O alívio que a simplicidade de Maniac traz | JUDAO.com.br

Eu não gosto de dizer que alguma obra “não é pra todo mundo”, mas a série se conecta de maneira muito maior e mais fácil com quem já passou, ou passa, por tratamento psicológico e psiquiátrico

Estou há quase um ano em tratamento psiquiátrico e psicológico, depois de uma crise bastante pesada que tive numa tarde de sexta-feira, no final de 2017. Nesses dez meses e pouco, consegui dar alguns passos pra frente, sendo o principal deles o fato de eu conseguir enxergar problemas e até soluções dentro de mim. Ainda é só um começo, há muito, mas MUITO a ser percorrido. Mas eu já consigo perceber que é muito difícil conseguir viver sozinho DE FATO. Conexões são necessárias, nem que sejam comigo mesmo.

Cary Fukunaga, o diretor de Maniac, disse em diversas entrevistas que a adaptação da série norueguesa pro Netflix era muito mais oportunidade de trabalhar com diversos gêneros, camadas de histórias e referências (Arizona Nunca Mais, Senhor dos Aneis, Dr. Strangelove, Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças e Don Quixote, no mínimo) do que qualquer outra coisa. Não é à toa que tanta gente achou a série uma confusão enorme, postando diversos comentários sobre como nada daquilo fazia sentido, como as coisas pareciam ruins — teve gente dizendo que a série é “Cyberpunk”, até.

Eu acredito que cada um enxerga uma obra de arte de maneira absolutamente única e, deitando um pouco a cabeça pra lá, abaixando um pouquinho, colocando um óculos, é possível ter uma ideia de alguns outros pontos de vista e é por isso que consigo entender todas essas reações (tirando o cyberpunk, claro). Porque, sinceramente? Maniac é uma série bastante direta, com uma história realmente simples.

Annie Landsberg (Emma Stone) e Owen Milgrim (Jonah Hill) são duas pessoas que, cada uma por suas razões, se inscrevem na fase final de uns testes bastante bizarros de uns remédios que prometem resolver todos os problemas da mente de uma pessoa, sejam eles corações quebrados ou esquizofrenia. De acordo com Dr. James K. Mantleray (Justin Theroux, sensacional no papel), inventor das pílulas, a solução é eterna e não há nenhum efeito colateral.

Há muito o que se falar sobre ética — as pílulas, seus testes, criação e utilização de inteligências artificiais, publicidade; o complicadíssimo assunto “relações familiares”, que aparece de maneiras bem diversas, envolve mães, pais, irmãos e cunhados. Mas a história de Maniac não vai muito além disso horizontalmente — são suas camadas verticais que, ao mesmo tempo que confundem tanta gente, mostram toda a sua simplicidade: o que se vê é, literalmente, um tratamento psicológico.

Os protagonistas, o tempo todo, enfrentam seus ~demônios. Começam voltando um pouco no tempo, revivendo aqueles momentos mais traumáticos e significativos, passam a viajar pelas ideias do que mais os aflige e terminam, de fato, chegando a uma cura — ou, pelo menos, a um momento em que eles conseguem dar um passo a frente.

É, como já disse, LITERALMENTE o que eu tenho vivido nesses últimos dez meses. :)

Há também a necessidade de Owen ser aceito por alguém, ter uma relação com alguma pessoa que aceite sua situação como parte do que ele é, estando ao seu lado e até mesmo dividindo um pouco dessa situação, por mais absurda que seja. Isso não significa ignorar um problema, e é ridicula e infinitamente melhor do que tentar resolver para a pessoa. Respeitar a cabeça do outro é um dos grandes segredos do tratamento de saúde mental.

Eu não gosto de dizer que alguma coisa “não é pra todo mundo”. Mas Maniac é algo que é próximo demais pra eu conseguir dizer se gosto ou não gosto e expor os motivos. No começo eu tava adorando as transições de Fukunaga, só pra citar um exemplo, mas não demorou muito pra eu nem lembrar que isso existia. Eu deixei de analisar e simplesmente absorvi.

Tou longe (MUITO longe, veja bem) de chegar a uma cura, se é que um dia chegarei a alguma de fato. Muito provavelmente eu simplesmente darei passos e mais passos, até que esses 34 anos de tantas coisas tão bem escondidas dentro da minha cabeça se tornem 34 anos de coisas desenterradas e bem resolvidas. Efeito colateral, então, eles vem aos montes.

Mas Maniac não bateu em mim como bateu pra tanta gente. Não senti nenhum peso. Assistir aos dez episódios da série foi como se eu pudesse parar de pensar dentro da minha cabeça e conseguisse deixar uma ideia muito mais maluca, colorida e com o casal de Superbad fazer isso por mim.

Maniac foi, pra mim, o que a Penseira foi pra Dumbledore.

E, nesse momento da história do mundo, esse alívio não tem preço.