já tava pronto pra ir pra piscina, de chinelas e minha camiseta já meio batida do San Diego Chargers, enquanto esperava o horário de começar a minha última entrevista daquele dia de Summer of Sony, em Cancun. O silêncio constrangedor foi quebrado por alguém me perguntando se eu era fã dos Chargers. “Sim!”, respondi para a garota loira. “É que eu moro lá”, respondeu. “Amo San Diego!”, “Mas na verdade eu sou da Bélgica”, “Wow, legal!”, “Você sabia que as batatas fritas não tem nada a ver com a França, que elas são na verdade uma coisa da Bélgica?”

Oi?

“French Fries vem do antigo verbo ‘to french’, que significa ‘cortar em pedaços finos’. Não tem nada a ver com a França!”, contou, meio indignada, como se tivesse uma única missão na vida. Não, eu não sabia que as batatas fritas não eram “french fries” e sim “belgium fries” e jamais poderia imaginar que esse papo poderia fazer com que eu tivesse um diálogo com uma menina. Mas foi assim que eu conheci Kristien Morato, “hollywoodreporter” do jornal HLN (Het Laatste Nieuws, ou “As Últimas Notícias” em português), que, aos 26 anos de idade, se tornou a mais jovem integrante da HFPA — a Associação de Correspondentes Estrangeiros de Hollywood, responsável pela organização e entrega dos Globos de Ouro. :D

“Um integrante sugeriu que eu aplicasse pra me tornar um membro, o que eu fiz um dia antes do prazo final [que geralmente é no fim de Março de cada ano]. (...) Seis pessoas tentaram, mas eu fui a única que conseguiu os votos necessários pra entrar”, conta Kristien. Apenas cinco membros podem ser aceitos por ano, mas raramente mais de um é de fato considerado APTO pela associação.

Kristien Morato, a mais jovem (e nova) integrante da HFPA :)

Parece um pouco o que é preciso pra se obter uma credencial de imprensa pra Comic-Con... Mas sim, não é absolutamente nada fácil se tornar membro da HFPA (ou conseguir a credencial da SDCC). “Eu precisei de dois padrinhos, tive de mostrar artigos que eu escrevi para o meu jornal e ainda apresentar provas de que eu recebo por isso”, diz. E não só é tudo realmente necessário como ainda tem mais: é preciso ter residência permanente no sul da Califórnia, fazer parte da Motion Picture Association of America (MPAA), descrever o veículo de comunicação para o qual você trabalha e, no caso de ser aceito, pagar US$ 500.

Ah, claro! No seu primeiro ano, você não é ainda um membro ATIVO, apenas afiliado; só depois, comprovando novamente que escreve pra uma publicação o fora dos EUA e recebe por isso, é que seu status muda. E todo ano é preciso provar tudo de novo... Mas Kristien não reclama, não. “Eu tenho curtido muito fazer parte da associação. Nós meio que viramos uma família, já que a gente se vê e viaja tanto juntos”, conta. “A gente vai a recepções e jantares, ou às vezes se encontra pra uma after party. E eu tenho alguns bons amigos lá dentro, eles cuidaram de mim quando entrei e me ensinaram uma ou outra coisa”.

As vantagens

Só pra ilustrar: quando nós do JUDÃO fazemos qualquer uma dessas entrevistas, precisamos primeiro ser indicados pelo “escritório local” do estúdio, depois aprovados e, tudo dando certo, ter em média 5mins pra conversar com cada pessoa — única e exclusivamente sobre o filme, o que todo e-mail trocado no processo faz questão de reforçar em letras garrafais.

Aí tem os membros da HFPA. “Nós temos mais tempo com as estrelas — todas as entrevistas duram pelo menos 45 minutos. E os estúdios não precisam mais me indicar, o que significa que toda entrevista é garantida”. Pra colocar as coisas em termos mais próximos a nós aqui do Brasil, é como se a HFPA fosse a Globo de Hollywood e, como jornalista, sinto um pouco de raiva, confesso. Imagina o pessoal que tá sempre nessas junkets, mas ainda tendo de lidar com todas as barreiras dos estúdios? “Tenho certeza que falam de mim pelas costas, mas não me incomoda. Eu tento ignorar o máximo que posso”, afirma Kristien. Eu juro que só acho tudo divertido (desde que ela continue tomando Mojitos comigo enquanto me conta das suas aventuras pelo Brasil, quando passeou com a família por toda a costa... DE CARRO.)

