Um clássico da Disney se torna uma obra de arte
Mogli – O Menino Lobo era o filme que eu mais queria ver esse ano. Mais do que Batman VS. Superman, mais do que Capitão América: Guerra Civil, meu interesse estava nessa mais nova “versão live action”, na falta de uma descrição melhor, de uma animação clássica da Disney. Não tenho memória alguma do filme original na minha infância, não era uma questão de nostalgia. A palavra é outra: magia.
Arthur C. Clarke POSTULOU, em seu ensaio Os Perigos da Profecia: A Falha da Imaginação, que “qualquer tecnologia suficientemente avançada é indistinguível de magia”. Dizem que quando os irmãos Lumière exibiram pela primeira vez L’arrivée d’un train en gare de La Ciotat, em 1896, teve gente correndo pra fora da sala com medo do trem que vinha chegando, gigantesco, na tela.
Nos trailers de Mogli – O Menino Lobo rola uma SUBVERSÃO do aspect ratio, dando a impressão de que as coisas saem da tela. Se você assiste no YouTube não parece tanto, mas, se assistiu ao vídeo no cinema em alguma sessão 3D, a sensação é melhor. Veja bem: não há nenhum segredo nisso. Se você procurar, existem até uns GIFs que usam umas faixas brancas pra dar uma ideia de três dimensões. É realmente simples e não tem muito significado além do uso da profundidade.
São poucos os filmes que, de fato, fazem uso do 3D. Assisti a Avatar e As Aventuras de Pi no cinema e depois, em casa, me incomodou demais saber que aquele filme não era o mesmo que eu tinha visto meses antes. Quer dizer, o filme era, claro, mas a experiência, com uma TV sem 3D, não. Tanto James Cameron quanto Ang Lee usaram o máximo da tecnologia pra fazer mágica, dentro e fora do filme.
Mogli – O Menino Lobo também faz um ótimo uso do 3D, inclusive conseguindo pular o obstáculo da escuridão que os óculos causam — e não, a brincadeira com o aspect ratio não acontece no filme. Mas o Jon Favreau, assim como Cameron, Lee e tantos outros diretores que não caem nessa nova onda de realidade, espelho do mundo de merda em que vivemos, fez magia.
Mogli – O Menino Lobo é um filme mágico.
Esqueça as cores vibrantes e toda a alegria do filme original, de 1967. A versão de Jon Favreau é obviamente baseada nele, mas há uma mistura bastante grande — e interessante — com os elementos do livro que deu origem ao filme, escrito por Rudyard Kipling, em 1894. Sempre levando em conta as Leis da Selva — como a Trégua d’Água, um lugar no qual, durante a seca, todos os animais podem dividir e beber juntos, sem se preocupar com ataques de predadores, ou a exigência de que Mogli seja o mais Lobo e menos humano possível por parte da sua alcateia — o novo Mogli – O Menino Lobo é mais profundo em diversas questões — do misticismo à relação do homem com a natureza, passando até por questões de gentrificação e preconceito.
Shere Khan, por exemplo, não é só o tigre que quer comer o Filhote de Homem porque não gosta de humanos. Ele tem um trauma profundo, marcado na sua cara, da tal da Flor Vermelha que só o homem consegue produzir. Acabar com o Mogli não é uma questão de sobrevivência, é uma vingança. Mas faz sentido se vingar de uma criança que foi criada na selva, por Lobos, por conta do que outros humanos fizeram no passado?
E, veja: Share Khan é um tigre. Não é um tigre animado, não é um tigre da Disney. É um tigre que, por acaso, fala. Como um tigre, se por acaso tigres falassem. O mesmo vale pros lobos, ursos, panteras e quaisquer outros animais. Não há ANTROPORMOFIZAÇÃO da selva. A nossa empatia com aqueles personagens não é pelo fato de parecerem com humanos, mas sim por serem animais. E eles são animais, por mais que eu saiba que foram todos construídos num computador... É impossível você não acreditar no que tá vendo.
Os Elefantes, que no filme original são tratados quase como uma trupe de palhaços de circo, aqui são como deuses. Animais enormes que, com seus chifres, abriram os sulcos por onde correm os rios, protagonizam os momentos de maior emoção de todo o filme — do fato de ajoelharem em respeito, ao momento em que DEMONSTRAM porque é que são os Deuses da floresta.
O misticismo também fica na representação do Rei Louie. Um orangotango no filme original — uma decisão arbitrária do titio Walt, já que não existem orangotangos na Índia — nessa nova versão ele é um Gigantopithecus (ou simplesmente MACACO GIGANTE), extinto cerca de 100.000 anos atrás e dublado pelo Christopher Walken. Sei lá porque um bicho como esse gostaria de ser como, andar como e falar como um humano, mas transformando o rei dos macacos em um ser antigo, o último da sua espécie, gigante e, claro, falando como o Christopher Walken, o filme original continua sendo representado, mas de maneira mais profunda.
Mogli – O Menino Lobo tem grandes e importantes cenas de ação, mas muito mais do que divertidas, empolgantes ou de tirar o fôlego, são cenas pra serem CONTEMPLADAS — o filme todo é assim. Das mais simples às mais bem elaboradas sequências, é pra sentar bem na poltrona e assistir àquilo tudo tentando absorver o máximo do que está sendo mostrado, do que seus olhos conseguirem enxergar naquela tela gigante... e ir além. Melhor exemplo disso? Quando a Kaa aparecer você vai entender. :)
Fica a cargo de Mogli, interpretado pelo estreante Neel Sethi, a maior parte da leveza do filme — e consequente identificação com a molecada. Não é nenhuma interpretação brilhante, mas é TANTO carisma que a gente embarca com ele no sentimento de aventura que ele diz sentir durante o filme. Um garoto sem medo, que quer continuar na selva, onde seus amigos moram, onde sua vida foi moldada. Não dá pra não torcer pra que tudo que ele invente de fazer dê certo. :)
Quem ficar assistindo aos créditos (não existe nenhum tipo de cena depois, mas você não precisa acreditar em mim ou pode querer prestigiar os responsáveis) vai ler, bem no finalzinho, que o filme foi filmado em Downtown Los Angeles. Se você ainda não tiver BOQUIABERTO com o que acabou de ver, talvez o faça naquele momento ao perceber que tudo aquilo foi filmado num estúdio no centro de Los Angeles, numa sala não muito grande, coberta de azul. Tirando Neel Sethi e alguns elementos que ajudavam na interpretação do moleque, absolutamente TUDO foi criado num computador.
E absolutamente TUDO parece real.
É tecnologia, eu sei... Mas eu prefiro chamar de magia. :)