Justamente a tempo de iniciar as celebrações dos 50 anos de existência da banda, estes gigantes ingleses do rock progressivo enfim disponibilizam sua discografia completa nos meios digitais — e também vão tocar por aqui pela primeira vez em sua história
Deixando de lado a insuportável reclamação generalizada, a cada edição do Rock in Rio, sobre como o festival está ficando cada vez menos rock (spoiler: ele NUNCA foi só rock), além de outras bobagens, existe no entanto uma reclamação que, a considerar nos últimos anos, precisa pelo menos ser levada em consideração: a pouca criatividade na seleção dos headliners. Se formos considerar os nomes anunciados para o evento que rola entre o final de setembro e o começo de outubro, talvez só o Drake e a P!nk sejam de fato grandes novidades. Teremos Cardi B, teremos Anitta, rolou até um Tenacious D confirmado no palco principal, olha só. Mas as grandes atrações das noites, Iron Maiden, Red Hot Chili Peppers, Bon Jovi, é tudo repeteco de edições passadas...
Enquanto você fica aí discutindo, no entanto, se a culpa é de fato do festival ou do próprio público, que acaba comprando ingressos em massa apenas e tão somente para aquela meia dúzia de grandes medalhões (e um festival como o Rock in Rio, xô te contar, é uma grande máquina financeira e tá interessado em... adivinha... ganhar dinheiro), existe no entanto um outro lado. Que no caso é o Palco Sunset. O lugar secundário de shows que tem, de longe, sido o celeiro das apresentações mais legais do RiR nos últimos anos, trazendo nomes inesperados e duetos maravilhosos. Em 2019, teremos Mano Brown com Bootsy Collins, Jessie J, Iza e Alcione, Rael + Baco Exu do Blues + Rincon Sapiência, Anthrax, Slayer... e, no último dia, talvez a grande surpresa roqueira deste 2019: os ingleses do King Crimson.
Tamos falando de um grupo que, embora tenha surgido oficialmente em 1968, só explodiu mesmo um ano depois, em 1969, graças ao sucesso de seu debut, o ainda influente In The Court Of The Crimson King. Tamos falando aí, ora bolas, de uns sujeitos que tão em atividade há cinco décadas — entre algumas idas e vindas, é verdade. Todavia, também é verdade que o anúncio da chegada dos caras ao Brasil, em sua primeiríssima apresentação em nossas terras (além do dia 6/10, no Rock in Rio, ele também tocam em São Paulo dois dias antes, 4/10, no Espaço das Américas), não causou comoção no público mais jovem, que ficou meio que se perguntando “quem são estes caras?”. E talvez justamente por isso é que finalmente eles deixaram a birra de lado e levaram a sua discografia enfim para as plataformas de streaming.
“A razão pela qual começamos a aparecer tão devagar no Spotify é que, diferente do resto da indústria que vinha nos dizendo que os discos físicos estão mortos, tivemos um impressionante crescimento de vendas físicas nos últimos 10 anos”, afirmou, em comunicado oficial, o empresário da banda David Singleton. Desde janeiro, eles vinham tateando o terreno ao colocar semanalmente para streaming algumas faixas raras, versões ao vivo, coisas assim, além de um EP com uma versão antiga para Heroes, do conterrâneo David Bowie. Só que agora foi pra valer, com os 13 álbuns de estúdio ao alcance de um clique. “Este argumento foi válido durante um tempo, só que agora não é mais. No fim, nossa função é fazer a música ficar disponível — e o Spotify agora definitivamente se tornou o lugar para que as pessoas, em especial as mais jovens, encontrem música”.
Talvez este seja o momento perfeito para descobrir o poderio sonoro destes nobres senhores.
