Absoluta e semvergonhanenhumamente inspirados nos 31 Gaems do Overloadr, começamos nesse sábado (13) a série 88 Filmes, em que 88 autores convidados contarão, sem nenhuma frequência definida, a importância que 88 filmes tem na sua vida, seja como o screensaver de algum momento marcante, seja o próprio filme o tal do momento marcante. Serão 88 artigos extremamente pessoais, mostrando o papel importante da cultura pop na vida das pessoas. :)
Mãe tem aquela coisa de achar que (bom, quase) tudo o que o filho faz é lindo, especialmente se for na frente dos outros. Escolas tem aquela coisa de achar educativo colocar você pra se apresentar pra milhões de pessoas (você é uma criança, quaisquer 10 seres humanos já é uma multidão), sempre que existe alguma data comemorativa. As crianças... Bom, não importa muito o que as crianças pensem — tem gente até que dá nota por essas participações.
Quando eu tinha uns três anos, no máximo, eu fui o grande protagonista de uma apresentação de fim de ano da escolinha, uma vez que fiquei no canto, chorando, chupando o dedo e me mijando — tudo enquanto, é claro, minha professora insistia em me fazer dançar e minha mãe insistia em me filmar e fotografar.
Pelo menos, naquele dia, eu ganhei um boneco do He-Man. Era tipo um acordo. Eu dançava, passava vergonha, me mijava, ela me dava um boneco — mesmo que ela tivesse comprado todos de uma vez só (sério, isso aconteceu).
Quando passei a me conhecer por gente, não tinha mais apresentaçãozinha de fim de ano, mas algo que era muito pior: Festa Junina. As quadrilhas, nas quais não bastava eu ter de saber uma coreografia e apresentá-la a dezenas de pessoas, eu precisava ter contato físico com meninas — e, bom, pelo menos naquela época isso era o pesadelo de qualquer moleque.
Era desesperador.
Um colega nunca participava dessas coisas porque a religião dele não permitia (...) e eu sempre pedia pra minha mãe dizer que a minha também não. Mas se a filha da D.Wilma já me viu chorando e me mijando num palco e ao invés de me resgatar continuou filmando, acha mesmo que me salvaria dessa? Acha mesmo que não iria dizer que as meninas com quem eu fazia par não eram “AI, QUE BONITINHA”, inventando até presentes pra EU entregar?
Numa vez, eu preferi ser o Padre da festa, só pra não ter de dançar com ninguém — e, bom, eu poderia fazer alguma palhaçada sozinho e, tal qual Chanandler Bong, me esconder atrás dela. Numa outra, exigi comer batatas fritas na sequência da apresentação. E então houve uma terceira em que eu pedi pra assistir a Jurassic Park no cinema — e, bom, eu não era muito de ver filmes.
Eu tava na terceira série (que hoje é o equivalente ao quarto ano, se não me engano) e passei meses assistindo a making ofs do filme, a coisa dos dinossauros, efeitos especiais, Steven Spielberg, “o mesmo cara que fez o ET”. Na verdade, pode ter sido só uma matéria na TV um dia antes, mas o tanto que aquilo mexeu comigo pode ter tido o efeito de meses de informação.
Sempre gostei de dinossauros. Me lembro de desenhar T-Rexes desde bem pequenos. Eu era apaixonado por Família Dinossauro (tenho um Baby que fala e uma tristeza por nunca ter tido um boneco do Robbie até hoje). E aí tinha essa coisa de todo mundo falar do Tiranossauro Rex nos cinemas... Cara, os dinossauros estavam vivos.
Em Junho de 1993 eu tinha nove anos.
Naquela época, eu não conseguia entender a sutileza e a beleza do trabalho do Steven Spielberg, mesmo com bichos absurdamente gigantescos que comiam gente. Também não me assustei em momento algum com absolutamente nada do que e acontecia — era mais o senso de aventura que me empolgava. Toda a discussão filosófica do Jeff Goldblum... Quem se importava com elas?
Foi só um velhinho resolver furar uma pedra de ambar que lá estavam todos aqueles gigantes de novo na Terra.
Talvez seja o caso de dizer que eu nunca mais fui o mesmo. Por muito tempo só queria saber de ALL THINGS DINOSSAUROS — colecionava aquela revista que vinha com pedaços do esqueleto do T-Rex, além de imagens 3D (aquelas, do óculos com lentes de papel celofane) e informações. Chocolate Surpresa, Chipsauros e Gibis Sauros (o Pingo d’Ouro era o estegossauro e eu estou surpreso com o fato de eu lembrar disso sem esforço algum)... Até mesmo o Jurassique Parque, a redação que eu escrevi como se fosse um filme, com introdução primeiro, título desenhado no meio, desenvolvimento da história depois. A professora, claro, precisou vir me explicar que aquilo não exatamente era uma redação, ainda mais uma sobre como tinha sido minhas férias... Mas era exatamente o que eu tinha na minha cabeça. As únicas coisas. Aqueles dinossauros e... hoje eu percebo, cinema.
Quando eu passei a acreditar na possibilidade de que os Dinossauros poderiam retornar, eu não tinha noção de que o culpado de tudo aquilo foi o Steven Spielberg. Eu não conseguia perceber que era a tal da MAGIA DO CINEMA que fez aquilo comigo — e que ele tinha começado alguns anos antes, com E.T – O Extraterrestre. Efeitos especiais, animatronics, ficção científica, ciência, dinossauros, amizade, amor...
Mas, mais importante que o Spielberg é a minha mãe. Se ela não tivesse inventado essa desgraça de me fazer dançar pra ganhar presente no fim do dia, eu não sei se teria assistido a Jurassic Park com aqueles mesmos olhos.
Eu não sei nem se eu taria aqui escrevendo isso agora.
Continuo achando um absurdo sem tamanho me deixar mijado em cima de um palco, me filmar e me comprar com um boneco do He-Man. Mas agradeço imensamente por isso. ;)
Thiago Borbolla é fundador e editor-chefe do JUDAO.com.br. Escreve, fala, mostra a cara e se precisar até ataca de DJ. “A really cool motherfucker”, de acordo com Samuel L. Jackson. Outras histórias de outros filmes você pode ler aqui. :)