Direitos de adaptação das chamadas Crônicas Vampirescas retornam pras mãos de Anne Rice, que desencanou do cinema e agora quer fazer uma série de TV – e com total controle sobre a produção
A gente já falou algumas vezes, tanto aqui no site quanto no ASTERISCO*, sobre uma galera do mundo do entretenimento que tá colocando departamentos de marketing e relações públicas na gaveta e usando as próprias redes sociais para fazer certos anúncios oficiais – gente como Dwayne “The Rock” Johnson e Stephen Amell e agora Anne Rice.
Sim. A lendária autora, do alto de seus 75 anos, usou o próprio Facebook para fazer um anúncio que, em outras eras, sairia das mãos de um assessor de imprensa: “Os direitos sobre as Crônicas Vampirescas estão mais uma vez nas minhas mãos”, contou ela. “E eu não podia estar mais empolgada com isso”.
Basicamente, Anne queria comunicar aos seus leitores e fãs fiéis que a jornada do vampiro Lestat, iniciada no best-seller Entrevista com o Vampiro (1976) e desdobrada ao longo de mais de uma dezena de livros, deve virar uma série de TV. E o desenvolvimento começará pela própria escritora, com o auxílio de seu parceiro mais frequente nos últimos anos, o filho (e também escritor) Christopher Rice.
“Nesta nova era de ouro da televisão, uma série será O caminho para deixar a história dos vampiros se desdobrar”, afirma ela. “Nos últimos anos, vocês vinham dizendo o quanto queriam uma série do tipo Game of Thrones conversando fielmente com o material original e como queriam que eu ficasse no controle de algo assim. Bem, eu ouvi vocês. Eu sempre ouço vocês. O que eu quero é o que vocês querem. Vocês, os leitores que fizeram destes livros um sucesso antes mesmo de existir qualquer filme baseado neles”.
Nesta nova era de ouro da televisão, uma série será O caminho para deixar a história dos vampiros se desdobrar. Vocês vinham dizendo o quanto queriam uma série do tipo Game of Thrones (...) Bem, eu ouvi vocês.
Poucas semanas depois, Christopher foi além e colocou no ar uma página no Facebook 100% dedicada à saga e contou que a intenção é não conversar com rigorosamente ninguém de Hollywood a respeito da produção da série até que o roteiro do piloto e uma espécie de “bíblia” do projeto, já pensado para ser algo multitemporada, estejam prontos.
“Queremos manter uma visão pura para a série e, por isso, nos focamos em falar apenas com vocês, os leitores, que amam os livros, os personagens e têm ideias fortes e inspiradoras sobre como eles devem ser retratados”. Pra completar, logo depois entrariam no ar postagens pedindo que as pessoas dessem sugestões sobre quais séries tinham um clima que representasse bem uma adaptação de TV das Crônicas Vampirescas (além de GoT, nomes como Hannibal, Penny Dreadful, The Tudors, Outlander, Downton Abbey e Vikings estão entre os mais mencionados) e que atores poderiam viver Lestat (Jamie Campbell, Alexander Sarsgaard, Tom Hiddleston, Lee Pace e Robbie Amell foram bem citados).
Tudo com a promessa de “nós lemos todos os comentários”. Por “nós”, entenda aí tanto Christopher quanto a própria mãe. :D
Em entrevista para o EW, Anne Rice revela que a intenção da dupla é começar com o segundo livro da saga, O Vampiro Lestat (1985). “Queremos mostrar o seu nascimento como vampiro e partir daí. Até o momento, enxergo que precisaria de duas temporadas pra contar o livro inteiro”. Mas, claro, eles não planejam parar em uma única obra. “Eu amaria conseguir fazer com que a série chegasse nos dias atuais, talvez em Prince Lestat and the Realms of Atlantis (lançado este ano, o segundo livro de uma nova trilogia com Lestat de volta ao papel de protagonista) ou qualquer outro livro que venha depois disso”.