Tudo começou em 1967, quando os irmãos Michael e Peter Giles, respectivamente baterista e baixista, músicos profissionais que já tinham tocado com várias bandas na região de Dorset, resolveram formar sua própria banda. Eles publicaram um anúncio em busca de um sujeito que tocasse órgão e pudesse cantar. Quem apareceu foi o guitarrista que não cantava Robert Fripp — mas, mesmo assim, rolou uma química tão grande que eles formaram um grupo de música pop meio excêntrico, com uns instrumentais complexos e cheios de camadas. O nome? Giles, Giles and Fripp. Lançaram uns singles e até um álbum de estúdio, tocaram nas rádios locais, chegaram até a aparecer na TV. Mas nunca passaram disso.
As mudanças que os tornariam o King Crimson de verdade viriam nos anos seguintes, quando chegou Ian McDonald pra assumir os teclados e trouxe na bagagem o letrista Peter Sinfield. Ao mesmo tempo, Fripp viu uma apresentação da banda escocesa Clouds, que nos anos 1960 já experimentava um rock cheio de flertes com melodias clássicas e improvisações tipo as do jazz e logo pensou “eeeeeita, pera, quero fazer isso aí”. Eis que entra na parada o guitarrista e vocalista Greg Lake, seu amigo, que adentrou a banda substituindo um Peter Giles, desiludido com a falta de perspectivas do grupo, tanto no baixo quanto nos vocais. Nascia aí a primeira encarnação do grupo, que ensaiou pela primeira vez em janeiro de 1969.
Batizando a banda com uma variação de “crimson king”, o rei escarlate, expressão usada para definir monarcas em cujo reinado tenham acontecido rebelião civil e muito derramamento de sangue, eles começaram a fazer sonoridades mais intrincadas, usando inclusive um teclado eletromecânico chamado Mellotron para emular sequências orquestradas. Sua estreia ao vivo foi em grande estilo: abrindo pros Rolling Stones em um show gratuito no Hyde Park, em Londres, diante de uma audiência de cerca de 500.000 pessoas. Meses depois disso, viria o disco inaugural, In the Court of the Crimson King, com um som que contrastava BASTANTE com o hard rock com infusões de blues que era natural às bandas inglesas e americanas da época. O guitarrista do The Who, Pete Townshend, chegou a chamar a parada de “obra-prima”, pensa só. Pudera: eram apenas cinco caras fazendo uma mistura de música clássica, rock psicodélico, folk, jazz e muito mais.
No fim, o Crimson tornou-se uma espécie de ícone do rock progressivo, passando por uma porrada de mudanças de formação ao longo de sua história: foram cerca de 22 músicos, no total. O elemento que se mantinha único, aquele que se tornou seu líder inconteste e principal compositor, foi o guitarrista Robert Fripp. E apesar de inspirarem progressivos de diversas gerações — incluindo até um tantinho dos contemporâneos do Yes e do Genesis, o que é um capítulo meio controverso pra certos fãs — ultimamente este OCTETO que traz TRÊS bateristas no palco começou a enveredar por searas mais experimentais e até mais pesadas, colocando inclusive um pé no metal mais alternativo.
Depois do que parecia ser um final em 1974, quando Fripp desmontou o grupo, eles voltaram em 1981, incorporando pela primeira vez músicos tanto da Inglaterra quando dos Estados Unidos, trazendo inclusive influências do pós-punk. Esta formação durou três anos e três álbuns — e daí se seguiria um novo hiato, este de uma década. Viria mais um ciclo de três anos, outro desaparecimento e aí então uma versão formato quarteto no começo dos anos 2000. A turnê de 2008, na época celebrando seu aniversário de 40 anos, já trazia dois bateristas tocando juntos. Mas depois de um novo silêncio entre 2009 e 2012, bingo, chegamos em 2013 ao King Crimson de hoje, que continua firme e forte em turnê, trabalhando para reinterpretar sua música de jeitos diferentes ao vivo.
O que isso quer dizer? Que você deve entrar na sua plataforma de streaming favorita e ouvir os caras, tipo, AGORA. Mas se conseguir um jeito de vê-los em São Paulo ou quem sabe no Rio, se de repente acabar vendo a transmissão ao vivo do RiR na TV, não se surpreenda muito se eles mudarem completamente o arranjo desta ou daquela música. Faz parte do show. E que bom que é assim. ;)