James Gunn, diretor de Guardiões da Galáxia, reage às críticas que surgiram nas premiações das últimas semanas e deixa claro que “orçamento maior” não significa “menos amor”
Para quem acompanhou a temporada de premiações que culminou com o Oscar, uma coisa chamou bastante a atenção: as piadas/tiradas irônicas com os filmes de super-heróis. No número musical de abertura da festa máxima do cinema, Jack Black subiu ao palco e sacaneou a atual predileção da indústria por produções baseadas em HQs – mas isso, para ser honesto, não foi nada No mesmo final de semana, rolou uma cutucada bem mais severa, durante os Independent Spirit Awards, cerimônia que celebra o cinema independente nos EUA.
“Todos que estão aqui sobreviveram ao tsunami dos filmes de super-heróis”, disse o roteirista e diretor Dan Gilroy, do ótimo O Abutre (com Jake Gyllenhaal). O tom foi satírico mas também crítico, como que querendo dizer “ufa, pra fazer bom cinema independente, tivemos que encarar a concorrência destes filmecos de super-heróis que tomaram conta das salas de cinema”.
Vejam, não vou entrar no mérito de que Gilroy é casado com Rene Russo. A mesma Rene Russo que, vocês devem se lembrar, fez DOIS filmes do Thor, né? Tampouco vou ficar batendo na tecla que nós já abordamos aqui, sobre filmes de super-heróis não serem um gênero por si mesmos – e sim comédias, dramas, suspenses e afins, que são inspirados em gibis e fazem uso do arquétipo do super-herói. Mas acho que esse é o tipo de comentário que me faz lembrar dessa insistente e persistente dicotomia que a indústria (cineastas, fãs, críticos) insiste em criar. De um lado, os blockbusters milionários, que levam milhares de pessoas aos cinemas mas são “burros, vazios, sem alma”. Do outro, os filmes independentes, que são sempre “lindos, feitos na raça e no coração, a verdadeira tradução de arte”.
Hum. Acho que não, né?
Lembram do Rubens Ewald Filho dizendo “então, vai dar Disney ou arte?”, como se o que a Disney faz não pudesse ser considerado arte, em comparação com um Miyazaki, por exemplo? Ou mesmo o Inácio Araújo, quando disse que filmes de super-heróis estão criando um cinema de segunda classe? É isso. Eu continuo chamando de elitização do entretenimento.
Não apenas eu me incomodo com esta história, veja. Em seu perfil oficial no Facebook, o diretor James Gunn, de Guardiões da Galáxia, fez um desabafo sobre o assunto, lembrando que gêneros populares sempre foram “esnobados” pelos integrantes da auto-proclamada elite, em qualquer mídia. “Eu já ganhei mais prêmios do que imaginava com os Guardiões”, confessa. “Mas o que me incomoda é que muitas pessoas assumem que, só porque você faz filmes grandes, você coloca menos amor, preocupação ou consideração neles do que as pessoas que fazem filmes independentes ou aqueles considerados mais sérios em Hollywood”.
Gunn exemplifica usando sua própria carreira, lembrando que também já fez filmes independentes, filmes infantis, de terror, filmes B. “Descobri que existem muitas pessoas em tudo quanto é lugar fazendo filmes por um centavo ou para satisfazer a sua própria vaidade. E existem aqueles que fazem o que fazem por adorar contar histórias, adorar cinema, querer levar ao mundo a mesma mágica que eles receberam do trabalho dos outros”, opina, destacando que isso acontece tanto entre os independentes quanto entre os cineastas chamados “comerciais”.
“Se você acha que as pessoas que fazem filmes de super-heróis são idiotas, venha aqui e diga que somos idiotas”, brincou. “Mas se você, um cineasta independente, um cineasta sério, acha que coloca mais amor nos seus personagens do que os Irmãos Russo fizeram com o Capitão América, ou Joss Whedon com o Hulk, ou eu mesmo com um guaxinim falante, você está simplesmente errado”, finalizou Gunn.
Vamos falar do Oscar? Que tal a constatação de que nove dos vinte indicados ao careca dourado nas quatro categorias de melhor atuação (ator, atriz, ator coadjuvante e atriz coadjuvante) já estiveram ou estarão em algum filme que tem gibis com base? Bradley Cooper (Guardiões da Galáxia), Benedict Cumberbatch (Doutor Estranho), Michael Keaton (Batman), J.K.Simmons (Homem-Aranha), Edward Norton (O Incrível Hulk), Mark Ruffalo (Os Vingadores), Marion Cotillard (Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge), Felicity Jones (O Espetacular Homem-Aranha 2) e Emma Stone (O Espetacular Homem-Aranha).
Tá bom pra você?
Se não tiver, a gente faz ficar. A revista Forbes publicou um artigo interessante sobre o assunto, que resumimos aqui: só no ano passado foram 12 comédias românticas, 18 dramas e outros 18 filmes que foram indicados ao Oscar ou considerados “esnobados”. Tudo isso em 2014, lembrem-se. Pelo menos 48 grandes filmes que não tinham nenhum super-herói. E não, não consideramos Birdman como um super-herói. :)
No mesmo ano, apenas Capitão América e X-Men apareceram nos cinemas. E no primeiro semestre.
Até Junho de 2020 — ou seja, em pouco mais de cinco anos — temos pelo menos trinta filmes com super-heróis confirmados (veja o infográfico no fim do texto), o que daria uma média de MEIA DÚZIA por ano. Ou, se preferir, oito vezes menos do que filmes ~normais, levando em consideração o ano de 2014.
É pura, simples e assustadoramente matemática. ¯\_(ツ)_/¯
Já falei por aqui, espero que tenha lido, da maldição do mainstream. Se você faz sucesso e consegue ganhar dinheiro fazendo o que ama, então é um vendido, um sujeito que só faz o que os poderosos mandam, um cachorrinho adestrado. Só vai ser reconhecido como um artista de verdade se ralar a camisa xadrez durante 12 anos para gravar um filme. Se você é pop, é um pecador. Pop é um palavrão.
Mas chamar alguma coisa de “popular” não é distante de dizer que ela é pré-fabricada, dependente de estúdios, produtores e demais artifícios para mascarar uma suposta falta de talento? Os filmes com super-heróis são pop e, por definição, são necessariamente pilhas ruins de efeitos especiais? Não. Porque assim como existem bons filmes de heróis, existem filmes de heróis ruins. E assim como existem bons filmes indie, existem filmes indie ruins. E um bom filme é um filme, não importa o seu orçamento ou quantos prêmios já ganhou. Se eu fosse mais inteligente, faria uma equação sobre isso e ganharia uma fortuna. Com a qual, provavelmente, financiaria um filme do Besouro Azul com o Gladiador Dourado. ;D