A segunda temporada de House of Cards conseguiu ser ainda melhor que a primeira. A série, porém, parece ter atingido seu ápice, e agora?
Frank Underwood provou, na primeira temporada de House of Cards, ser um dos melhores personagens já criados para séries de ~TV. A própria existência da série, já é em si, um marco na história da cultura pop e do entretenimento, pelo simples fato de ser uma produção original do Netflix. A empresa que — já teve como modelo de negócios alugar DVD’s e hoje é uma videoteca por streaming –, começa, aos poucos, a ser uma baaaaita produtora de conteúdo. Orange Is The New Black é legal, Derek, Hemlock Groove receberam boas críticas e eles já anunciaram longa metragens, outros documentários e shows de stand-ups.
Com House of Cards, de longe a melhor produção até agora, o Netflix mostrou que não está brincando. É um marco na história da produção de conteúdo audiovisual e, além dessa importância toda, é foda demais! Personagens densos, muiltilaterais, interessantes e inteligentes, quebra de 4a barreira, roteiro instigante, sem engodo e enrolo. Um retrato cruel, nu e sincero sobre o que é, e como funciona, a política num país democrático, onde os três poderes brigam entre si.
Você começa a segunda temporada logo no momento em que termina a primeira. Frank Underwood agora é vice presidente dos Estados Unidos da América. Considerando o que ele fez para chegar lá, é assustador pensar que ele está a um cargo de ser o homem mais poderoso do mundo. Estamos lá assistindo o primeiro episódio com um misto de sentimentos, meio que ainda se preparando para o que vai vir, quando… BOOM! Você toma uma voadora bem dada com dois pés no peito (eu de fato estou chocado até agora).
Além desse choque, a série, através de seu interlocutor-protagonista, deixa muito claro qual é o objetivo e como a segunda temporada irá terminar. No fim do terceiro episódio, enquanto o Presidente fazia um discurso oficial — com o VP e a Secretária de Defesa a seu lado — Frank diz a você que ele esteve muito tempo no canto da imagem, mas que agora, ele estava apenas a um metro de distância.
Ali você entende que, no exato segundo em que se tornou vice presidente, Frank — com a ajuda de Claire — começou a trabalhar no objetivo principal: se tornar Presidente dos Estados Unidos.
Além de conhecermos um pouco mais das tantas facetas de Frank — mais uma vez magistralmente interpretado pelo genial Kevin Spacey — podemos ver Robin Wright e sua monstruosa (em ambos sentidos) Claire Underwood numa plenitude que eu poucas vezes vi numa personagem em uma série. Aqui o maior dos clichês se inverte, ou melhor, se subverte. Um não está atrás do outro, mas lado a lado, sendo o melhor casal que uma produção de ficção já viu. Nunca vi dois personagens se completarem e se amarem e todos os sentidos de forma tão sensacional — e que cena eles fizeram juntos para explicitar isso! Essa riqueza na construção de quase todos os personagens da séries — principalmente os que são bem interpretados — é um dos grandes trunfos da série, talvez o maior.
Você vê aqueles personagens interagindo e sabe que eles tem um passado, sabe que eles passaram por muita coisa, e fizeram muita coisa, para estar ali onde estão. Jackie Sharp (interpretada pela lindíssima Molly Parker) é uma dessas que só de olhar você consegue ver quantas camadas há. Michael Kelly continua incrível como Doug Stamper, o cachorro louco de Underwood tem um problema com vício, e nessa temporada mostra que essa doença pode vir de várias formas. O vício que Doug agora tem que se livrar é o de Rachel Posner, e como vimos na primeira temporada. A perdição vem para os que são fracos. Vale citar também Derek Cecil, como Seth Grayson, o assessor de imprensa dos Underwood.
Tramas, sub-tramas, plot twists e muita filhadaputagem. A segunda temporada de House of Cards traz muito mais daquilo que nós mais gostamos de ver na série, a mente doentia de Frank (e Claire) influenciando, corrompendo, planejando e jogando com a mente de todo mundo. Claire e o marido são — como eu bem desconfiava na primeira temporada — o demônio. E na sua plena forma. Vemos um pouco de humanidade nos dois? Sim, em raros e curtos momentos, mas essa ‘humanidade’ é superada pela máxima, dita pela própria Claire, quando o castelo de cartas está prestes a desabar: “Faça o que você tem de fazer, Frank!” Nesta mesma cena, inclusive, ela usa também, “você tem que seduzi-lo Frank.”
Quem é que trabalha sussurrando no pé do ouvido? Sugerindo certas ações, influenciando por trás da cortina sem nunca levar a culpa? Quem é que seduz as boas almas a tomarem atitudes que vão contra sua vontade? Que não tem o menor escrúpulo quando vai foder bonito a vida de alguém que está, ou estará, em seu caminho? Quem é, que no fim das contas, sempre se dá bem?
Exatamente. O demônio. Claire, que para mim é muito, mas muito mais perversa que Frank, diz para Gillian no primeiro episódio “estou disposta a deixar o seu filho definhar e morrer dentro de você se for preciso.” Isso para fazer Gillian desistir de um processo que iria estragar a imagem dela. E além de conseguir tudo o que quer, esse demônio de duas cabeças consegue seduzir a alma mais importante de todas: a sua. Você torce pode odiar o tipo de pessoas que eles são, mas você entende as razões, as motivações e compreende que eles fazem o que tem de fazer. Naquela posição, você faria diferente? Mesmo? Eu não sei dizer. Eu não consigo imaginar o que é estar lá. A Sra. Underwood também é protagonista de um dos melhores momentos da série até agora, a entrevista em que ela diz que fez um aborto por ter sido estuprada por um namorado na faculdade. A carga emocional daquela cena, é tão impressionante, mas tão impressionante que mesmo sendo uma mentira costurada, a declaração dela, você explode por dentro — de orgulho — assim que o telefone toca, com a menina contando que o mesmo aconteceu com ela.
House of Cards é uma série que começou maravilhosamente bem, e pelo que sinto, atingiu o seu ápice na segunda temporada. Até agora eles venceram, com algumas perdas e pedras no caminho, mas os Underwood venceram, Frank se tornou Presidente dos Estados Unidos. Não há mais para onde ir, a não ser para baixo. E acredito que a terceira temporada inteira será sobre a inevitável queda. Alguns fantasmas simplesmente não querem ficar dentro do armário, e nós sabemos que eles estão querendo sair.
Muita gente cai na armadilha de dizer que uma obra em aberto é a melhor de todos os tempos, ou que será a melhor. É muito mais fácil falar isso enquanto ainda estamos apaixonados por uma obra, somos todos muito fáceis, a verdade é essa. Eu não quero e não vou comparar uma história em aberto com outras que já foram concluídas, e tem muita gente fazendo isso. Breaking Bad começou com duas temporadas lentas e boas, para terminar de forma genial. Lost começou de forma a explodir a cabeça de todo mundo, com duas temporadas perfeitas e se tornou a maior decepção da história no fim.
House of Cards já é o início de uma revolução na indústria do entretenimento, vamos esperar (e torcer) para que termine como uma das maiores séries de todos os tempos. Potencial ela tem. Demais. Puta merda.