Culpando a nossa carga tributária, a Big N disse que o “modelo de distribuição atual no País ficou insustentável” e não teremos mais consoles e jogos deles vendidos oficialmente no Brasil. Mas parece que é tudo uma questão de boa vontade…
“O Brasil é um mercado importante para a Nintendo e lar de muitos fãs apaixonados mas, infelizmente, desafios no ambiente local de negócios fizeram nosso modelo de distribuição atual no País insustentável”, disse Bill van Zyll, diretor e gerente geral para América Latina da Nintendo of America, no comunicado oficial sobre o fim das “operações” oficiais da Nintendo no Brasil, anunciado na última sexta-feira (09).
“Estes desafios incluem as altas tarifas sobre importação que se aplicam ao nosso setor e a nossa decisão de não ter uma operação de fabricação local. Trabalhando junto com a Juegos de Video Latinoamérica, iremos monitorar a evolução do ambiente de negócios e avaliar a melhor maneira de servir nossos fãs brasileiros no futuro”. Juegos de Video Latinoamérica, responsável pela Gaming do Brasil, é a empresa que representa e continuará representando a Big N pela América da Latina, apesar dessa decisão em relação ao Brasil.
Ou seja: OFICIALMENTE, a Nintendo e o parceiro latino-americano deram “um tempo” no nosso mercado por conta das altas taxas de importação. Um problema que é realmente grande, ainda mais quando falamos de jogos eletrônicos. Uma pesquisa de 2013, feita pelo Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário, indicava que 72% do preço dos consoles vendidos no País são impostos.
Apenas, veja bem, CAIPIRINHA (76%), CIGARRO (80%), VODKA (81%), CASACO DE PELE (81%) e CACHAÇA (81%) tinham uma carga tributária maior. Vai ver que aquela sua tia velha que diz que os seus videogames são um vício deve ter alguma razão... ;D
Essa grande carga de impostos é composta por uma enorme sopa de letrinhas, como ICMS, PIS, Cofins, IPI, ICMS e, pros importados, o II, que é o Imposto de Importação. Só que nada disso foi inesperado nos últimos quatro anos.
PIS e Cofins, por exemplo, possuem os mesmos valores desde 2004, ou seja, 1,65% e 7,6%, respectivamente. Também não houve, recentemente, aumento no Imposto de Importação ou IPI. O que muda, na realidade, é o ICMS. O valor é diferente pra cada ESTADO e, em São Paulo (que é o onde fica a sede da Gaming do Brasil e não é nem a Dilma nem o PT que governam), a alíquota subiu 50% no ano passado – motivando os aumentos de preço da Apple na época, como talvez você deva lembrar.
E ainda teve alta do dólar causada por fatores diversos, incluindo questões internas e externas (que vão desde a mudança da política econômica dos EUA à crise econômica da Rússia), já que qualquer lampejo de crise ou oportunidade de ganhar dinheiro em outro país faz com que a procura pela moeda aumente, o que leva o preço dela pra cima. Além de fazer tudo o que vem de fora ficar mais caro, esse aumento potencializa qualquer imposto.
Em novembro de 2013, quando o dólar estava R$ 2,30 e foi anunciado o preço do Wii U verde e amarelo, ele saía por R$ 1.460 para a Gaming do Brasil, numa estimativa feita pelo JUDÃO. Isso levando em consideração o preço de varejo dos EUA, US$ 299 (que fatalmente deve ser menor para a importação), e com a já citada sopa de letrinhas goela adentro. Com o preço indicado no varejo brasileiro de R$ 1.899, dava uns R$ 440 de margem para outros custos, frete e, obviamente, lucro.
Coloca agora o aumento do ICMS e do dólar na balança. O Wii U chega atualmente ao nosso País por um pouco mais de R$ 1.900, enquanto o valor de varejo tupiniquim continua R$ 1.899. A conta começa a não fechar. Afinal, empresas precisam ter lucro para sobreviver.
Enquanto isso, um fabricante de computadores (que, digamos assim, é um videogame com outras funções) consegue um Imposto de Importação menor (16% contra os 20% dos games) e um IPI reduzido (15% contra 50%), trazendo hoje pro Brasil um “PC de R$ 299” a R$ 1265. É aquela coisa: joguinhos eletrônicos são considerados supérfluos, por isso a diferença.
Junte tudo isso ao fato que nos EUA parte do preço dos consoles, ao menos no início das vendas, é subsidiado pelos próprios fabricantes. Lá esse mercado é bem estruturado e, bom, perde-se no console para se lucrar com os joguinhos e acessórios (por que você acha que só vem um controle?) e, depois, com peças mais baratas, consegue-se equilibrar as coisas. No Brasil historica e culturalmente não é assim, por conta de pirataria e, especialmente nos dias de hoje, importação, o que faz com que o dinheiro que você gastou pra comprar um joguinho na sua viagem à Miami não seja somado às contas das empresas no Brasil.
Sacou agora como chegamos na notícia da semana passada?
Foi também em novembro de 2013 que a Sony Brasil começou a vender o PlayStation 4 por R$ 4 mil, uma lógica explicada, mas que até hoje não faz sentido. A Nintendo poderia ter feito agora exatamente a mesma coisa que os coleguinhas fizeram na época: simplesmente não absorver essa alta do dólar, manter a margem de lucro e entregar um preço alto para o consumidor. Mantidas as proporções em uma conta rápida, poderiam cobrar uns R$ 2.500 pelo Wii U no varejo – e manter o preço dos jogos, o que, mais ou menos como acontece lá fora, poderia fazer com que as contas se equilibrassem um pouco. Isso enquanto o mercado cinza (sim, aqueles caras daqueles ~shoppings de estandes e que não pagam impostos) conseguem cobrar R$ 1.400 por uma unidade – numa óbvia concorrência desleal, já que sonegam impostos.
