Legalize Já tá longe, MUITO longe de ser um filme sobre maconha | JUDAO.com.br

Cinebiografia de uma das mais importantes e desafiadoras bandas do rock brasileiro contemporâneo é, exatamente como a discografia dos caras, um dedo na cara da sociedade que tenta te dizer como você DEVE ser

Se tem um recado que Legalize Já faz questão de repetir algumas vezes ao longo da história, que conta os primórdios da formação do Planet Hemp com foco na amizade entre Marcelo D2 e seu finado parceiro Skunk, é “porra, parceiro, não é só sobre maconha”. Por sinal, uma afirmação que o grupo teve que se ver repetindo ao longo de toda a sua história. Se a música deles não é só sobre a erva, era óbvio que o filme também não seria só sobre isso, mas TAMBÉM sobre maconha.

Ou, melhor dizendo, é um filme COM maconha.

A cannabis, que tá longe de ser protagonista da história, não tá nas cenas de maneira forçada, “ooooolha aqui o baseado dos caras”. Nada. É algo que acompanha os dois amigos de maneira natural, tá ali nas cenas em que eles acendem o cigarro, embala os momentos de reflexão e vira o primeiro tema das canções deles propositalmente colocado ali pra CHOCAR. Pra esfregar na cara dos conservadores, da família, do homem de bem que vira a cara pra eles na rua. Mas é uma banda que berra, que grita, pra exorcizar os muitos episódios de abusos policiais, por exemplo.

Dá pra dizer até que Legalize Já gira em torno de dois temas muito claros: a amizade, obviamente, e o preconceito. Estas foram as bases do Planet Hemp, tanto quanto a mistura de rap e rock de um Rage Against the Machine ou Cypress Hill da vida que fez com que eles chamassem a atenção das rádios e dos fãs.

O preconceito caminha ao lado do Skunk (Ícaro Silva) desde sempre. Jovem negro, de periferia, sem grana, sem perspectiva na vida, ele se vira como pode, faz seus corres aproveitando seu conhecimento de música e gravando fitas cassete pra uma galera. É um preconceito que também permeia a vida do Marcelo (Renato Góes), que não é negro mas, como diz um diálogo dos mais fortes no filme, isso não importa pra quem tá de farda e botas. Porque ele também faz sua correria, vendendo camisetas de bandas de rock lá na praça, enquanto rabisca aqui e ali umas letras de cunho social, de questionamento, com um pouco de rap, um pouco de punk.

E é a correria de ambos, só que da polícia tanto de um lado quanto do outro, que faz os dois acidentalmente se conhecerem. E é justamente uma camiseta dos Dead Kennedys que mostra o quanto eles têm em comum. Skunk, um sonhador por natureza, vira o empurrão que o Marcelo precisava pra encontrar o seu lado D2. É ele que provoca o amigo pra sair do círculo vicioso que se tornou a cobrança do pai do Marcelo pra que ele se torne um “homem de bem”, emprego fixo, que aquiete o facho.

Os dois são, antes de qualquer coisa, absolutamente apaixonados por música. Mas não exatamente talentosos no lado instrumental da coisa. Aí que a dupla opta por cantar, alternando os vocais mais rap, rítmicos e falados, e aqueles mais agressivos do rock. Primeiro eles usam umas bases pré-gravadas, cantam em qualquer buraco disposto a dar espaço. Aí surgem guitarrista, baixista, baterista e eles percebem que tem algo bem diferente ali, algo que não existe no cenário do rock BR, algo que o Skunk registra numa fita demo e diz pra um contato numa rádio, sem modéstia, que é “a banda mais foda que você vai ouvir”. Naquele comecinho dos anos 90, com o pagode bombando de um lado e o Tchan sacolejando do outro, era a novidade que o ROQUE precisava.

Vêm os primeiros shows DE VERDADE, as primeiras oportunidades, as primeiras escolhas difíceis. E a tragédia que marcou a banda pra sempre.

Legalize Já é, no fim das contas, um filme que funciona principalmente pela química maravilhosa entre Ícaro e Renato. Os dois não apenas incorporaram a amizade dos músicos de verdade como dá pra acreditar claramente que eles acabavam de rodar e iam tomar uma cerveja juntos pra falar sobre a vida, sobre futebol, sobre o Flamengo. Quando sobem os créditos e vemos uma série de cenas de bastidores dos primórdios do grupo, com o Marcelo e o Skunk da vida real, fica claro o quanto tudo aquilo que veio antes foi genuíno o bastante pra nos fazer acreditar... e sofrer um tantinho também.

Vale a pena ficar ligado também num outro “personagem” bastante marcante ao longo da projeção: a fotografia. Com uma saturação baixa e um contraste alto, ela cria uma atmosfera diferente, um clima antigo mas ao mesmo tempo moderno, atual, marcante. Fica tudo lindo, intenso, bem urbano, quase uma redescoberta dos bastidores de uma grande cidade. E o contraste forte, o preto no branco, só ajuda a delinear ainda mais a “dureza” que as letras espinhosas e provocativas do Planet Hemp exige. Créditos merecidíssmos pro diretor de fotografia Pedro Cardillo, que fez um trabalho de tonalidade brilhante.

Se um filme sobre uma banda te dá vontade de sair da sala de cinema e ligar o rádio / Spotify / whatever pra ouvir imediatamente o som dos caras, sinal de que a missão foi cumprida com sucesso, né?

PS: Sugerimos, além de ouvir o Planet Hemp, que você voe pro Twitter e passe a seguir o Marcelo D2, que voltou com tudo pra plataforma. É só voadora, tudo altamente necessário. Aquela coisa de se posicionar? Então.