Aliás, existe outra questão anterior a esta: você pagaria para apertar a mão do seu artista favorito?
Aos 40 anos de idade, o paulistano Marcus Vinicius Garrett Chiado é uma espécie de fanático pelos anos 80. Colecionador de jogos e microcomputadores antigos e autor dos livros 1983: O Ano dos Videogames no Brasil e 1984: A Febre dos Videogames Continua, que passam a limpo a ascensão do fanatismo tupiniquim pelo ainda rudimentar mundo dos games, ele tem particular adoração por filmes como E.T. – O Extraterrestre e Os Gonnies. Justamente por conta deste último, aliás, ficou bastante interessado ao descobrir que Sean Astin, intérprete de uma das crianças da película, será um dos convidados internacionais da Comic Con Experience, que acontece em nosso país no final do ano. Mas assustou quando soube do valor para o Meet & Greet com o ator: R$ 999,98, o valor inteiro, incluindo a oportunidade de conhecê-lo e mais ingressos para os quatro dias de evento.
O espanto tem retrospecto: Garrett pagou exatos R$ 50 (sem o preço do ingresso, é bom que se diga) para conhecer e tirar uma foto com Leonard Nimoy, o homem que vive ninguém menos do que o vulcano Spock na série clássica de Star Trek. O encontro aconteceu em 2003, durante a convenção da Frota Estelar, realizada pelo mais ativo fã-clube trekker no Brasil. “Embora tenha sido extremamente rápido e ele mal tenha olhado para mim, foi bacana. Somente o fato de que estive a poucos metros de um ídolo, já valeu a pena. E conseguir um autógrafo, sabendo que esse autógrafo é original realmente, não tem preço”, confessa ele.
O valor foi rigorosamente o mesmo pago pelo fã Carlos Eduardo Habermann, em fevereiro deste ano, para participar do Meet & Greet pós-show da banda Transatlantic – um supergrupo que reúne grandes nomes do rock progressivo como Neal Morse (Spock’s Beard), Mike Portnoy (ex-Dream Theater), Roine Stolt (Kaipa) e Pete Trewavas (Marillion). Apesar de alguns problemas estruturais (“acabou rolando tudo num espaço improvisado, que não proporcionou o ambiente ideal para tirarmos fotos”), Habermann gostou do resultado. “Devo ter tido uns cinco minutos de contato com os músicos. Cada pessoa que entrava recebia uma foto da banda e seguia cumprimentando, tirando foto e pegando autógrafos com cada um”, conta ele, sem perder a chance de cutucar, aos risos: “o valor cobrado foi bem mais acessível que os R$ 800 da Avril Lavigne”.
O Meet & Greet – ou M&G, expressão em inglês que, na nossa língua, quer dizer “conheça e cumprimente” – da cantora canadense Avril Lavigne com seus fãs em São Paulo, durante a turnê realizada em maio deste ano, se tornou motivo de piada e originou dezenas de memes pela internet afora. O motivo? O valor desembolsado, bem acima dos padrões nacionais, e o que foi recebido em troca: as fotos liberadas mostram quase nenhuma interação com a popstar, com a qual os participantes eram proibidos de trocar mais do que duas palavras antes do flash e da posterior expulsão da sala. Apesar das piadas, alguns fãs que estiveram no M&G vieram à público defender a sua musa. “Acredito que isso tomou um proporção gigantesca e desnecessária, até mesmo porque muita coisa que saiu na mídia é mentira”, afirmou Eder Gimenez, em entrevista ao iG. “Isso deixou nós fãs bem irritados, pois estávamos lá e sabemos o que de fato aconteceu. Esse é um sonho que eu jamais pensei que pudesse se realizar”.
Relatos dão conta ainda de que situações semelhantes aconteceram com os M&Gs realizados, no Brasil, por cantores como Demi Lovato e Justin Bieber. Rapidamente, iniciaram-se as comparações com os eventos de mesmo estilo organizados, por exemplo, pela cantora Rihanna – que faz as poses mais alucinadas com os fãs, gerando registros memoráveis (veja as fotos ilustrando esta matéria e tente conter o riso). Outros lembraram, por exemplo, das sessões já lendárias de M&G promovidas pelos mestres do marketing do Kiss. Além de fotos e sessões de autógrafos, o fã ainda ganha uma camiseta da turnê, tem acesso VIP ao local do evento e pode conferir um exclusivo pré-show acústico (sim, um show ANTES do show). E o valor deste pacotão é bastante similar ao cobrado por Avril Lavigne: R$ 900. Um registro em vídeo pode ser visto abaixo:
Uma verdadeira orgia para o fã dedicado, certo? Não concorde ainda – porque há quem acredite que mesmo este tipo de pacote, por mais atraente que pareça, não é nem um pouco justo. “Eu sou colecionador de discos. Tenho uma coleção de aproximadamente 1.000 peças. Vinis, CDs, DVDs. Não compro nenhum produto pirata. Sou apoiador dos artistas que sigo há décadas: AC/DC, Queen, Aerosmith”, conta, apresentando-se, o gerente de TI Nelson de Souza, “mineiro e roqueiro”, como se define. E logo depois, ele defende: “já ajudo esta galera toda com a grana que pago nos materiais originais, nas versões especiais e variantes, nos shows que assisto aqui no Brasil e no exterior. Por que diabos eu pagaria para que o cara venha apertar a minha mão e tirar uma foto comigo?”, diz, com tom indignado.