As entrevistas de Kristien em 2014 foram destaque no jornal em que trabalha

Brasil-il-il

A HFPA é sempre criticada pela DESPROPORÇÃO que os votos do Globo de Ouro tem. Por exemplo, Índia e China, os dois países mais povoados do Mundo, só tem um membro, cada; e nenhum dos 89 jornalistas que compõem a associação é negro.

O Brasil tem duas representantes: Paoula Abou-Jaoude, correspondente do Telecine que você mal vê por aí mas está na HFPA desde 1998, e Ana Maria Bahiana, aquela que disse que Ben Affleck não seria mais o novo Batman (e que Michael Keaton poderia assumir o posto). Outros brasileiros até tentam se filiar, mas nunca conseguem os padrinhos ou votos necessários. ¯\_(ツ)_/¯Outra vantagem, pra alguns, é o fato de que se pode tirar fotos com o pessoal que você entrevista. “Em todos os convites está escrito que a entrevista vai ser seguida de uma oportunidade de foto com os membros”, conta. É uma ótima, nesses dias de hoje, pra dar um UP em redes sociais ou, no caso da Kristien, em que o jornal a trata como uma das celebridades que ela entrevista, ilustrar a “vida difícil” que uma correspondente da HFPA leva.

Mas será que nunca rola um AWKAWARD MOMENT, um Meet and greet com Avril Lavigne, não sei? “Faz parte do trabalho. Os astros sabem disso também, então não acontece”.

Mas faça as contas: são cerca de 90 membros da HFPA; se todos participarem das entrevistas, são 45mins com cada um + foto. Não é à toa que a grande maioria simplesmente odeia ter de fazer essas coisas — mas, pelo menos em Hollywood, todos tratam o fato com profissionalismo. No Brasil, Globais querem levantar e ir embora ao fim de cada uma das entrevistas de 5mins, que costumam começar com mais de hora de atraso por conta deles... :D

Globos de Ouro

A premiação não serve porra nenhuma como prévia do Oscar, onde mais de 6000 pessoas podem votar; mas o Globo de Ouro é uma das três principais premiações de Hollywood, ao lado do Careca Pelado e do Emmy, e é com certeza a mais divertida. “Nunca estive tão empolgada com uma premiação antes!”, diz Kristien. “Eu cubro esses award shows há quatro anos, mas esse é mais especial porque nossa associação está por trás dele”. “Eu estarei na mesa 318 com meu marido — e todos os membros têm uma cadeira pra eles e suas famílias. Nossos melhores amigos vão se juntar a nós depois, pras festas. Vai ser realmente divertido!”, conta.

Dress #Oscars: ✓️ Dress #GoldenGlobes: ✓️ Dress #CriticsChoice: ✓️ Now all I have to do is figure out which dress I wanna wear for the Globes! ☺️ #dress #ootd

A photo posted by Kristien Morato (@kristienmorato) on Dec 19, 2014 at 8:56pm PST

A gente percebe a empolgação em cada um dos posts da Kristien em redes sociais — e essa pode até ser uma das razões pelas quais Kristien foi aceita como membro da HFPA. Ela tem postado fotos dos convites, vestidos que tem experimentado e, pra premiação desse ano, prometeu fazer uma cobertura dos bastidores no seu instagram, @KristienMorato. Em resumo, é algo que não se vê por aí, da parte de membro nenhum e, claro, dá uma renovada nos ares do número 646 da N. Robertson Boulevard, gerando novos interessados e enfim.

Porém, tirando a noite de entrega dos Globos de Ouro, que sempre acontece em Janeiro, ela precisa tomar muito cuidado com quem vai pra balada ou BATE UM PAPO. “Há uma política muito restrita de que membros não podem participar de nenhuma festa ou evento em que os indicados estarão e nós não podemos fazer nenhuma entrevista com eles durante esse período”, o que faz BASTANTE sentido, especialmente com todos os boatos de vendas de voto que surgem todos os anos e, basicamente, marcam a história dos Globos de Ouro. Mas, pelo menos no começo, Kristien não vai ter de lidar com isso. “Como novata, não posso votar”, conta ela, que só a partir do seu segundo ano na HFPA, quando se tornar uma membro ATIVA, é que vai poder dar seus pitacos sobre TV e Cinema.

“Mas fiquei chateada que não houve nenhuma indicação a Invencível. Eu gostei muito daquele filme”, confessa ela.

Mas tudo bem. Pro seu primeiro ano, mais do que uma centena de entrevistas, mais do que ser a mais jovem integrante da HFPA, ela tem feito algo muito mais importante ao Universo. “Sim, eu tenho dito pra eles o tempo todo que as batatas fritas são belgas”. ;D