Kung Fury e a vitória sem limites dos anos 80 (e da dublagem BR) | JUDAO.com.br

Verdadeiro tributo à uma década de excessos, filme dirigido pelo sueco David Sandberg conquista a internet, ganha um bolada no Kickstarter e até recebe uma DUBLAGEM BRASILEIRA. :D

Se a gente vira e coloca, numa mesma frase, as palavras “cinema” e “Suécia”, é muito provável que aquele cinéfilo obcecado pelos clássicos vá lembrar de Ingmar Bergman, aquele consagrado e premiado cineasta lembrado por obras como O Sétimo Selo (1957). Mas em 2015, o cinema mais pipoca também ganhou um sueco pra chamar de seu. Um sujeito que provou que, pra uma produção blockbuster alcançar o Olimpo este ano, basta ter “fury” no nome. Foi assim com o brilhante Mad Max: Fury Road. E está sendo assim com o pequeno fenômeno batizado de Kung Fury (aquele do tanque do Brad Pitt é a exceção que confirma a regra...)

O sueco, no caso, é um camarada que atende pelo nome de David Sandberg, 29 anos. Que não apenas dirigiu esta pequena obra-prima de 30 minutos como também é o protagonista. No caso, um policial que, em pleno exercício do dever, acaba sendo picado por uma cobra ao mesmo tempo em que é atingido por um raio, fazendo com que ele tenha acesso aos poderes de uma antiga profecia e se torne o maior mestre de kung fu de todos os tempos, dedicando a existência a combater o crime. Algum tempo se passa e, em 1985, depois de derrotar uma máquina de arcade que ganhou vida, ele conta com a ajuda do mestre dos computadores Hackerman para voltar no tempo e acabar com a raça do maior criminoso de todos, Adolf Hitler – que veio para os anos 80 e matou o chefe de polícia da delegacia na qual Fury trabalha.

Parece pouco? Então coloque nesta salada toda colorida ainda ninjas, robôs, guerreiras vikings, a versão gigantesca de um deus nórdico, lobos, dinossauros policiais, skatistas, ombreiras, mullets e uma música-tema simplesmente BRILHANTE cantada por ninguém menos do que David Hasselhoff. Isso tudo é Kung Fury. Uma verdadeira orgia oitentista que eleva os excessos a uma escala além da compreensão. “Tem um pouco de Exterminador do Futuro, um pouco de Karate Kid, Caça-Fantasmas, As Tartarugas Ninja e Robocop”, tenta explicar Sandberg, em entrevista ao Yahoo. “Tentei sintetizar meus sentimentos pelos anos 80 em um curta”.

Bom, parece que deu certo, porque o resultado é uma das paradas mais divertidas que eu vi em MUITOS anos. E acho que as mais de 18 milhões de visualizações no YouTube concordam comigo. :)

Sandberg sempre foi um fanático por cinema e aos 17 anos começou a experimentar animação 3D. “Eu não era muito bom na escola e, quando me formei, tentei arrumar um emprego. Mas não consegui”. Depois de não ser aprovado numa vaga de telemarketing, botou na cabeça que poderia fazer freelancers como animador 3D e artista de efeitos visuais. “E foi o que fiz, e aí arrumei um trampo numa agência de publicidade. Funcionou durante três anos, até que percebi que estava me afastando demais do cinema”. Fora da publicidade, começou a freelar como diretor, fazendo alguns vídeos promocionais e comerciais, até que foi contratado por um imenso estúdio em Estocolmo que trabalhava com...tela verde.

“Eu tinha 26 anos, na época, e pensei: putz, se quero fazer filmes, esta é a hora. Tenho que ir com tudo – ou então não vai acontecer”. Sandberg largou tudo (“as pessoas pensavam que eu era um idiota”), voltou a morar com a mãe e largou a rotina de comerciais e videoclipes. “Pensei: ‘eu vou fazer meu próprio projeto’, sozinho”.

O tal projeto era um filme de policiais (?) inspirado nos clássicos dos anos 80 chamado Kung Fury. Sandberg vinha ouvindo muito o trabalho de Mitch Murder, versão sueca de Jan Hammer – o compositor de trilhas clássicas como aquela da abertura de Miami Vice, por exemplo. Aliás, quando o aspirante a diretor de cinema comprou sua própria tela verde, era com a música de Murder que fazia seus testes do tipo Miami Vice. Começou a acumular algumas coisas legais mas o seu plano, que era gravar o filme inteirinho por conta própria, foi por água abaixo.

