HQ noir com gosto de feijoada e caipirinha | JUDAO.com.br

Aguardando financiamento coletivo no Catarse, BARÃO MACACO traz uma misteriosa figura mascarada se colocando entre duas facções criminosas em plena metrópole brasileira

Aqui mesmo no JUDÃO, a gente já tinha te explicado o que significa o termo noir – cortesia do nosso especialista na Sétima Arte, Leandro Fernandes, que você deve (ou deveria) estar acompanhando nos diários da Mostra Internacional de SP.

“Traduzindo literalmente, o termo, criado por críticos franceses para denominar fitas policiais, significa ‘novela escura’. Como o próprio nome diz, a principal característica dos exemplares desta categoria envolve a exploração do lado sinistro do duelo mocinho vs. bandido”, explica Leandro, há anos conhecido na web pela infame alcunha de Zarko. “Até os idos de 1930, os longas-metragens policiais eram bem claros: o mocinho era bondoso e puro; o bandido era o estereótipo máximo da vilania (o que o tornava muitas vezes risível). O noir procurava dissecar o lado psicológico deste embate; nos filmes noir, integridade era uma palavra inexistente, ou seja, o bom poderia ser tão corrupto, sinistro e dissimulado quanto o mal. Às vezes, até mais. O objetivo do gênero era explorar o filão policial através de seu lado mais complicado: o psíquico”.

Isso é coisa de cenários pop gringos, uma ambientação que dá as caras em filmes, séries de TV ou HQs estrangeiras, certo? Errado, meu bom. Na plataforma de financiamento coletivo Catarse, você consegue encontrar um interessante projeto de gibi brasileiro que usa e abusa deste formato, mas trazendo e ambientando a coisa toda aqui mesmo, no nosso país. Trata-se de Barão Macaco, obra escrita por Hector Lima (Sabor Brasilis), desenhada pelo veterano Milton Sobreiro (conhecido por seus trabalhos para a lendária revista Heavy Metal) e com letras e capas de Felipe Sobreiro (cujo trabalho pôde ser visto, recentemente, nas capas de All-New Ultimates e All-New Ghost Rider, ambas da Marvel Comics).

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Descrito pelos autores como um “noir tropical”, Barão Macaco bebe de influências como os personagens pulp de rádio e gibi: O Sombra, O Aranha, Besouro Verde, o brasileiro Garra Cinzenta, além de um pouco dos anti-heróis Fantômas e Diabolik, “até culminar no Batman”, como explica Hector, em entrevista concedida ao JUDÃO. “Não tem como negar a influência dos noticiários de TV: desde o saudoso Aqui Agora aos atuais Jornal Nacional e a bad trip dos ‘cadernos policiais filmados’ do Cidade Alerta, Brasil Urgente e afins, que sempre vão ser muito mais aterrorizantes que qualquer história de ficção”, revela o roteirista, lembrando que a inspiração original teria sido surgido de uma tentativa de assalto acontecida em Santos (SP), sua cidade-natal. “Como era curioso o Fantasma ser basicamente um cara de origem branca defendendo uma região africana de piratas. Como seria o inverso disso, um vigilante negro em um ambiente dominado por uma elite branca?”.

Para explicar a história, Hector lembra que todo brasileiro está acostumado a viver num cenário em que o crime organizado é um comércio tão normal quanto um supermercado. “O tráfico de drogas e armas movimenta milhões ao custo de muitas vidas, e muita gente lucra com isso – nos mais variados escalões. E se esse sistema começasse a falhar, sabotado por uma figura misteriosa? E se boatos começassem a correr sobre um sujeito mascarado eliminando soldados de ambas as facções rivais – Quinto Partido e Comando Treze – que disputam o tráfico em uma metrópole?”.

A polícia não sabe de nada, tampouco a imprensa – à exceção de Renata, uma jornalista que quer investigar esta lenda, que começa a parecer real demais, sem saber que está se metendo em um fogo cruzado. “Todo mundo que gosta de suspense policial e ação, e em algum momento imaginou como seria encarar um vigilante mascarado quando assiste às notícias na TV, vai curtir o Barão Macaco”.

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Quando a gente coloca “noir” e “HQ” na mesma frase, talvez tenda a comparar Barão Macaco com Sin City, de Frank Miller, o exemplo bem-sucedido mais recente do gênero. Certo, Hector? “Talvez sim na hora de citar como algo aproximado, mas não tenho pra mim como referência pro Barão Macaco especificamente”. O autor diz que Sin City “é quase um pastiche de noir, porque o Frank Miller destila elementos clássicos do gênero na literatura e gibi até seus significantes mais simples e aumenta o volume do significado até a coisa ficar gritante de exagerada, praticamente uma paródia”. Para ele, o grande problema da obra de Miller é que “ainda tem muito personagem machão defendendo a honra da mocinha submissa”.

Citando as obras do Warren Ellis e do Ed Brubaker como influências mais diretas, Hector deixa claro que, em Barão Macaco, a personagem principal é Renata, que “bate de frente com os homens que dominam os caminhos por onde passa”.

O mais interessante é que os autores ampliam o seu caldeirão de misturas para definir a atmosfera da história. Além dos filmes italianos de suspense sangrento no gênero “giallo” (da geração de diretores formada por nomes como Mario Bava, Lucio Fulci, Dario Argento e Sergio Martino), Hector ainda faz questão de citar o rap dos anos 1990, que retratavam de forma nua e crua as dificuldades da periferia: Facção Central, Racionais MC’s, Gog, Câmbio Negro, DMN, Thaide & Dj Hum, Sistema Negro. Isso sem esquecer do chamado “funk proibidão”, aquele que mergulha de cabeça no cotidiano do crime – Cidinho e Doca, Careca e Pixote, Duda do Borel, MC Frank e outros.

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Com campanha de financiamento aberta até 13 de novembro, Barão Macaco é uma graphic novel com história fechada de 60 páginas em P&B (como um bom gibi noir, claro) e tiragem de 1.300 exemplares. O lançamento está previsto para dezembro deste ano, pelo selo Fictícia.