Não, Logan (ainda) não entrou pra história do Oscar | JUDAO.com.br

Se ganhar o Oscar de Melhor Roteiro Adaptado, aí sim. Mas por enquanto, é só mais uma adaptação de história em quadrinhos na maior premiação do cinema.

Logan é um baita FILME. Tanto faz se é inspirado num gibi, numa série de TV, num joguinho ou num abajur. Ser um ótimo filme vem antes de tudo isso. Ou deveria vir, claro.

Um western disfarçado de história sobre mutantes, fodam-se garras de adamantium, Caliban, Donald Pierce e os Carniceiros. Sem tudo isso envolvido, ainda assim, a história funcionaria numa boa. O foco ali está na história de um homem esmigalhado pelo tempo, pelas escolhas que fez na vida e por todo o sangue que teve que derramar, e numa garota que se torna uma espécie de segunda chance pra ele. Sendo ou não o Wolverine (e, bom, não é), whatever, é uma grande história.

Me pareceu bastante natural a indicação ao Oscar de Melhor Roteiro Adaptado, portanto, por mais que as chances de ganhar sejam mínimas, por uma série de razões. Mas tudo bem, já tá valendo.

Só que... Logan não é o primeiro filme inspirado em história em quadrinhos a ser indicado nessa categoria e, portanto, aquele que está “abrindo as portas pros gibis, viva”. Na verdade, não é nem o segundo.

Lá em 2002, por exemplo, uma pequena pérola chamada Ghost World, dirigida pelo mesmo Terry Zwigoff de Papai Noel às Avessas, também recebeu a gloriosa indicação nesta categoria. A história de duas melhores amigas adolescentes e incrivelmente cínicas (Thora Birch e Scarlett Johansson, que dupla sensacional) tentando encontrar seu lugar no mundo teve roteiro escrito pelo próprio Zwigoff em parceria com ninguém menos do que Daniel Clowes — não por acaso, o autor do gibi original. Publicado em formato encadernado, no ano de 1997, pela Fantagraphics Books, rapidamente Ghost World se tornou um daqueles hits cult que os indies amam.

Aí, pula pra 2006. Quando um certo A History of Violence (que ganhou por aqui, graças a este que vos escreve, o título de Marcas da Violência) também foi com bastante justiça indicado ao Oscar de Melhor Roteiro Adaptado. Com direção de David Cronenberg e uma atuação fodástica de Viggo Mortensen como o sujeito cujo passado vem buscá-lo pelos calcanhares depois da tentativa de começar uma nova vida bem longe de uma história cheia de sangue e pólvora, eis aí OUTRO filme inspirado em uma HQ. Uma graphic novel também publicada em 1997, com arte de Vince Locke e roteiro de ninguém menos do que John Wagner, criador do Judge Dredd.

A History of Violence saiu originalmente pela Paradox Press e depois ganhou uma nova chance na Vertigo.

E dá tranquilamente pra falar não apenas de American Splendor (Anti-Herói Americano), de 2003, a cinebiografia do quadrinista Harvey Pekar que entrou na mesma categoria por carregar elementos do gibi autobiográfico de mesmo nome escrito por Pekar e também de Our Cancer Year, de sua esposa Joyce Brabner, mas também de um tal Skippy. É, uma produção de 1931 que também foi indicada ao Oscar dessa categoria, baseada numa tira em quadrinhos escrita e desenhada por Percy Crosby sobre um menino riquinho que descobre a verdadeira graça da infância ao brincar no bairro mais sujo e perigoso (?) da cidade.

Sacou que a gente tá falando de 1931? Pois é.

Todos são quadrinhos. Que, por algum motivo, as pessoas parecem esquecer apenas e tão somente porque não são Marvel e DC, não tem Superman, Batman, Homem de Ferro, Homem-Aranha. E é uma BAITA cagada e uma TREMENDA injustiça, tanto para com os gibis originais quanto para com os filmes, que podem acabar esquecidos só porque não tem um cara de roupa apertada e multicolorida no pôster.

Este lance de roteiro adaptado, aliás, acaba gerando muita dúvida — mas a regra é clara.

Veio de livro, gibi, conto, peça de teatro, musical, série, game, artigo de jornal e até mesmo de outros filmes, sejam eles longas (como foi o caso de Victor ou Victória?, inspirado no alemão Viktor und Viktoria, de 1933) ou curtas (tipo Whiplash, versão maior do curta de mesmo nome escrito pelo próprio Damien Chazelle), não é mais considerado “roteiro original” e vem parar nesta categoria. Ainda que tenha sido baseado apenas em parte na obra original. Ainda que seja uma inspiração sutil, tipo E Aí, Meu Irmão, Cadê Você? (2000), creditado como baseado no poema épico A Odisseia, aquele mesmo atribuído ao grego Homero. Sacou a sutileza?

Aliás, é bom dizer que continuações de filmes originais também vão parar diretamente nesta categoria — e por isso um filme como Toy Story 3 concorreu como “adaptado”.

Isso valeu pro Logan, vagamente inspirado no distópico Velho Logan escrito por Mark Millar e ilustrado por Steve McNiven, mas que carrega um monte de coisas, a seu modo, não apenas dos gibis mas também da franquia cinematográfica X. Ou seja... de um jeito ou de outro, “roteiro adaptado”.

Esclarecido? ;)