“Eu sustento estes caras. É mais do que a obrigação deles serem simpáticos comigo e virem conversar, trocar ideia, tirar foto. O fã sustenta o negócio deles. Eles vão me cobrar justamente no momento em que têm que dizer ‘muito obrigado’?”, questiona.
Recentemente, ao perceber a quantidade de questionamentos similares que vinha recebendo por conta dos M&G no Brasil, Paulo Barón, empresário da banda brasileira Angra, um dos mais destacados nomes do rock pesado brasileiro no exterior, teve que emitir um comunicado oficial. “Em primeiro lugar, eu gostaria de esclarecer que uma banda tem diversos custos operacionais envolvidos em toda sua carreira e nestes estão inclusos principalmente o transporte, equipe, gerenciamento de carreira, manutenção de equipamentos, produção de áudio e vídeo e diversos outros. Sem contar que ser músico é a profissão de cada um dos integrantes do Angra e eles precisam ser remunerados por tal trabalho para que continuem pagando suas contas através de sua profissão”, explica Barón. “Tornar isso possível por todo Brasil nos gera um custo com os produtos oferecidos, espaço, tempo e envolve diversas pessoas. O Angra tem muitos colaboradores e todos eles têm salário ou são remunerados por seus serviços. O único método que encontramos para tornar tal ação justa foi adicionando uma taxa que pudesse cobrir os principais custos de logística desta operação”.
Ivan Freitas da Costa, sócio da Comic Con Experience (CCXP), sabe que vai ter que enfrentar este tipo de questionamento, diante do que é justamente uma das práticas mais comuns nas maiores convenções de cultura pop em todo o mundo – mas que ainda é relativamente recente para os brasileiros. “Isso já acontece no Brasil em eventos com atores de séries de TV, por exemplo”, afirma Ivan, relembrando convenções como a Roadhouse, encontro brasileiro de fãs da série Supernatural e que trouxe alguns dos atores para cá, com pacotes que variavam de R$ 150 a R$ 1.000, dependendo da quantidade de atividades que fosse adquirida.
“Há um trabalho de conscientização do público também: a presença do artista depende do pagamento de cachê e, normalmente, da garantia de recebimento de um determinado valor por autógrafos e fotos”, explica Ivan. “É como esses artistas se remuneram e contar com a presença deles em eventos – algo que os fãs querem muito – pede que o público entenda e se adapte a esse modelo”. No entanto, ele acredita que, no caso da CCXP, o modelo vai emplacar facilmente. “O primeiro lote de ingressos Fan Experience que incluem M&G com Kirk Hammett, do Metallica, esgotou em 30 minutos”, revela. Vale lembrar ainda que o Metallica, banda da qual é egresso Hammett, sorteia sem custo adicional sessões de M&G em cada cidade na qual se apresenta entre os integrantes locais do chamado MetClub – seu fã-clube oficial, que cobra uma mensalidade de US$ 60 para membros que estejam fora do território norte-americano.
Um mês antes da CCXP, nosso país vai sediar outra convenção de grande porte, a Brasil Comic Con – que também terá convidados internacionais participando de Meets & Greets. Leandro Cruz, coordenador geral da Brasil Comic Con, acredita que a relação do fã com seu ídolo é muito pessoal e a maioria sabe definir bem os papéis de cada um. “No caso de um show ou de um jogo de futebol, por exemplo, paga-se para ver o espetáculo e não para estar ao lado ou ser fotografado com o astro ou atleta. Isso está muito claro e acreditamos, sim, que o brasileiro quer mais do que apenas o show”.
Para ele, a principal prova disso é que o acesso VIP para as fotos com a atriz Cassandra Peterson, que interpreta a rainha das trevas Elvira, já está esgotado, seis meses antes do evento, ao valor de R$ 92 cada, sem considerar o valor do ingresso, de R$ 115 para cada dia. Já foram abertas também as vendas para os pacotes com Takumi Tsutui (intérprete do ninja Jiraya na série nipônica homônima) e Paul Zaloom (protagonista da série científica O Mundo de Beakman).
Leandro é categórico ao afirmar que muitos fãs fazem loucuras pelos seus ídolos. “Alguns não medem esforços para estar ao lado, nem que seja por um momento, do artista que ele mais admira. Mesmo que o M&G seja considerado caro por alguns, para o verdadeiro fã não tem preço, pois é algo que ele guardará para toda a vida”. É justamente neste tipo de público, os fãs mais hardcore, que a CCXP também vai se focar para fazer os M&Gs acontecerem. “Eles são nosso público primário pois entendem que essa oportunidade é algo realmente único”, aposta Ivan.
Garrett, nosso fã do começo deste texto, também concorda – e se posiciona contra o que afirma um fã como Nelson Souza. “Imagine que o artista precisa deixar o conforto do lar, o contato da família, para viajar para o outro lado do mundo e, querendo ou não, arriscar-se. Sempre é possível que algo aconteça; desde a queda do avião a um simples tombo no quarto do hotel. Eu acho justo sim”.
E você? O que VOCÊ acha?