A ideia dos dois é que eles se envolvam em todas as etapas do processo, não importa com quem diabos eles negociem, se com HBO, Netflix ou um Showtime da vida. “Quero que Christopher seja o produtor executivo à frente do projeto e eu poderia meio que ajudá-lo. Ele tem a juventude, a saúde e o vigor para um cargo como este. Na minha idade, prefiro mais ajudar do que estar totalmente à frente. Mas sobre a escalação de elenco, por exemplo, não queremos que isso saia das nossas mãos até que encontremos as pessoas certas”. Apesar de até admitir a possibilidade de ver Lestat ser vivido por um desconhecido num primeiro momento, ela tem suas sugestões sobre Louis (“Espero que seja um ator tão lindo quanto Matt Bomer, de American Horror Story”) e principalmente sobre Marius. “Eu amaria que fosse o Matthew MacFadyen. Sou muito fã dele na série Ripper Street (sobre os assassinatos de Jack, o Estripador)”.
A escritora revela ainda que perdeu o interesse pelo cinema nos últimos anos. “Eu mal saio de casa para ver um filme, mas eu vivo e respiro séries de TV”, diz. “O que tem sido feito na televisão são algumas das expressões artísticas cinematográficas mais incríveis que já vimos. Veja The Crown no Netflix. Veja The Borgias, do Neil Jordan. A produção, as atuações, é tudo de altíssima qualidade. Tem muito mais espaço para inovação, originalidade, surpresa, experimentação”. Ela ainda faz questão de destacar que sua obra A Festa de Todos os Santos, publicação que não tinha qualquer relação com a sua saga dos vampiros, virou uma poderosa minissérie sobre o racismo na Nova Orleans do século 19. “Foi há mais de uma década, mas foi muito fiel ao livro e fiquei bem feliz com o resultado”.
Eu mal saio de casa para ver um filme, mas eu vivo e respiro séries de TV
O último flerte dos vampiros de Anne Rice com os cinemas começou em 2012, quando a produtora Imagine Entertainment (de Brian Grazer e Ron Howard) iniciou o desenvolvimento de uma adaptação para O Ladrão de Corpos (1992), o quarto livro da série. O roteiro seria desenvolvido inicialmente por Lee Patterson (de Terror na Estrada), mas Christopher Rice entrou no meio do circuito com o rascunho de um roteiro que até agradou os envolvidos, gerando uma certa “ciumeira” nos bastidores.
As tais “diferenças criativas” fizeram com que a parada jamais saísse do papel mas, em agosto de 2014, a Universal Pictures se associou com a Imagine e, não apenas adquiriu os direitos das Crônicas Vampirescas como um todo, como trouxe de volta a tal versão de O Ladrão de Corpos com a assinatura de Christopher, colocando ainda a dupla Alex Kurtzman e Roberto Orci como produtores.
A notícia mais recente, ainda de maio deste ano, dava conta de que Josh Boone (A Culpa é das Estrelas) seria o diretor de um novo Entrevista com o Vampiro, baseado numa mistura desde livro com O Vampiro Lestat, já de olho em Jared “Tenho um Impressionante Método de Atuação!” Leto para viver o chamado Brat Prince. Mas, como você bem pode perceber, nada aconteceu. “Tivemos o prazer de trabalhar com pessoas incríveis neste plano”, explica Anne. “Mas, infelizmente, não rolou. Tá mais do que claro pra nós que é à televisão que os vampiros pertencem”.
