Post Pop Depression, álbum de Iggy gravado secretamente em parceria com o líder do Queens of The Stone Age, sai em março – mas esta dupla combina tanto que a pergunta é por que nunca aconteceu antes
No atual universo da cultura pop, chega a ser um prazer ser surpreendido por realizações que conseguem passar alheias aos fóruns e redes sociais e simplesmente não vazam antes do tempo.
Por exemplo: até o final da semana passada, ninguém sabia que o lendário Iggy Pop tinha se trancado em estúdio, durante o mês de janeiro, com ninguém menos do que Josh Homme – a mente por trás do Queens of The Stone Age e que tem as manhas de se meter em tantos projetos paralelos quanto o amigo Dave Grohl (em alguns deles, até mesmo JUNTO com Grohl).
Surgia aí Post Pop Depression, que será lançado como o 17o álbum da discografia solo de Iggy mas é resultado do trabalho de uma dupla que, vamos combinar, já na teoria parecia ter nascido para trabalhar junta. Ao escutar o primeiro single, Gardenia, temos então a certeza na prática de que a parceria acabou demorando mais tempo do que devia para rolar.
Ao lado de Iggy e Homme, estavam o guitarrista-tecladista Dean Fertita (parceiro de Josh no QOTSA e também integrante do Dead Weather de Jack White) e o baterista Matt Helders (Arctic Monkeys). Resumidamente: um supergrupo do rock alternativo acaba de nascer e você nem estava sabendo disso. ;)
A ser lançado no dia 18 de março via Loma Vista Recordings, Post Pop Depression começou como uma troca de mensagens de texto, a partir do celular velho de Iggy. A seguir, o velho roqueiro enviou um pacote da FedEx para o jovem pupilo com anotações do poeta Walt Whitman, rascunhos de letras potenciais rabiscados por Iggy e ainda algumas notas a respeito dos dias em que ele e David Bowie produziram juntos os álbuns Lust For Life e The Idiot, ambos de 1977, em Berlim. Esta primeira faixa divulgada do duo Iggy + Homme, pelo menos, indica bem esta pegada, o começo de sua trajetória como artista-solo.
A ideia do projeto conjunto foi justamente manter o segredo para ter 100% de independência musical. “Eu queria ser livre”, revela Iggy, em entrevista ao The New York Times. “Para ser livre, eu precisava esquecer. E para esquecer, eu precisava de música. Josh tinha música de verdade nele, então eu provoquei este encontro”.
Para o líder do QOTSA, a provocação foi irrecusável, porque ele mesmo teve um momento de iluminação, nos anos 1990, ao ouvir estes mesmos dois discos da fase Berlim de Iggy. “Eu estava ouvindo os dois e viajando pelo país em turnê com uma banda de sucesso”, relata Josh, a respeito de sua passagem com o Kyuss, o primeiro grupo no qual DESPONTOU no cenário musical. “E aí eu comecei a pensar: ‘estes discos [do Iggy Pop] dizem tudo que eu queria dizer e eu não poderia dizer melhor’. Então, eu saí da banda”.
Só havia, no entanto, uma única regra criativa nas sessões que se tornariam mais tarde o Post Pop Depression: ninguém deveria trazer músicas completas, fechadas. Deveriam ser apenas ideias. Que o outro complementaria, mudaria, recortaria, remixaria. “A ideia com isso era que a gente fosse até algum lugar em que nunca estivemos, em termos musicais. Este foi o acordo. E seguimos por este caminho”, revela Josh.
O resultado foram nove músicas, surgidas nos dois estúdios de Josh: duas semanas de gravação no estúdio caseiro que ele tem em Joshua Tree, sua cidade natal no deserto californiano; e mais uma semana no Pink Duck Studios, em Los Angeles. “Pagamos tudo do nosso bolso”, explica Iggy, aos risos. “Mas fizemos esta parada para ser ouvida. E não para ser uma coisa obscura que fizemos com nosso dinheiro e vai ficar na gaveta, para ninguém ouvir”.
Para Homme, musicalmente, o álbum soa como uma sequência de Lust for Life. Só que com uma ressalva. “Mas sem ser uma cópia, porque esta é uma direção que segue por milhas e milhas. E conforme você vai caminhando pra frente, chega um ponto que nem consegue mais ver de onde saiu”.
O tema por trás das letras do disco segue esta pegada mais soturna, sombria, gélida. “O que acontece com você depois de tantos anos de serviço? E onde está a honra?”, conta o próprio Iggy, em comunicado oficial. “Na vida dos norte-americanos, neste clima tão hiper-competitivo, o que acontece quando você se torna inútil para todo mundo, exceto você mesmo? E você pode continuar sendo útil para você mesmo. Eu tinha um personagem em mente quando fizemos as letras. Era uma mistura de mim mesmo com um veterano militar”. Ou seja, como era de esperar, uma espécie de autoanálise a respeito de um roqueiro prestes a completar 69 anos de idade, avaliando o próprio passado. “Ele é o último de uma espécie única”, descreve Homme. “Esta é uma vitória merecida para um cara que não tem certeza se venceu. Mas ele venceu sim”.
Enquanto Iggy enxerga no disco uma reflexão sobre seus anos de glória e sobre o futuro que o aguarda nos próximos anos, para Homme ele também serviu como uma catarse, mas no que diz respeito a um assunto bem presente: o fatídico show que os Eagles of Death Metal fizeram na casa de shows parisiense Bataclan, naquele noite de 13 de novembro, quando terroristas espalharam morte na capital francesa. “Acho que foi meu destino estar em casa e ajudar a trazê-los para casa”, diz Homme, que também é integrante do grupo mas que não estava naquela apresentação em particular. “Coisas ruins são como o pôr do sol: elas se dissipam com o tempo. Mas este foi um pôr do sol bem longo. Meus melhores amigos, como eles poderiam ‘desver’ o que se passou naquele dia?”. No fim, mergulhar de cabeça em Post Pop Depression ajudou Homme a lidar com a catástrofe. “O fato de que eu tinha isso para trabalhar acabou meu salvando”.
Ao lado de Fertita e Helders, a dobradinha Homme e Iggy planeja sair em uma turnê curta, ainda a ser anunciada, contando ainda com as participações de Troy Van Leeuwen (guitarra, QOTSA) e Matt Sweeney (baixo, Chavez). “Serão poucos shows e não serão em lugares grandes”, afirma Josh. “E vai ser complicado descolar ingressos. Então, praticamente ninguém vai ver estes shows. Vai ser como agarrar fumaça com suas mãos. E isso faz tudo ficar ainda melhor. Vai ser especial – e vai acabar num piscar de olhos”.