Mayara & Annabelle: a divertida mistura entre magia e burocracia | JUDAO.com.br

HQ nacional de Pablo Casado e Talles Rodrigues, lançada oficialmente na CCXP, transforma o improvável em diversão pura

Estamos no Brasil. Mas não é exatamente o Brasil que você conhece. A vida que Mayara conhecia acaba de ir para o brejo, aliás. A garota investigou onde não devia. Outrora a mais respeitada Assessora Técnica em Combate da Secretaria de Atividades Fora do Comum de São Paulo, a moça escapou de uma exoneração graças ao seu mentor, Salgado, que vai com a sua cara. Mas o resultado não a deixou lá muito satisfeita, também: uma transferência para a Secretaria do Ceará.

Mayara pode não ter gostado da novidade, mas Annabelle curtiu menos ainda. Assessora Técnica em Magia e única funcionária da SECAFC-CE além do próprio Secretário, ela não queria uma parceira. Queria era um estagiário para preencher os relatórios e se livrar da burocracia.

Essa dupla improvável, em uma ambientação ainda mais, é o ponto de partida para Mayara & Annabelle, volume 1 de uma série de graphic novels da Editora Fictícia e lançada oficialmente durante a Comic Con Experience. As duas funcionárias públicas têm uma rotina bastante diferente nesta espécie de “realidade paralela” do nosso país.

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A Secretaria de Controle de Atividades Fora do Comum serve, essencialmente, para combater demônios, monstros e tudo que é coisa sobrenatural. Mas a primeira coisa que as meninas vão ter que combater é, essencialmente, uma a outra. “Elas duas têm personalidades muito diferentes e frequentemente estão em conflito, mas vão ter que trabalhar juntas por causa de uma nova ameaça que surgiu em Fortaleza, que costumava ser um lugar com pouquíssimas ocorrências”, explica o desenhista Talles Rodrigues, em um papo exclusivo com o JUDÃO.

O artista conta que a ideia inicial surgiu do que ele mesmo vive no seu dia a dia. “Só que misturado”, diverte-se. “Animes e mangás, amigas que se parecem muito com as personagens, Fortaleza, repartições públicas... Eu meio que já tinha várias ideias pra essas duas personagens, mas nunca conseguia transformar em roteiro. Foi aí que surgiu a parceria com o Pablo”. O Pablo, neste caso, é Pablo Casado, o roteirista. “A parceria com o Talles começou a se formar quando produzimos O Clube dos Monstros dos Bairros Distantes junto com o Matheus Sant’Anna, uma HQ curtinha para o FIQ de 2013″, conta Pablo.

O resultado final teria ficado tão bacana que Pablo quis muito fazer mais alguma coisa com Talles – que ele já conhecia de um grupo de discussão no Facebook sobre séries. Em janeiro deste ano, trocando e-mails sobre o que poderiam produzir a seguir, Talles arriscou e mandou anotações e ilustrações de Mayara & Annabelle. “Eu fui fisgado de cara pelo conceito, principalmente por ser algo fora do que eu normalmente escrevo”, admite.

A dupla não parece ter qualquer receio de trazer esta ambientação mais, digamos, fantasiosa para um universo tipicamente brasileiro, por mais que saibam que há uma parcela de leitores mais resistente, que defende que elementos como magia e super-heróis não cabem no nosso mundo e que ninguém compraria esta ideia. Pablo, aliás, conta que, de cinco anos pra cá, tem direcionado suas histórias a terem justamente uma ambientação brasileira. “E isso não inclui apenas o espaço físico e geográfico, mas os aspectos culturais presentes dos lugares. Porque foi isso que eu aprendi com os meus roteiristas favoritos e é o que vem sendo feito pelos quadrinistas brasileiros mais talentosos da última década”.

Apesar de nordestino, o escritor confessa que sempre torceu o nariz para o cangaço como matéria-prima para ficção. “Não sei exatamente o porquê, talvez por uma birra geracional, já que parte das pessoas da minha idade aqui em Alagoas não valorizam a cultura local e regional. Mas quando eu li Bando de Dois (de Danilo Beyruth) fiquei de cara. Era o tipo de coisa que eu gostaria de fazer”. E fez, na verdade. O já mencionado Clube dos Monstros dos Bairros Distantes, por exemplo, se passa em Olinda, durante o Carnaval, e tem monstros de inspiração lovecraftiana.

“O feedback dos leitores desde o lançamento tem sido positivo. É um gibi de monstros em Olinda. Por que não funcionaria, desde que bem pensado e realizado? É o mesmo caso de Mayara & Annabelle. Há demônios, magia, lutas com katana, mas tem Fortaleza de cenário, com lugares e falas reconhecíveis da cidade. É assim que americanos, japoneses e europeus fazem. A ideia é fazer, mas do nosso jeito – seja ele qual for”.

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Annabelle combatendo um demônio batedor de carteiras

Para Talles, a intenção é fazer com que o o leitor sinta que essa história está acontecendo no Brasil, com personagens brasileiros, e que esses cenários e personagens são tão ricos em histórias pra contar como qualquer outro. “Eu escrevo sempre pensando na história, na trama e nas personagens. Em alguns casos, uma crítica social, por exemplo, pode ter dado origem ao argumento, mas ela acaba absorvida pela necessidade de se contar uma boa história. A crítica, quando necessária, acaba surgindo de forma natural”, completa Pablo.

A expressão “volume 1”, indicada na capa desta edição, significa que os caras estão mirando alto, portanto. Sim, eles querem transformar a obra em uma HQ contínua, seriada, ao invés de fechar em um único especial. “Se nós vamos conseguir, são outros quinhentos. Mas queremos tentar. Estamos bancando o gibi do próprio bolso e esperando que as vendas empatem os custos e, se tudo der certo, garantam a impressão do volume 2”, conta Pablo. “Há exemplos relativamente recentes de produções seriadas ou que ganharam continuações, como Valente e os Quadrinhos A2 (do casal Cristina Eiko e Paulo Crumbim). Esperamos que as meninas caiam no gosto dos leitores, porque se eles se divertirem lendo Mayara & Annabelle, a gente vai se divertir ainda mais produzindo os próximos”.

O desenhista, no entanto, é ainda mais passional. “O que eu sei é que eu estou apaixonado por essas personagens e eu quero continuar desenhando elas. Como a gente vai fazer isso? Cenas dos próximos capítulos...”, brinca.