Ian Livingstone: não importa a plataforma, o que importa é jogar! | JUDAO.com.br

Um “agnóstico” autodeclarado no que diz respeito a conteúdo, o autor de clássicos livros-jogos como A Cidade dos Ladrões bate um papo com o JUDÃO antes de chegar pra Comic Con de SP

Antes de entrar de cabeça no mundo do GURPS ou do D&D, logo depois de ler O Senhor dos Anéis pela primeira vez (e não entender mais da metade, confesso), lá do alto dos meus 13/14 anos, quem abriu as portas do RPG para mim foram os livros-jogos escritos por um certo Ian Livingstone. Títulos como O Feiticeiro da Montanha de Fogo, A Cidade dos Ladrões, A Masmorra da Morte, todos clássicos da coleção Fighting Fantasy (batizada por aqui de Aventuras Fantásticas), embalaram a minha adolescência com lápis, borracha e um par de dados. Sozinho no quarto, eu decidia se ia encarar de frente o guarda do castelo, indo para a página 42, ou se ia tentar invadir pela entrada secreta, correndo direto para a página 63.

Já de malas prontas pra embarcar para o Brasil para a comic con de São Paulo, o autor inglês de 66 anos sabe que vai ouvir muitas destas histórias por aqui. Não apenas porque os livros da série estão sendo relançados no Brasil com novas capas e traduções revisadas, mexendo com as memórias dos veteranos e ao mesmo tempo abrindo espaço para novos leitores, mas simplesmente porque ele escuta isso SEMPRE. “E quem sou eu pra discordar?”, brinca, em entrevista exclusiva para o JUDÃO. “Fico muito orgulhoso que Fighting Fantasy tenha sobrevivido ao teste do tempo. É recompensador saber que estas obras continuam relevantes nos dias de hoje, mais de três décadas depois”.

Considerado um dos pais da indústria de jogos na Inglaterra, Livingstone – um aluno-padrão na escola, segundo ele, que só tirava notas boas em Geografia – foi um dos responsáveis pela distribuição do clássico Dungeons & Dragons por lá via Games Workshop, sua empresa de fundo de quintal com os amigos John Peake e Steve Jackson (não, não é o do GURPS, não custa relembrar) por volta de 1975. Depois de vender os produtos dos outros, em 1980, o sujeito começou a costurar o conceito dos livros-jogos, primeiro lançamento proprietário da GW que não era uma revista falando SOBRE jogos. Acabaram sendo publicados em mais de 23 línguas e vendendo 18 milhões de cópias em todo o mundo.

Ian Livingstone

“Nos eventos, também curto conversar com meus fãs e ouvir um pouco sobre as carreiras deles”, conta Ian. “E é gratificante descobrir que inspirei muitos deles a escreverem seus próprios RPGs, ou a se tornarem designers de jogos ou ainda artistas especializados em temas de fantasia”. Mas o próprio Livingstone, no entanto, também não para: depois de comemorar, em 2012, o lançamento de 30 anos da linha com uma nova obra, Blood of the Zombies, parece que um novo Fighting Fantasy é BEM possível. “Estou trabalhando em ideias. Afinal, fazemos 35 anos em 2017 e seria ótimo celebrar com um novo livro. Se meus seguidores no Twitter me apoiarem o bastante, definitivamente vou escrever um novo”, provoca. E ainda dá a pista: “até o momento, parece que vou levar os fãs de volta para Port Blacksand, a ambientação de Cidade dos Ladrões”.

Fazemos 35 anos em 2017 e seria ótimo celebrar com um novo livro

Como um cara que tem mais de 1.000 jogos de tabuleiro diferentes em sua coleção, Ian é do tipo que não se intimida nem um pouco pelo atual crescimento do interesse pelos jogos eletrônicos. “Videogames são ótimos, mas tem algo especial em ler um livro físico, folhear as páginas, rolar os dados, ver as ilustrações, anotar as suas provisões, desenhar um mapa... Tudo é parte da diversão aqui”. Mas ele deixa claro que discorda desta postura de que tem que ser uma coisa OU a outra. Elas se complementam. “Eu sou um desenvolvedor de jogos e posso levar meu conteúdo para qualquer mídia, física ou digital. Sou um agnóstico de plataformas”.

Pudera: afinal, o inglês tem propriedade para falar do assunto. Depois de vender a icônica Games Workshop em 1991, ele entrou para o time da software house Domark – a mesma para a qual tinha desenvolvido, anos antes, seu primeiro jogo de computador, o Eureka!, que oferecia um prêmio de 25.000 libras para quem solucionasse por completo o seu mistério. Ian supervisionaria, em 1995, a fusão da companhia com outras três (Eidos Technologies, Simis e Big Red Games), gerando o chamado Eidos Interactive Group, na qual atuou como presidente executivo até 2002 e como diretor criativo até 2006. “Posso dizer que tive muita sorte de ter tanta experiência com RPGs de lápis e papel, porque isso me ajudou muito ao desenvolver jogos para o mundo digital”.

A crença de Ian Livingstone nos jogos digitais é tão grande que ele chegou a trabalhar com o governo britânico em uma série de mudanças na política educacional do país, lutando para incluir um novo currículo de computação e programação nas escolas. “As crianças nascidas na era da internet terão que aprender habilidades necessárias para trabalhos que ainda nem existem”, diz. “É a combinação de conceitos de programação e criatividade que constrói as empresas que mudam o mundo nos dias de hoje, em especial as companhias especializadas em videogames”. Para ajudar a molecada neste tipo de estudo, ele já está planejando a abertura, em setembro de 2019, da Livingstone Academy, uma escola que tem planos de oferecer a autêntica “educação do século 21”, com um currículo focado em ciências da computação e artes digitais. “Queremos ajudar esta nova geração a garantir os trabalhos do futuro”.

Ian Livingstone e as Lara Crofts da vida real (só faltou a Rona Mitra)

Ian Livingstone e as Lara Crofts da vida real (só faltou a Rona Mitra)

Por falar em futuro, ele enxerga com bastante curiosidade os próximos passos da nova versão da Lara Croft para os cinemas – uma personagem cujos jogos ele ajudou a criar e lançar, em sua época de Eidos. “Ela esteve em minha vida por 20 anos, me sinto muito próximo dela, quase como um pai”, confessa.

Ele relembra que, no primeiro filme, teve participação ativa junto com os produtores da Larry Gordon Associates, que trabalharam para a Paramount Pictures, e foi um dos que deram o OK para a escolha de Angelina Jolie. “Eu a conheci durante as filmagens e ela era incrível. Não apenas inteligente e bonita, mas fez a maior parte de suas cenas de ação sem dublê. Espero que a Alicia Vikander seja uma sucessora de responsa para ela”.

Mas e com relação às suas próprias criações, será que não existe qualquer chance de vermos o mundo de Titan, onde se passam a maior parte das aventuras dos livros da série Aventuras Fantásticas, ganhar uma versão nas telonas? Afinal, depois do sucesso de Senhor dos Anéis/O Hobbit, até Dungeons & Dragons terá mais uma chance de brilhar... “Bom, só posso contar que existe um roteiro fantástico que está sendo escrito para A Masmorra da Morte e que já tem até uns estúdios e produtores de olho nele”, revela. Será que as armadilhas demoníacas e os monstros sedentos de sangue do chamado Labirinto de Fang serão as estrelas do próximo blockbuster da vez? “Eu ficaria MUITO feliz!”, enfatiza.

Fica aqui então a nossa campanha: Anthony Hopkins como Barão Sukumvit! ;)