Mafalda e Mônica: muito além de duas baixinhas e gordinhas de vestido vermelho | JUDAO.com.br

As diferenças que cercam as heroínas dos quadrinhos argentinos e brasileiros

Mafalda e Mônica são dois verdadeiros ícones dos quadrinhos de seus países (e acredito que em ambos os casos já podem ser consideradas ícones mundiais) com idades próximas e até mesmo características físicas semelhantes. As duas personagens são permeadas, basicamente, pelo ambiente familiar e pelo grupo de amigos, como é habitual a crianças em idade pré-escolar. Ambas foram criadas no mesmo ano, em 1963, e apesar dessa série de similaridades que podemos notar de cara, com um olhar um pouquinho mais atento, percebemos que as duas são diametralmente opostas.

Numa rápida olhada vemos uma grande diferença de postura das personagens em relação à situação política, as aspirações de vida e, principalmente, o posicionamento ideológico das personagens. Não é nem um pouco difícil perceber que Mafalda se apresenta de uma forma extremamente crítica em relação ao mundo e à situação política do mesmo, enquanto Mônica apresenta-se como uma menina que, mesmo se distanciando do estereótipo do comportamento feminino em muitos momentos, se mostra sonhadora, romântica, até mesmo conformada, aspirando casar-se e ter filhos. Mas é importante ressaltar que a personagem brasileira foi criada para atender ao público infantil, enquanto a argentina nunca teve este intuito.

monica e mauricio

Mônica

No início da década de 1960, o então colaborador da Folha de S.Paulo, Mauricio de Sousa, resolveu apostar em personagens nacionais. Assim nascia a Mônica, que, anos depois, teria na sua publicação o embrião do primeiro estúdio totalmente brasileiro (com criação e personagens locais) em parceria com a Editora Abril (já que a editora era – e ainda é – a responsável pela publicação dos quadrinhos Disney no Brasil). Em meio a isso, bolou um conjunto de personagens, que ficaram conhecidos como Turma da Mônica. Foi um investimento certeiro, já que sabemos que, hoje em dia, além dos quadrinhos, a Turma empresta a marca a diversos produtos licenciados (que vão desde lancheiras, pastas de dente, bolachas, chicletes, materiais escolares, sucos etc.).

A publicação da primeira tira da Mônica aconteceu em 3 de março de 1963, e, segundo seu criador, foi inspirada em sua filha homônima, que tinha as mesmas caraterísticas físicas e psicológicas do desenho: baixinha, gordinha, dentuça e esquentadinha. E acaba revelando a todos um lado que sempre foi estereotipado como masculino, pois é briguenta, tem uma força descomunal, e sempre que se irrita, usa como arma seu coelhinho azul, Sansão. O coelho, além de arma, é vítima de cruéis brincadeiras de Cebolinha e Cascão, que adoram dar nós em suas orelhas. Porém, Sansão sempre é vingado, já que Mônica se rebela com as molecagens dos meninos – que além de darem nós nas orelhas do coelho, também adoram fazer desenhos escrachados da garota e chamá-la de “baixinha, dentuça e gorducha” – e então arremessa o coelhinho com toda sua força nos rapazes, que apesar de temerem as “terríveis coelhadas”, não pensam duas vezes antes de colocar em prática seus “planos infalíveis”, o que resulta sempre em olhos roxos no final da historinha.

Porém, mesmo com esse traço de sua personalidade, ao lado da amiga Magali, Mônica libera seu lado mais doce, adora brincar de casinha e suspirar pelos astros das novelas e das fotonovelas. A sós com seu coelhinho, a garota também deixa de lado a agressividade, mostrando-se sonhadora e fazendo planos de namorar, casar e ter filhos. Um fato curioso da personagem é que, quando foi criada, Mônica estava em idade pré-escolar (a idade não é definida, mas está entre seis e sete anos de idade), e em mais de 50 anos de trajetória, a menina jamais envelheceu, “aniversariou” ou mesmo frequentou a escola. Isso só foi acontecer com o novo segmento Turma da Mônica Jovem, mas que corre em paralelo às aventuras clássicas da turminha.

