Joss Whedon e o roteiro perdido da Mulher-Maravilha | JUDAO.com.br

Não bastasse ser machista e misógino, ele continua achando ótimo mais de 10 anos depois. What the fuck, Whedon?!

A indústria do cinema é marcada não apenas pelos filmes já feitos, mas também por aqueles NUNCA produzidos. Não são raras as diversas histórias envolvendo projetos que nunca foram finalizados, roteiros não aprovados e filmes que jamais saíram da prancheta. Superman Lives, aquela história do Homem de Aço a ser dirigida pelo Tim Burton e estrelada pelo Nicolas Cage e a versão do Dom Quixote conduzida por Terry Gilliam são dois exemplos clássicos desse tipo de produção, assim como o roteiro rejeitado de Joss Whedon para um filme da Mulher-Maravilha, escrito em 2006.

Por muito tempo, a rejeição desse roteiro foi vista com péssimos olhos por boa parte do público apaixonado por quadrinhos. Pra muita gente, a reprovação desse material era uma prova de como filmes protagonizados por heroínas não funcionavam, porque Whedon era visto como O CARA que sabia lidar com personagens femininas, vide seu trabalho com Buffy.

Se ele não conseguiu, quem conseguiria?

Acontece que esse roteiro caiu na internet em 2017, na época da estreia do filme da Patty Jenkins. Na íntegra. A gente leu, E, cara, não é bom. Não é NADA bom.

Você pode conferir por conta própria bem aqui. Mas basta dizer que, conforme as pessoas tiveram a chance de ler a história, choveram críticas sobre o tratamento sexista dado à protagonista — críticas estas que não estão NEM UM POUCO equivocadas.

No roteiro de Whedon, a trama se passa nos dias de hoje e se concentra bastante em Steve Trevor, o co-protagonista homem (surpresa, surpresa!). O roteiro começa basicamente seguindo Trevor até ele encontrar Diana e, quando eles finalmente dão de cara um com o outro, ela é algo “elementar”. Sim, ela nem é uma PESSOA. O filme é tão pouco SOBRE ela que a personagem é chamada de, prepare-se, “THE GIRL”.

Como se isso não fosse pouco, Diana é tratada de forma recorrente como alguém que está sempre sendo olhada, comentada e corrigida. E não espere atitudes pró-ativas dessa Mulher-Maravilha, já que ela sempre é direcionada sobre o que fazer. Na essência, Whedon escreveu uma história na qual Trevor molda Diana como ele bem quer e, estando no papel de criador do mito, o mocinho acaba ficando com a princesa no final.

Mas isso quer dizer que Diana é um fantoche nas mãos dele? Não, ela toma algumas decisões importantes (!), como fazer uma dança sensual para distrair os bandidos. JURO. Esse trecho, em particular, parece uma fanfic escrita por um adolescente tarado com os hormônios fora de controle.

É preciso dizer, aliás, que a trama de Whedon foi escrita completamente sobre um pilar sexista — porque, ao contrário do que pode parecer, Trevor não é UM personagem sexista em uma história igualitária. Nada disso. Todos os personagens se desenvolvem a partir dessa construção, já que não é apenas Diana que é frequentemente estereotipada. Constantemente, o roteiro te apresenta mulheres com determinado físico e beleza dentro dos padrões de Whedon — que, bom, é o roteirista, né? A maioria dos comentários de Trevor sobre elas envolvem corpos, beleza e sensualidade.

Entendo completamente que esse foi um roteiro escrito em 2006. Whedon pode ter mudado sua forma de pensar e a forma como contar uma história sobre uma personagem tão forte como a Mulher-Maravilha. O problema é que aparentemente ele não mudou de ideia, apesar de dizer que era uma pessoa diferente mais de uma década atrás. Em entrevista para a Variety durante o tapete vermelho de Vingadores: Guerra Infinita (há algumas semanas, portanto), o cineasta foi perguntado sobre as críticas negativas desse roteiro vazado e sua resposta não foi lá muito animadora...

Eu não sei de quais partes as pessoas não gostaram, mas eu reli o roteiro depois que soube que havia uma reação adversa. Eu acho ótimo.

Não, Whedon, NÃO é ótimo. Está longe de ser qualquer coisa próxima de ótimo e, vamos lá, NINGUÉM tirou frases do contexto, como você mesmo continuou afirmando nessa mesma entrevista. O filme e os personagens não têm integridade, como você tenta fazer acreditar, já que, SIM, você criou uma imagem sexista e misógina ao longo de cada página.

Se traçarmos um paralelo com o filme de Patty Jenkins, então, a jornada desta Diana para se transformar em uma heroína é recheada de humilhação e vergonha. É BEM preocupante Whedon estar alheio a tudo isso.

Depois de ler esse roteiro, sua afirmação sobre não existir uma história da Batgirl para explorar, fazendo com que ele se afastasse do projeto, conseguiu ficar ainda mais esquisita do que já estava. Mas, sinceramente? Bateu um imenso alívio por essa desistência. Que venham boas histórias sobre mulheres, escritas POR mulheres.