“Acontece que era trabalho demais e eu estava completamente quebrado”, conta ele. Foram mais de US$ 5.000 dólares gastos e ele teve que vender o sofá e a TV pra garantir o aluguel e a comida (tá pensando que a vida é fácil na Suécia?). Ele precisava fazer algo. Então, pegou todos os testes que tinha feito e começou a dar uma turbinada para criar um trailer. “Éramos apenas eu e mais um cara no escritório. Trabalhamos nisso por seis meses e aí fui pro Kickstarter. Nosso objetivo era US$ 200.000 para o curta, o que eu achava que era ambicioso, mas também realista em termos do que eu precisava para fazer o filme”. O nome da produtora de Sandberg não poderia ser mais anos 80: Laser Unicorns.

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Começou então a correria, pedindo pra todo mundo divulgar o link da campanha de financiamento coletivo. Nas primeiras cinco horas, nada aconteceu. Sandberg ficou oficialmente #xatiado. Mas o cara que interpreta o Thor, Andreas Cahling, é um bodybuilder lendário por lá e tem uma base interessante de fãs no Facebook. Quando ele divulgou, um de seus seguidores pirou ao ver o trailer e postou onde? No Reddit. E aí a internet explodiu. “24h depois, eu tinha atingido o primeiro objetivo. As pessoas começaram a me ligar e eu surtei. Tinha gente de Hollywood ligando. Agentes. Foi uma doideira. Eu basicamente não dormi durante uma semana por causa da adrenalina”. Ao final da campanha, que durou 30 dias, ele tinha arrecadado exatos US$ 630.000, vindos de cerca de 17.000 apoiadores.

Claro, a grana é boa... mas ainda assim, não estamos falando de um orçamento hollywoodiano milionário, então o diretor teve que fazer escolhas. Ele só tinha uma única réplica de uniforme de policial dos EUA, por exemplo, então teve que gravar cada um dos extras separadamente na cena da delegacia. E a sequência final, na qual Kung Fury luta contra dezenas de nazistas? Era apenas um cara. Um único cara. Que foi replicado por volta de 60 vezes e gravou incansavelmente sequência após sequência.

Muitos destes extras, aliás, eram apoiadores do filme. “Cerca de quarenta pessoas de todo o mundo vieram pra Umea, onde eu vivia – é uma pequena cidade ao norte da Suécia. Eles ficaram na garagem da minha avó”, conta. “Alguns ficaram um dia, alguns duas semanas, tem uns que ainda continuam lá. Teve um sujeito que ficou três meses, na casa da minha mãe”. E teve, claro, um texano chamado Steven Chew. Que pagou US$ 10.000 e ganhou o direito de ter um papel no filme – no caso, o parceiro de Fury que é morto por um ninja. “Ele até que foi bem”.

Antes do lançamento oficial na internet, o filme foi exibido em Cannes, dentro de um espaço para diretores iniciantes chamado “Director’s Fortnight”. Sandberg admite, em entrevista para a EW, que estava bem nervoso. “Seria a primeira vez que eu mostrari aquele filme na frente do público. Eram cerca de 500 pessoas. Eu pensava: ‘talvez estes caras gostem apenas daqueles dramas artísticos, mais pesados’. Mas não dava pra ouvir o que estava rolando na tela porque todos estavam rindo demais”.

A cereja do bolo acabou se tornando mesmo o clipe da música-tema, True Survivor, interpretado de maneira brilhante por Hasselhoff. “Eu recebi uma ligação da Universal Music da Suécia quando eu estava saindo de um talk show”, conta o ator e cantor, em um papo com a Billboard. “Eles me contaram que tinha um cara, um animador de efeitos especiais, que foi pro Kickstarter e levantou uma baita quantia em dinheiro, a segunda maior da história fora dos EUA e ele tinha um vídeo que queria que eu fizesse. Um tributo aos anos 80 no qual estariam envolvidos alguns grandes compositores do pop sueco. E eu disse que queria ver o trailer”. The Hoff conta ainda que não precisou muito para convencê-lo. Viu cerca de 10 segundos do vídeo promocional e disse: “tô dentro”.