EXPOSICION DE QUINO EN SALAMANCA

Mafalda

A personagem argentina Mafalda, foi criada em 1963 – exatamente no mesmo ano que a Mônica – pelo desenhista Quino. A princípio, esta seria a personagem para uma campanha publicitária de uma marca de eletrodomésticos, onde deveria ser retratada a vida de uma típica família de classe média argentina. E o pedido era de que uma das personagens deveria ter as letras M e A no nome, para fazer alusão à marca. Porém a campanha não foi aprovada e o desenhista arquivou as poucas tiras desenhadas que tanto tinham lhe agradado. Passado um ano, o mais importante semanário argentino da época, Primera Plana, encomendou a Quino uma colaboração satírica, mas que ultrapassasse os limites das habituais vinhetas, e foi então que surgiu o momento de Mafalda sair da gaveta.

Criada com idade entre quatro e cinco anos, desde o princípio das tirinhas ela frequenta a escola (no caso o Jardim da Infância). Mafalda acabou ficando conhecida como “a Contestadora” e é dotada de um olhar feminino extremamente crítico. E enquanto a personagem brasileira tem como mascote um coelhinho azul, Mafalda tem um globo terrestre, do qual cuida com todo zelo e carinho, quando acha necessário cobre, dá remédio etc.

A menina é inconformada com vários pontos que se apresentam em sua rotina, dentre eles o papel de dona-de-casa de sua mãe; o fato de ser obrigada a tomar sopa todos os dias; as enormes injustiças mundiais (as tirinhas de Mafalda trazem diversos conflitos políticos nacionais e internacionais como pano de fundo – e é importante ressaltar que na conjuntura em que Mafalda foi criada, a Argentina passava por um de seus períodos de Regime Militar – da mesma forma que Mônica, porém esse fato jamais foi abordado nas historinhas da personagem brasileira).

E ao contrário de Mônica, Mafalda que também foi criada em idade pré-escolar, apesar de manter a mesma aparência ao longo dos dez anos de publicação de suas tiras (já que a personagem não poderia crescer muito, pois senão abandonaria suas características originais de ser uma pequena contestadora), Mafalda “cresceu”, mudou de série escolar e mostrou uma espécie evolução ao longo do tempo.

A família das personagens

Mônica é filha única de uma típica família de classe média brasileira, com sua casa própria e um pequeno carro na garagem. A personagem vive em uma casa térrea, com a mãe e o pai. A mãe é dona-de-casa, já o pai quase sempre aparece se despedindo da família para ir ao trabalho, que nunca é definido, porém quando aparece trabalhando, mostra-se um escritório com um ar bem burocrático. No ambiente familiar, Mônica e seus pais levam uma vida feliz e a situação econômica da casa jamais foi colocada em pauta nas historinhas.

Já Mafalda, no início das tirinhas também era filha única, porém, após cerca de cinco anos de publicação, a menina ganha um irmãozinho, Guile (tão esperto e contestador quanto a irmã). Mafalda e seus pais retratam um dia-a-dia típico de uma família de classe média argentina, com todos os problemas que costumam cercar a vida familiar, como atrasos no pagamento, dívidas, a decisão do local onde passarão as férias etc. A família vive num apartamento e no início das tirinhas não tem carro, o que acaba virando um sonho de consumo do pai de Mafalda, até que o sonho se concretiza. A mãe é uma dona-de-casa típica, que cisma em entupir a filha de sopa na hora das refeições – coisa que a menina odeia – e o pai trabalha num escritório, onde também não se define claramente sua profissão.

A turma de amigos das personagens

Turma da Mônica

turma da mônica

A Turma da Mônica é grande, bem maior que a de Mafalda, e foi crescendo cada vez mais o longo dos mais de 50 anos de publicação das historinhas da turma. Porém os principais personagens são:

• Magali

Melhor amiga da Mônica, é uma garota comilona, que devora tudo que vê pela frente em fração de segundos, inclusive uma melancia inteira. Assim como a amiga, Magali também é sonhadora, mas sua maior preocupação é encontrar comida.

• Cebolinha

É um menino muito inteligente que troca as letras R e L, e é especialista em bolar “planos infalíveis” para derrotar a Mônica e se tornar o “dono da lua”. Porém eles nunca dão certo e seu fim nas historinhas está sempre fadado a pelo menos um olho roxo.

• Cascão

Melhor amigo de Cebolinha, seu companheiro inseparável na execução dos planos. É também um grande jogador de futebol. Nunca tomou banho, tem pavor de água e nunca se separa de seu guarda-chuva, para o caso de alguma nuvem o pegar desprevenido.

