Pode parecer uma notícia qualquer. Mas é daquelas coisas importantes PRA CARALHO de se ver. E que dão um calor no coração.
Havia quem apostasse que a diversidade era um problema. Era, muito provavelmente, a mesma galera que TAMBÉM apostava que a Warner ia perder uma grana federal ao colocar uma heroína como estrela de um dos seus DC Films e que a Marvel finalmente teria seu primeiro fracasso financeiro com aquele elenco quase que inteiramente negro sobre um certo monarca / super-herói de Wakanda.
No fim, os números vieram, e ora, ora, a diversidade não era um problema. Porque quem nunca se via na cultura pop enfim pôde se enxergar. E aí que o Pantera Negra foi lá e faturou mais de 1 BILHÃO de dólares globalmente e, bom, o que também não falta é dono de cinema pedindo por mais T’Challas e Dianas nas telonas porque, vejam só a beleza da matemática, tem MAIS gente se enxergando nos personagens, tem MAIS gente querendo ir ver estes filmes, tem MAIS gente ganhando dinheiro com eles.
É como já dissemos aqui: representatividade na cultura pop é importante pra caralho. Mas além do aspecto SOCIAL, também faz bem pros negócios, porque não é filantropia e sim a entrega de um produto que uma generosa fatia de mercado vinha pedindo há muito tempo. Sabe quem é outra prova disso, desta vez bem mais próximo da gente, aqui mesmo no Brasil? A Graphic MSP Jeremias – Pele, estrelado pelo garoto negro da turminha do Bairro do Limoeiro que nunca tinha sido protagonista em toda a sua existência.
A obra da dupla Rafael Calça e Jefferson Costa estreou em terceiro lugar na categoria “ficção” da lista Nielsen PublishNews, que apura os autores nacionais mais vendidos em livrarias, supermercados e lojas de autoatendimento no Brasil. Eles ficam atrás apenas de dois romances do blockbuster nacional Augusto Cury, aquele que de longe superou Paulo Coelho, o médico psiquiatra que escreve autoajuda/conselhos motivacionais mas não gosta muito do termo. No fim, Jeremias deixou para trás grandes medalhões como Graciliano Ramos, Clarice Lispector, Ziraldo e o próprio O Alquimista, do nosso mago tupiniquim.
O que isso significa, portanto?
Ah, é a vitória dos quadrinhos sobre o preconceito da literatura tradicional? Olha só, sabemos bem que a Turma da Mônica tem ótimos números no Brasil – se formos levar em consideração SÓ a Turma da Mônica Jovem, tamos falando de uma das revistas em quadrinhos mais vendidas NO MUNDO, com um primeiro exemplar que teve tiragem inicial de 80 mil, logo teve que aumentar pra mais de 200 mil e, na edição com primeiro beijo de Mônica e Cebola na capa, vendeu impressionantes 500 mil exemplares.
Considere aí que a primeira tiragem de The Walking Dead #100, um fenômeno, teve 383 mil exemplares vendidos nos EUA, enquanto Amazing Spider-Man #583, de Janeiro de 2009, um estouro com Barack Obama na capa, tava na marca de um total geral de 530 mil exemplares.
Mas não é isso. Ou, pelo menos, não SÓ isso. É o fenômeno do Pantera Negra, cara. É a molecada negra FINALMENTE se vendo num personagem da Turma da Mônica. Ou melhor, não só a molecada, mas também os muitos adultos que consomem esta linha da Graphic MSP, sempre dispostos a curtir uma interpretação diferente dos personagens da sua infância e que, depois de taaaaanto tempo, dão de cara com aquele moleque de boné vermelho saindo do plano de fundo e virando atração principal.
“A ausência de referências positivas nos rouba o direito de imaginar, estabelece um teto para nossos sonhos”, diz o rapper Emicida no texto da quarta capa do gibi. “Minhas lágrimas correram pelo rosto ao ler Jeremias – Pele. Eu a vivi inteira tantas vezes”. No texto que assina, ele fala ainda sobre “chegar atrasado na vida das pessoas”, sobre um momento em que, com a filha no supermercado, buscando uma caixa organizadora para os brinquedos dela, ele tentou fazer com que fosse justamente a que tinha a princesa negra. “Quero uma caixa com uma princesa e não com essa”, a menina disse. “Eu havia chegado atrasado. Com muita felicidade, Jeremias está chegando na hora certa”.
Isso impacta na vida das pessoas DE VERDADE. E isso reflete em vendas. Reflete em números. É realmente impossível que ainda tenha gente que não enxergue isso. E Jeremias – Pele merece DEMAIS. Afinal, tamos falando de um dos melhores títulos da série até o momento, empatado com a trilogia dos irmãos Cafaggi.
É uma história sobre preconceito, sobre racismo, corajosa, sem medo de abordar diretamente o tema — o momento em que o pai do Jeremias cruza com a polícia na rua, por exemplo, é forte, é intenso, é impactante, é um soco na cara do tipo que jamais esperaria ter visto em uma HQ da Turma da Mônica. E na escola, quando rola a seleção pra um trabalho sobre profissões, é que o Jeremias, melhor aluno da sala, sente, pela 1a vez, o peso do que é ser negro. Na escolha da professora. No outro moleque apontando na cara dele dizendo que ele é menos e deve se contentar com isso apenas por ter outra cor de pele.
Ele fica triste, ele se revolta, ele não sabe o que sentir. Ele arruma briga. E quando volta pra casa, o diálogo acalorado do pai do garoto, sobre ser negro significar ter que ser duas vezes melhor do que todo mundo, e depois o desdobramento disso que Jeremias faz ao apresentar o trabalho, são de torcer o coração dentro do peito.
Jeremias – Pele consegue, ao mesmo tempo, ser doce, delicado, emocionante e DIRETO. Você sorri, você chora, você se apaixona pelos personagens. Eu queria ser amigo do Jeremias, queria ir almoçar na casa dele e dar um abraço nos pais dele. E no avô dele.
O avô do Jeremias, sério, merecia uma Graphic MSP só dele.
Quando uma história consegue fazer isso com você, cara, é sinal de que ela tá MUITO no caminho certo. E merece que cada vez mais gente leia, se emocione, reflita e entenda.
Como bem disse o Emicida, sem mais atrasos.