Marvel Ultimate: crônicas de um fim anunciado | JUDAO.com.br

Mais uma vez a Marvel sugere o fim do Universo Ultimate. E, mais uma vez, a gente acredita que, sim, pode até ser verdade. Mas dá pra entender o motivo?

Ó, vamos combinar uma coisa: goste você do PT, goste você do PSDB, o fato é que todo nerd que se preza concorda numa coisa – já deu MUITO no saco esta estratégia de teasers para 2015 na qual a Marvel está se apoiando nas últimas semanas. Metade do planeta (e a gente também) aposta que se tratam de alguma coisa relacionada às tais novas Guerras Secretas. Afinal, parecem ser reinterpretações de alguns dos grandes momentos icônicos da editora, sagas como Guerra Civil, Planeta Hulk, Desafio Infinito, Dinastia M, Guerra das Armaduras, O Velho Logan, Era de Apocalipse e afins – teve uma hora, confessamos, que até cansamos de publicar todos eles por aqui porque, né, já deu. E como Guerras Secretas parece ter um pouco desta pegada de “vamos reunir personagens das mais diversas realidades alternativas, cronologias paralelas e a porra toda”, tudo parece se encaixar.

Só que não estou aqui para falar disso. Ou, pelo menos, apenas disso.

Um dos teasers que mais me chamou a atenção foi este, que você vê a seguir. Trata-se de algo sugerindo que o Universo Ultimate vai chegar ao fim. Claro, como o Renan bem observou, em toda a sua sagacidade grisalha, talvez estejamos diante de uma brincadeira com aqueles títulos do tipo “The End”, obras futuristas que retratavam os últimos dias de determinados personagens da editora, em histórias livres e fora da cronologia oficial. Pode ser, faria sentido. Mas se tem algo que me incomoda é, novamente, uma referência ao fim definitivo desta cronologia alternativa.

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A primeira vez em que se começou a mencionar que haveria uma varredura destes títulos das bancas foi em 2008, quando aconteceu o evento apocalíptico de nome Ultimatum. Magneto pirou, mudou o eixo magnético da Terra, causou devastadores efeitos climáticos e uma destruição em tudo quanto é parte. Um tsunami invadiu a cidade de Nova York, matou um monte de gente, enfim. Vários heróis morreram e o Universo Ultimate, embora não tenha acabado, mudou radicalmente, tornando-se ainda mais diferente e distinto da cronologia normal e corriqueira, chamada de 616.

Ano passado, outro evento com nome ainda mais aterrador anunciaria uma possível devastação: Cataclysm. Nele, a zona temporal que tomou conta de boa parte dos gibis da linha 616 levou, para o Universo Ultimate, ninguém menos do que o próprio devorador de mundos, a força da natureza conhecida como Galactus. O mais engraçado é que, anos antes, Warren Ellis tinha feito a sua própria versão ultimate de Galactus, representado por uma espécie de enxame faminto de insetos robóticos. Mas no caso de Cataclysm, estamos falando dele, o homenzarrão gigantesco com uma armadura roxa e um capacete pontudo. Novamente, morreu gente pra caramba. Novamente, tivemos títulos cancelados – desta vez, em maior número, deixando poucos títulos em bancas.

Aqui, no entanto, permaneceu um boato que até hoje ronda os corredores da Marvel, sendo vez por outra retomado pelos mais importantes – e bem-informados – jornalistas especializados no mercado norte-americano de gibis. A Casa das Ideias teria mesmo a intenção de dar cabo do Universo Ultimate e trazer aquele que é seu maior acerto atual, o novo Homem-Aranha Miles Morales (escrito de maneira afiadíssima por Brian Michael Bendis), para dentro da cronologia 616.

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Se liga, Miles, o Galactus vai te pegar!

Pode ser que estejamos sendo apenas catastrofistas. Mas agora, esta é a situação ideal para que isso ocorra. Em janeiro, teremos o derradeiro número de New Ultimates – o que deixa, para as solicitações de fevereiro, apenas e tão somente a revista do Homem-Aranha Ultimate como representante do Universo Ultimate. É isso. Todo o restante foi cancelado, sem dó ou piedade. Além disso, Miles já teve incursões na cronologia 616, a começar pela emocionante história Spider-Men (no Brasil, Homens-Aranha) na qual ele se encontra com o “nosso” Peter Parker, um adulto, depois de ter visto o Peter adolescente morrer tragicamente em sua própria realidade. Ficaria relativamente fácil acomodar o garoto por estas bandas (Sim, sou destes que considera o Universo 616 como sendo o “nosso universo”. Me processem).

A grande ironia desta “morte anunciada”, tantas vezes mencionada e sugerida, é que esta cronologia, criada em 2000, de fato cumpriu seu papel. A ideia era criar uma nova série de quadrinhos, com os personagens clássicos da editora, só que reinterpretados e reimaginados para o século XXI, atraindo uma nova geração de leitores que poderia começar do zero, sem ter que ler décadas de gibis anteriores em uma cronologia enrolada e complicada. Assim sendo, o Homem-Aranha não seria fotógrafo, mas sim o webmaster do site do Clarim Diário, por exemplo.

Foi aqui que Brian Michael Bendis e Mark Millar, por exemplo, mostraram a que vieram e se tornaram dois dos nomes mais reverenciados das HQs contemporâneas de super-heróis.