• Maria Cebolinha

É a irmãzinha de Cebolinha, bem pequena, está na fase em que as crianças estão aprendendo a falar e representa o bebezinho da Turma.

• Titi

É um garoto mais velho e portanto um pouco mais tranquilo que o resto da turma, já namora e, assim como a personagem principal, é dentuço.

• Franjinha

Também já é mais velho que os outros e é o inventor da turminha, vive a volta com suas criações em seu laboratório e é dono de Bidu, um dos cachorros que virou mascote da turma.

Mafalda e seus amigos

mafalda e amigos

A turma de amigos da Mafalda é bem mais restrita do que a da personagem brasileira e quase não cresceu ao longo dos anos de publicação. Fazem parte dela:

• Felipe

É um garoto muito inteligente. Um ano mais velho que Mafalda, se identifica muito com a menina. Detesta ir à escola e é extremamente criativo e sonhador, tanto que às vezes se perde em meio a seus próprios devaneios.

• Susanita

Amiga de Mafalda, mas que muitas vezes a irrita com sua alienação, excesso de amor maternal e seus sonhos pequeno-burgueses. Sua maior ambição é casar, ter muitos filhos, e que um deles seja médico, de preferência.

• Manolito

Filho de um espanhol que é dono do armazém do bairro, apresenta muitas dificuldades na escola e vive discutindo com Susanita. O garoto vive dentro de seu mundo capitalista e gasta grande parte do tempo fazendo publicidade do negócio do pai onde quer que se imagine. Manolito acredita que o dinheiro é o valor essencial do mundo.

• Miguelito

Neto de italianos, um ano mais novo que Mafalda, é um garotinho que se preocupa muito com seu próprio futuro. E que por conta dos ensinamentos do avô, tem como ídolo Benito Mussolini.

• Liberdade

É uma menina muito pequenina, até mesmo para fazer um trocadilho entre seu nome e sensação de liberdade no mundo e na Argentina contemporânea das tiras. É extremamente politizada e tão contestadora quanto Mafalda (talvez até mais).

• Guile

Irmãozinho caçula de Mafalda, é muito inteligente e segue os passos da irmã, contestando tudo que lhe aparece pela frente.

A postura de Mônica e Mafalda diante da vida

Mafalda e o mundoVistas por cima Mônica e Mafalda parecem personagens parecidas, tanto que não é raro haver comparações entre elas – uma prova é a imagem principal que ilustra o texto, tirado do incrível comparativo Sampa versus Buenos da artista plástica Vivian Mota. Mas se apurarmos apenas um pouco mais o olhar, não será difícil perceber o grande abismo que as separa. Enquanto o ambiente das historinhas de Mafalda e sua turma empregam a ambientação do mundo infantil para abordar uma grande diversidade de temas, todos ligados ao cotidiano da vida adulta (desde problemas políticos e econômicos, passando por crises de meia idade dos pais, e sempre colocando uma série de valores em xeque), os enredos das histórias da Turma da Mônica, pouco tem a nos oferecer nesse sentido, até por ser um tipo de trama criada para entreter ao público infantil. Mônica e Mafalda são diferentes uma da outra em quase todos os aspectos que se possa relatar. Enquanto as aspirações da primeira se restringem a casar e ter filhos, a segunda está preocupada com a situação econômica que a cerca, com sua carreira profissional – já que sonha em ser uma diplomata, e trabalhar como intérprete da ONU (pois acredita que assim possa ajudar a resolver parte dos problemas do mundo).

monica e sansãoAnalisando a Turma da Mônica e os amigos da Mafalda, veremos que Mônica, está muito mais próxima de Susanita do que da Mafalda propriamente dita. Afinal, muitas aspirações de ambas as personagens são as mesmas. Enquanto Susanita divide seu tempo entre sonhar com seu casamento, filhos e seus delírios consumistas, dedica também parte de seu tempo às discussões com Manolito. Por sinal uma das diversões de Susanita é agredir o garoto, chamando-o – no melhor dos casos – de burro. E essas mesmas características podem ser notadas na personagem Mônica, que quando libera seu lado romântico, se põe a sonhar com casamento, filhos etc. Porém, na maior parte do tempo, quando não está perdida entre seus devaneios, Mônica dedica seu tempo a correr atrás dos meninos, principalmente do Cebolinha, para dedicar-lhes bons socos e coelhadas.