Parece que parte da indústria está realmente interessada em avançar neste sentido? Parece sim. Ainda falta um longo caminho a seguir? SEM DÚVIDA ALGUMA.
Em 2018, a indústria cinematográfica viu Podres de Ricos conseguir um faturamento global de US$ 238,5 milhões com um orçamento de produção de apenas US$ 30 milhões, ficando em sexto lugar entre as maiores bilheterias americanas de todos os tempos entre as comédias românticas. Números impressionantes que impressionam AINDA MAIS por se tratar de um filme estrelado, dirigido, escrito por asiáticos — uma palavra que, aliás, tá bem no título original do filme.
Vai lá, procura qualquer outro filme parecido com esse, com os mesmos resultados, que a gente espera. E até vale citar Pantera Negra, já que tanto pra um quanto pro outro podemos dizer não só que REPRESENTATIVIDADE IMPORTA como uma boa história é uma boa história independente do que os executivos pensem.
Esse sucesso todo colocou a indústria e público em expectativa para a sequência, já que a história é baseada em uma trilogia de livros escrita por Kevin Kwan. Mas, apesar de toda a questão de representação ter subindo de patamar, a continuação encontrou uma questão bastante pertinente: a paridade salarial.
Podres de Ricos foi co-escrito por Peter Chiarelli e Adele Lim, dois roteiristas com histórias bem diferentes na indústria. Enquanto Chiarelli escreveu os roteiros de A Proposta e Truque de Mestre: O 2º Ato, Lim tem uma vasta experiência escrevendo roteiros para séries, com créditos em Life Unexpected, Reign e Dinastia. Mas, curiosamente, enquanto Chiarelli recebeu uma proposta salarial entre US$ 800 mil e US$ 1 milhão para retomar os roteiros na parte 2, ofereceram para Lim pouco mais de US$ 100 mil.
O padrão das negociações envolvendo roteiristas se baseia na experiência de cada escritor na indústria. Apesar de Lim ser considerada uma veterana na televisão, sua primeira contribuição no cinema propriamente dito foi justamente em Podres de Ricos. A Warner Bros. explicou para os representantes dos roteiristas que os valores oferecidos foram estabelecidos pelo padrão do setor e que abrir uma exceção criaria um precedente preocupante nos negócios. As conversas foram encaminhadas para Toby Emmerich e o presidente do estúdio apoiou a posição do departamento de negócios da Warner.
A solução encontrada por Lim foi se retirar da sequência por acreditar que não estava sendo valorizada por seu trabalho. A roteirista acredita, e a gente não duvida, que se ela fosse um homem branco, o currículo cinematográfico não pesaria tanto na coisa toda de “abrir precedentes preocupantes”. Em entrevista exclusiva pro THR, ela afirma que as mulheres e minorias são frequentemente consideradas “molho de soja”, sendo contratadas para espalhar detalhes culturalmente específicos no enredo e não sendo creditadas por colaborarem efetivamente com a criação da história em si. “Ser avaliado dessa maneira não pode deixar de fazer você sentir que é assim que eles veem minhas contribuições”, completou.
Nesse momento, a roteirista malaia assinou um contrato com a Disney Animation para o roteiro de uma animação influenciada pela mitologia do sudeste asiático chamada Raya e o Último Dragão, mas afirma que a Disney está disposta a equilibrar seu tempo caso preciso.
Depois que Lim se desligou do filme, o estúdio Color Force passou aproximadamente cinco meses buscando escritores de ascendência asiática para o trabalho. Sem sucesso na pesquisa, eles retornaram com uma nova oferta para Lim que estaria mais próxima da paridade com Chiarelli, que ofereceu inclusive dividir seus ganhos com ela, mas a roteirista recusou.
“Pete tem sido incrivelmente gentil, mas o que eu faço não deve depender da generosidade do escritor branco. Se eu não conseguisse obter remuneração após Podres de Ricos, não consigo imaginar como seria para outras profissionais, já que o padrão de quanto você vale é estabelecido por filmes anteriores e mulheres não brancas nunca são contratadas mesmo. Não existe uma maneira realista de alcançar a verdadeira equidade dessa maneira”, finalizou a roteirista.
Sim, Hollywood está finalmente avançando nas discussões sobre a diversidade e a inclusão de mulheres e pessoas não brancas em projetos onde esses grupos seriam tradicionalmente marginalizados. Mas enquanto a maioria dos esforços está na contratação das estrelas protagonistas, agora os estúdios precisam lidar com a sub-representação dessas pessoas nas salas de roteiros, por trás das câmeras. É hora das indústrias cinematográfica e televisiva aprenderem a falar com grupos minoritários sobre NEGÓCIOS.
Uma pergunta pertinente nesse caso é como a experiência de escrever para a televisão e o cinema deve ser definida, além do valor de cada caso e o sucesso do material escrito. Se ambos trabalharam no mesmo roteiro e o trabalho de Lim foi constantemente apontado como um fator essencial para a autenticidade do material original à partir da sua própria experiência como asiática, faz algum sentido que seu trabalho seja visto como menos valioso que o de Chiarelli?
Nesse momento em que a indústria está se abrindo para a inclusão, a óbvia lacuna de experiência fica cada vez mais visível nas negociações dos contratos. Outro ponto está no questionamento da própria Lim sobre ter sido contratada apenas para oferecer elementos culturais para a história. A indústria abriu espaço para mulheres e pessoas não brancas apenas para entregar enredos ligados às suas origens específicas? É aquela coisa que a gente já falou: de nada adianta fazer um evento de quadrinhos, por exemplo, e convidar mulheres para falarem apenas e tão somente em painéis sobre MULHERES NOS QUADRINHOS, enquanto todas as outras discussões ficam com os homens de sempre.
Ainda temos um longo caminho pela frente quando o assunto é equidade salarial, tanto lá quanto cá, mas a mídia e setor da indústria estão empenhados em abrir espaço para discussões sobre o tema, que agora precisa DEFINITIVAMENTE precisa avançar.