“Era uma coisa mágica, Sin City com uma pegada de anos 80. O cara, David Sandberg, tinha charme e carisma. Eu liguei pra ele e ele me disse ‘não posso acreditar que estou falando com o ator de Supermáquina! Você é um herói da infância de muita gente, poderia fazer isso?’. E eu disse ‘claro, por que não?'”. Simples assim. :) “É sobre isso que são os anos 80: divertir-se, estar apaixonado, ser maluco... tantos talentos foram revelados ao mundo naquela época. Todos estavam se divertindo e tudo era muito positivo. O vídeo reflete isso”. Mas Hoff deixa claro que o clipe é uma espécie de tributo ao próprio diretor/protagonista de Kung Fury. “Ele é o herói aqui. Ele me fez parecer mais jovem e ainda me deu uma ótima canção pra cantar, então estou feliz e muito honrado”.

Depois de Cannes, Sandberg levou a trupe para apresentar um painel em plena San Diego Comic-Con, vejam só, com direito aos atores fantasiados e a porra toda. E além de contar que Kung Fury vai virar um gibi (com autores ainda a serem definidos), ele confirmou que teremos em breve uma versão longa-metragem, já em andamento – o primeiro draft do roteiro já está prontinho. A produção está sendo feita em parceria com Seth Graham-Smith (daquele filme bizarro com o Abraham Lincoln caçando vampiros) e David Katzenberg (não por acaso, diretor de The Goldbergs, série da ABC ambientada nos anos 1980). “Quando nos encontramos pela primeira vez, eu não sabia o que esperar. Mas o escritório deles era cheio de pôsteres do De Volta Para o Futuro e outras coisas legais. Começamos a jogar algumas ideias e foi muito bacana. Estou empolgado para ver onde isso vai nos levar”, confessou Sandberg, em êxtase, no epicentro nerdístico do planeta.

Versão brasileirammmm...

O ator e dublador carioca Yuri Tupper conta pro JUDÃO que, assim como aqueles milhões de pessoas mencionadas lá em cima, também pirou ao ver Kung Fury. Ele e seus amigos do ramo, claro. “Os meus parceiros Rafael Schubert (Law & Order), Tarcísio Pureza (Assassin’s Creed) e Silvio Gonzalez (Pretty Little Liars) assistiram ao filme e amaram, e repararam que eu não parava de postar sobre o mesmo no Facebook, hehehe”, diz ele, que já teve experiência dublando séries como Grimm, The Following e Hawaii Five-0.

Papo entre amigos vai, papo entre amigos vem, eles começaram a pensar: afinal, qual é uma das maiores recordações de filmes oitentistas em nossas cabeças? “A maioria destes clássicos no nosso imaginário é dublado: O Grande Dragão Branco, Curtindo a Vida Adoidado, O Exterminador do Futuro, Um Tira da Pesada... só pra citar alguns dentre dezenas de filmes que ocuparam nossas infâncias na geração Sessão da Tarde. Logo, foi natural a ideia de que Kung Fury precisava ser dublado”.

Pilhados para fazer a coisa acontecer, eles entraram em contato com Christiano Torreão, voz do Leonardo DiCaprio no Brasil, que também amou a ideia. “E ainda unimos o útil ao agradável pelo fato de ele ser proprietário do Estúdio Eclipse no Rio de Janeiro”. Segundo ele, o processo foi bem simples e rápido. Além dos cinco, chamaram ainda Thiago Machado, Nica Nogueira, Gabriela Torreão e Gustavo Nader (voz do Hiro em Heroes).

“Acho que o mais difícil foi esperar a resposta do David Sandberg para saber o que ele acharia”, confessa, rindo. O resultado é tão divertido quanto o próprio filme, com palavrões a rodo e adaptações tipicamente brasileiras para algumas sacadas do filme.

O diretor não apenas aprovou como considerou esta a dublagem oficial em português, postando inclusive no canal oficial da Laser Unicorns. “Eles simplesmente amaram o nosso trabalho e assinaram embaixo. Como se trata de um curta independente sem fins lucrativos, nossa dublagem seguiu o mesmo esquema e está lá no YouTube oficialmente. Caso o filme venha a ser lançado em outras plataformas como DVD/Blu-Ray, uma nova dublagem terá que ser feita como manda o figurino. E provavelmente por nós”.