Originalmente, os direitos da adaptação dos três primeiros livros da autora – além de Entrevista e O Vampiro Lestat, estamos falando também de A Rainha dos Condenados, de 1988 – estavam negociados com a Lorimar Productions (que, para a TV, produziu coisas como ALF e Full House). Mas quando a Lorimar foi comprada pela Warner, os direitos foram como herança. Originalmente, o roteiro escrito pela própria Anne foi pensando em Alain Delon como Louis, mas isso acabou sendo décadas antes da obra ser de fato adaptada. Quando a caixa d’água começou de fato a trabalhar, o inglês Julian Sands foi durante muito tempo a escolha cravada para ser Lestat – e Rice gostava da seleção. Mas os executivos achavam que ele era um rosto desconhecido e simplesmente não funcionaria. Eis que Tom Cruise entra em cena. Não apenas os leitores da obra original ficaram putos, mas também a própria Anne Rice, que chegou a declarar publicamente algumas vezes: “é muito bizarro, é quase impossível imaginar como isso vai funcionar”. Afinal, até o momento Tom era enxergado apenas como o galã, o bom moço de Hollywood.
O fato é que funcionou. E muito, aliás. Em uma das melhores atuações de sua carreira, Cruise conseguiu encarnar ao mesmo tempo a sedução e sordidez de Lestat de um jeito que a sua criadora jamais imaginou. “O jeito que ele fez Lestat funcionar foi algo que eu jamais podia imaginar nem com uma bola de cristal”, conforme ela mesma admite no livro The Anne Rice Reader, de Katherine Ramsland. Um verdadeiro sucesso de bilheteria, um hit que se tornou cult, Entrevista com o Vampiro ganharia uma continuação, O Vampiro Lestat, dirigida pelo mesmo Neil Jordan, que estava empolgadão em seguir a trilha iniciada anteriormente. Mas, nos bastidores, a gente sabe que nem sempre as coisas caminham do jeito que deveriam e o projeto virou pó.
Conforme os anos 2000 se aproximavam, caso não tivéssemos um novo filme, os direitos de adaptação seriam novamente revertidos para Anne Rice, que poderia negociar com quem quisesse (ora, ora, onde foi que já vimos esta história antes?). Aí, a Warner correu para produzir A Rainha dos Condenados, de 2002, que deveria ter sido originalmente uma mistura do segundo e do terceiro livro mas que, d’O Vampiro Lestat, carregou apenas o fato de ele ter acordado no mundo contemporâneo e se transformado num rock star.
Com a cantora Aaliyah no papel da rainha dos vampiros Akasha, o filme tem um quê de sombrio justamente por ter sido lançado seis meses depois de sua morte em um acidente de avião. Talvez um pouco por isso, a trama acabou naturalmente colocando Lestat – agora vivido por Stuart Townsend – no papel de protagonista, coisa que não acontece no livro.
Em um papo com o site Coming Attractions, Rice desabafou e disse que a WB não foi receptiva às suas ideias em nenhum momento do processo.
“Eu implorei para que me deixassem escrever um roteiro para O Vampiro Lestat, mas eles simplesmente não pareciam interessados. Me senti esnobada e não me aproximei deles desde então. Quando descobri que a ideia era se focar em A Rainha dos Condenados, achei que era basicamente um projeto amaldiçoado. Qualquer roteirista respeitável saberia que adaptar esta história sem desenvolver completamente o passado de Lestat seria loucura. E foi isso que aconteceu”.
Pois é, aí a gente precisa concordar com a dona Anne, no caso: o filme é mesmo uma enorme pilha de bosta.
Um fracasso comercial e de crítica e a Warner simplesmente não fez mais nada a respeito, até que a escritora original então foi presenteada com o retorno dos direitos pra suas mãos.
O ponto é que talvez a trajetória cinematográfica de Lestat e seus comparsas ainda não esteja morta. Ao conversar com o IGN sobre a revelação pública de Anne em seu Facebook, o produtor Alex Kurtzman afirma que, ainda assim, eles continuam conversando com ela a respeito de um filme.
“Josh Boone escreveu um roteiro fantástico e estamos falando sobre qual universo comportaria tudo melhor. Como permanecer autenticamente fiel ao trabalho de Anne? Esta é a única questão. Como contar a história do jeito que Anne precisa que seja contada?”.
Alex, meu velho. Talvez você não tenha prestado muita atenção no que a autora anda dizendo em suas redes sociais, não é mesmo? ;)