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Os Supremos (ou Ultimates, como queira)

Só que, claro, estamos falando de quadrinhos de super-heróis, né. Você entende o que isso significa. Portanto, deve imaginar que não demoraria muito para que esta cronologia também ganhasse seus próprios nós, ficasse igualmente bagunçada e se tornasse, portanto, terreno quase intransponível para novos fãs. Em um certo momento, o Universo Ultimate já não era mais uma alternativa, uma porta de entrada para as novas gerações que, de alguma forma, se interessassem pelos gibis da editora depois de ver os personagens fazendo sucesso no cinema ou na televisão. Cancelar tudo e relançar meio que tem sido uma alternativa para tentar manter esse “frescor” pros novatos, mas sem tanto sucesso assim.

Curioso lembrar que, quando eu disse que a cronologia Ultimate de fato cumpriu seu papel, estava mesmo me referindo ao que está do lado de fora das páginas. Porque, assim que foi lançada, a turma dos Ultimates estava on fire, com a corda toda, fazendo os títulos 616 comerem poeira – tudo bem, é verdade que esta nova cara dos heróis levava larga vantagem não apenas porque os títulos eram bons (Bendis, Millar e Ellis, juntos, formavam uma trinca imbatível), mas também porque os gibis da cronologia regular viviam uma fase simplesmente horrível.

Foi aí que, quando a Marvel começou a construir a sua direção no universo cinematográfico, inspirou-se largamente no Universo Ultimate. O Homem de Ferro, tadinho, um personagem tão maltratado ao longo dos anos, encontrou uma faceta de playboy conquistador de fala macia e despreocupado com a vida na versão Ultimate que inspirou diretamente o Latinha de Robert Downey Jr. – e que, num processo de retroalimentação, também deu esta cara mais interessante ao que vinha sendo tratado apenas como um genial industrial nos gibis 616.

O Nick Fury, minha gente? Esta versão negra, careca e com a cara do Samuel L. Jackson, em oposição ao caucasiano grisalho original, foi cortesia da arte realista de Bryan Hitch para The Ultimates (no Brasil, Os Supremos), a versão de Mark Millar para os Vingadores. Sim, sim, esta encarnação da superequipe é muito mais a incorporação do espírito de Millar e Hytch, cheio de sacadas pop e piadas ágeis e inteligentes, do que a visão clássica de Stan Lee e Jack Kirby. Até o uniforme menos estrombólico (se esta palavra não existe, gostei dela e estou inventando agora) e a atitude mais cínica do Gavião Arqueiro são herança destas páginas mais modernas e dinâmicas.

UltimateSpiderMan

O Homem-Aranha repaginado da versão “espetacular”, que o estúdio promoveu recentemente nos cinemas, bebe largamente e com prazer na fonte de Bendis – que, sejamos francos, faz até hoje um trabalho brilhante com o personagem. A atitude mais cool de Andrew Garfield, a relação direta de seus poderes e da origem de seus inimigos com as experiência genéticas da Oscorp. Tudo totalmente ultimate. O Rhino, em sua versão “sujeito de armadura” e não “cara grandão com pele impenetrável de rinoceronte” também surgiu aqui. E por mais que a gente ainda não tenha visto uma única foto oficial ainda, putz, eis que já se sabe que este remake do filme do Quarteto Fantástico, na Fox, deve ter ares de Ultimate, com uma formação mais jovem e que ganha seus poderes não em uma viagem espacial, mas sim durante experiências científicas envolvendo travessias para a Zona Negativa.

Como diabos, então, um universo criativo assim tão influente para a área na qual a Marvel mais cresce e mais fatura hoje em dia pode estar sempre rodeado de boatos sobre seu completo cancelamento?

Eu respondo. Porque a qualidade da produção caiu drasticamente, oras. O Homem-Aranha do Bendis foi a única coisa que conseguiu encontrar um caminho e se manter nele. Depois de dois grandes volumes conduzidos por Millar, os Supremos caíram nas mãos de Jeph Loeb e o resultado beira o que se pode chamar de “tenebroso”, lembrando as baboseiras super-heróicas de músculos inchados que a Image Comics promovia nos anos 1990. Os X-Men se tornaram uma insípida novelinha adolescente, especialmente depois do Ultimatum e da passagem de Robert Kirkman (ele mesmo, o criador de The Walking Dead) pelo título. Temas outrora tratados com inteligência, como a homossexualidade do Colossus, foram praticamente esquecidos.

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Reed como vilão. Boa ideia, mas MUITO mal-executada.

E o Quarteto Fantástico, cujo conceito original era de Grant Morrison antes de sua ida para a DC Comics, que teve as bases estabelecidas por Millar/Bendis e depois desenvolvidas por Ellis, com uma pegada de “exploradores do desconhecido” que deixaria Kirby orgulhoso. Quando o Doutor Destino foi morto no Ultimatum e Reed Richards se tornou vilão, apenas por despeito à uma negativa de Sue, dava pra notar que o título tinha atingido o fundo do poço.

Quer saber? Pensando bem, levar Miles Morales para conviver com o restante dos justiceiros mascarados do Universo 616 não me parece uma má ideia, afinal de contas. Só um pedido, no entanto: Bendis, se isso acontecer, proteja o seu pobre garoto e não deixe que Dan Slott coloque as mãos nele. O sujeito tem ideias bastante perturbadoras envolvendo trocas de corpos. Vai por mim.