As histórias das nossas caixas de Spam | JUDAO.com.br

Coletânea brasileira de quadrinhos reúne autoras em torno de um tema que você não deve mais aguentar ouvir falar… :D

Ao lado das @s, das hashtags, do WWW e das pessoas que só leem as manchetes das notícias, dá para dizer que o spam faz parte dos FUNDAMENTOS da internet. As “mensagens não-solicitadas” estão em tudo quanto é lugar e já são, ainda que a contragosto, parte das nossas vidas – e foi pensando nisso que Claudio Martini, editor da Zarabatana Books, teve a ideia do mais novo título em quadrinhos da editora. Trata-se da antologia de histórias curtas batizada de Spam.

“Cerca de dois anos atrás, tive a ideia de reunir autoras brasileiras de HQ em um livro e já havia contatado diversas delas no último FIQ”, explica ele. No entanto, a intenção era ter um título que, ao mesmo tempo que desse uma unidade temática ao título, não restringisse muito o trabalho das artistas. “E esta ideia do tema surgiu este ano. Foi quando voltei a falar com as autoras e agora o livro está pronto para ser lançado no FIQ”, revela.

Claudio conta ainda que, quando publicou as antologias da Fierro [clássica revista argentina de quadrinhos], reunindo autores hermanos e brasileños, se sentiu incomodado por não ter selecionado nenhuma mulher entre os muitos quadrinistas que aparecem nos dois livros.

“E me incomodou também ninguém perguntar porque não havia nenhuma autora presente. Quando comecei a falar que publicaria um livro apenas com mulheres, surgiu a pergunta de ‘por que só autoras?’. Por um lado, a pergunta é normal, pois há poucas obras apenas com autoras, mas por outro mostra que há muito a ser trabalhado para haver igualdade”.

SPAM

As artistas selecionadas para Spam foram Germana Viana (Lizzie Bordello e as Piratas do Espaço), Samanta Flôor (Toscomics), Cynthia B. (Golden Shower), Cátia Ana (O Diário de Virgínia) e Camila Torrano (A Travessia). O processo artístico funcionou assim: o Claudio selecionou alguns assuntos de spams e disse para que elas escolhessem os seus favoritos. A partir daí, liberdade total.

“Eu escolhi: Eles chegam sem você perceber. Fique protegido e minha história é basicamente um dia na vida dos funcionários de uma padaria, com destaque para duas amigas. Quando ler, você vai notar que, a despeito do tema ser spam, a história se passa quase toda off line”, explica Germana. “Porque a minha intenção é fazer uma brincadeira com o quanto o mundo online e o real se mesclam. O quanto um inspira e invade o outro”. No caso de Camila, a história fala de um momento na vida de Dona Teresa, uma senhorinha de mais de 70 anos, católica, dona de casa. “Acontece que um dia a vizinha dela chega com um spam em mãos: o vibrador. Digo spam porque se há algo que Dona Teresa não pediu nem nunca sequer viu, é um vibrador. Mas o que é aquilo? Pra que serve? Bem, o que aconteceu com Dona Teresa e o vibrador...só lendo”. :D

Pra Samanta, a inspiração veio de um lugar totalmente inesperado: Edgar Allan Poe. “Não sei exatamente porque, mas o poema O Corvo estava na minha cabeça. Aí eu comecei a pensar: que bizarro seria se ao invés de Nevermore, o corvo gritasse ‘aumente seu pênis’. E se ao invés de um corvo fosse um papagaio?”. Aliás, ela diz que estes são justamente os seus spams favoritos – se é que dá pra escolher isso, mas enfim. “Eu até posso acreditar que tem um príncipe no Zimbábue querendo me dar milhões de dólares, mas que alguma pílula ou instrumento tecnológico aumentará um pênis em 30 cm sem intervenção cirúrgica...não”.

SPAM

A Cynthia, por outro lado, foi buscar inspiração oriental – no caso, na pomada chinesa chamada Tiger Balm, ainda bastante usada para dores musculares. “Uma menina resolve apimentar a noite usando esta pomada, porque ela ouve dizer que tem algum efeito sexual, e resolve colocar diretamente LÁ. Mas no final não dá MUITO certo e a noite dela acaba meio triste...”.

SPAM

Completando o time, temos a Cátia – que foi por um lado diferente e trabalhou três histórias curtas a partir dos temas que o Claudio passou. “Procurei me afastar dos significados literais do Spam e me foquei nas ideias que os títulos dos temas me despertaram”, conta ela. “De certa forma me inspirei em pessoas à minha volta e nos significados que o relacionamento com elas me despertavam: a dificuldade e o medo de se abrir e relacionar com os outros, a energia para estar sempre se renovando e a aceitação com o que se é”. Definitivamente, o momento mais filosófico e reflexivo da obra. :)

SPAM

Mas como o tema da edição é spam, será que em nenhum momento elas pensaram em fazer uma homenagem ao Monty Python – a trupe inglesa que, em um de seus mais clássicos esquetes, de 1970, fez uma brincadeira envolvendo uma marca de embutidos enlatados chamada Spam, repetindo o nome à exaustão. Foi justamente a piada deles que batizaria o lixo eletrônico algumas décadas depois. “Eu sou fãzona de Monty Python e fui assistir a esse quadro assim que o Claudio passou a ideia do livro!”, confessa Samanta. “Mas infelizmente não consegui inserir nenhuma referência na minha história”. Germana também diz que foi a primeira coisa na qual pensou, embora não tenha incluído nada a respeito no resultado final. “Se bem que tenho uma vizinha que tem a voz bem parecida com a de Terry Jones, mas não, ela não faz parte das pessoas da história”, brinca.

Claudio deixa no ar ainda a possibilidade de que tenhamos mais spams a caminho. “Todas que estão no livro toparam de cara, mas algumas que eu convidei não puderam participar por causa de outros compromissos. Quem sabe possam participar de um segundo volume”.