Lá atrás, Mark Stanley, responsável na América Latina pela divisão PlayStation dentro da Sony, disse que “não queremos vender uma única unidade do PlayStation 4 por esse preço”. No caso da Nintendo, eles resolveram ser ainda mais literais nesse pensamento e tiraram o time de campo, numa atitude covarde.
Não que repassar os impostos e uma grande margem de lucro para o consumidor não o seja. Só que tudo isso deixa claro que a Nintendo vê o Brasil e a América Latina como um mercado de menor interesse, repassado para uma empresa comandada por investidores (no caso, a Juegos de Vídeo Latinoamérica GmbH é subsidiária da Motta Investment Group) que, claro, não estão exatamente preocupados em fomentar um mercado, em lutar por impostos baixos, buscar produção regionalizada, nem nada disso. A preocupação maior é com o retorno da grana investida – por mais que ninguém vá admitir isso oficialmente. Se esse modelo de negócio ficou inviável, melhor cair fora do que perder dinheiro. Cá entre nós, não podemos condenar os caras por isso. Mas é uma visão de mercado que está ultrapassada.
A Nintendo já teve, no passado, uma outra parceria do tipo no Brasil, com a Playtronic (que era parte da Gradiente). Ficou anos sem um parceiro por aqui, até entrar a Gaming do Brasil. Oficialmente, nunca botaram os pés no nosso País. Só que o mercado de games daqui vem passando por um crescimento incentivado, entre outras coisas, pela presença oficial de empresas como a Microsoft. Com uma aposta mais agressiva no mercado brasileiro, os estadunidenses passaram a produzir localmente o Xbox 360 e o Xbox One. Deixaram de lado a sopa de letrinhas da importação, aproveitaram a isenção e/ou descontos em alguns impostos na Zona Franca de Manaus (justamente IPI, II e o ICMS) e, no resultado final da conta, conseguiram preços mais competitivos para seus produtos, fazendo parte da grana que iria direto pro mercado cinza ir parar nos bolsos deles. Ah, e ficam menos sujeitos à variações do câmbio, inclusive porque a subida do dólar serve, entre outras coisas, para incentivar a produção nacional, e não só para ferrar com os importados.
Algo parecido se pode dizer da Sony. A empresa está presente oficialmente no Brasil, o PS3 já é feito em Manaus e o PS4 tupiniquim deve aparecer mais cedo ou mais tarde, talvez quando o mundo já conhecer o PS5.
E nem vamos entrar no mérito da geração de empregos...
Vender games no Brasil não é fácil, como tudo por aqui. Só que também está claro que fazer parcerias com investidores e/ou importadoras não é mais a solução e empresas como a Sony e Microsoft, além de EA, Capcom e Disney, mostraram que há muitas maneiras de se manter ativas (e bem) por aqui.
Todas essas empresas localizam seus jogos — tá ficando raro encontrar um grande jogo que não seja, no mínimo, legendado em português, com caixinhas traduzidas e tudo mais — e tem uma representatividade oficial por aqui, o que, bom, a Nintendo não tem há anos. Operava através de uma empresa terceirizada, e só.
A maior prova disso? O eShop do Nintendo Wii U simplesmente inexiste no Brasil, pra Brasileiros — e, olha só, ninguém que não a própria Big N poderia fazer com que ela funcionasse, exatamente como a Microsoft fez com a Live e a Sony com a PSN. O negócio é tão absurdo que, com uma conta Brasileira, é impossível inclusive baixar os conteúdos que são GRÁTIS, como o DLC da Mercedes de Mario Kart 8.
Com uma conta gringa (e um cartão internacional), porém, é rapidinho pra baixar o que quiser.
Bill van Zyll parece que enxerga todas essas soluções e até diz que a Nintendo pretende voltar — mas antes é preciso admitir qual é o problema, de verdade. Em entrevistas ao Nintendo World e ao G1, Zyll afirmou que “o modelo atual era insustentável”, que “o Brasil possui um mercado único, complexo e com alta carga tributária” e que “Olhamos continuamente para o modelo de importação. E nos vimos forçados a repensar esse modelo”.
Só que, ao mesmo tempo, Zyll afirmou que “estabelecer um processo local de fabricação é complexo e caro. Não é simples. É algo que pensamos e avaliamos e, no final, por conta de uma série de fatores, analisamos que o custo benefício da produção local não é a solução certa”.
Qual seria a solução certa, então? Sentar e esperar pra ver o que tá acontecendo, mais ou menos como eles tem feito com seus consoles e jogos nos últimos anos, e só depois que já for tarde demais, agir?
Quem quer levantar aquela calça de linho cara, tirar aquele terno importado, e se jogar no mangue pra catar caranguejo? Talvez seja melhor procurar um lanchinho menos exótico num outro lugar...
Por tudo isso, antes de apenas culpar apenas os altos impostos e em quem você não votou pela ausência da sua empresa preferida de games no País que você vive, lembre-se: nós não somos tão importantes assim, nem valemos o esforço.
E não adianta Bill van Zyll dizer o contrário. De bobo, nós só temos a cara. ¯\_(ツ)_/¯