O curioso caso do jogo F1 2017 | JUDAO.com.br

Um game incrível para quem quer sentir o gostinho de pilotar na Formula 1 atual, mas que fica devendo para quem quer o mesmo nos carros clássicos, a principal novidade desta edição

É um desafio fazer um jogo anual sobre um esporte. Veja: a cada 12 meses precisa sair uma nova versão, atualizada para aquela temporada, mas nem sempre é fácil convencer o comprador que ele precisa ter um título novo só por causa disso. Se já é difícil para o pessoal do FIFA e do PES – que trazem centenas de equipes e milhares de jogadores reais para atualizar, mas precisam sempre colocar alguma realmente nova –, imagina então para a galera da Codemasters, que desenvolve os títulos da série F1: são sempre os mesmos dez times, com apenas 20 pilotos. Você conta nos dedos as mudanças de um ano para o outro.

Como a McLaren trocar suas cores de preto e vermelho para preto e laranja.

Por isso, o F1 2017, lançado no final de Agosto pra PS4, Xbox One e PC, não se acomodou. Além de, obviamente, trazer pilotos, equipes e circuitos da temporada atual, sem falar das mudanças do regulamento técnico (que inclui carros maiores e pneus mais largos), apostou também na possibilidade de correr em Mônaco de noite, em novos modos de competição e, principalmente, na introdução de doze carros clássicos. Este último ponto é algo que, certamente, irá atrair os saudosistas ou aqueles que querem de alguma forma curtir o passado que só viram via YouTube.

Mas o que saltou aos meus olhos foi nada disso. O Modo Carreira, reintroduzido no F1 2016, recebeu diversas pequenas mudanças que, no todo, o transforma na mais realista experiência da categoria. E isso é sensacional.

Ok, você deve estar pensando em diversos simuladores que, de alguma forma, trazem uma física ainda mais real. Porém, o Fórmula 1 não é apenas corrida, e é isso que o F1 2017 consegue passar para o jogador. Há uma espécie de gameficação da disputa entre pilotos e por prestígio dentro dos times, como já existia no F1 2016, mas que agora ganhou mais camadas. Inclusive, os carros clássicos também entram aqui, transformados em sessões de exibição no qual o jogador ganha prestígio e pontos para evoluir o carro com o qual compete no campeonato.

Em termos de evolução do carro, ela também ganhou novas camadas. Se na versão passada existia apenas alguns estágios para melhorar o BÓLIDO, agora há toda uma árvore de P&D (pesquisa e desenvolvimento) com mais de 100 possibilidades para escolher, que abre uma FLORESTA (desculpa, não resisti) de possibilidades.

Este ponto também deixou mais interessante o equilíbrio de forças entre os times. A McLaren, por exemplo, tem uma aerodinâmica muito melhor que a Sauber, mas um motor bem pior. Já a Mercedes tem uma unidade de potência poderosa, mas a Ferrari equaliza as coisas em outros pontos. Dependendo do circuito, esses critérios acabam tendo um peso diferente nos resultados da pista.

Não é só isso: agora precisamos tomar mais cuidado com o motor e o câmbio. Os conjuntos possuem uma vida útil cronometrada, necessitando de troca de peças depois de um certo período de uso – e, se você usar mais do que quatro motores ou quatro câmbios em uma temporada, começa a ser penalizado no grid de largada, tal qual no mundo real. Resumindo: agora é necessário economizar o carro durante o ano, aumentando o desafio.

Outra evolução – e aí em todos os modos de jogo – foi no ajuste da dificuldade da inteligência artificial. Antes eram apenas estágios, como “médio” e “expert”, agora é possível definir um número de 1 (mais fácil) a 100 (mais difícil), sendo muito mais fácil encontrar o ponto ideal para os adversários. Claro que há diversos modos de ajuda, como câmbio automático, auxílio na frenagem e linha ideal, que dão uma força para os inexperientes e para a galera que não tem volante e joga no controle, sem o mesmo nível de sensibilidade.

Agora é possível acertar a dificuldade da IA entre 1 e 100, o que garante um ajuste bem fino na dificuldade do jogo

Você pode competir por dez temporadas no Modo Carreira, crescendo, buscando vitórias, títulos, evoluindo seu carro ou trocando de equipe. A única questão aí é que, por mais que as temporadas mudem, elas sempre serão iguais a de 2017. Ok, tudo bem. Até porque os gráficos deles (e dos circuitos) estão muito bons.

Agora, se você não quer um comprometimento tão longo, há sim outros modos de jogo, como o “Grande Prêmio” (com corridas isoladas ou uma temporada customizada), “Tomada de Tempo” (que permite correr contra o relógio em qualquer um dos 20 circuitos de 2017) e “Evento” (uma tentativa da F1 entrar no mundo dos e-sports, com disputas de eventos com começo, meio e fim programados, no qual todos os jogadores competem parar marcar pontos e ver quem é o melhor). Mas você quer mesmo saber sobre os carros clássicos, né?

Bom, são 12 modelos históricos, incluindo o McLaren MP4/6 (com o qual Ayrton Senna foi tricampeão em 1991), o Williams FW14B (o “carro de outro mundo” que Nigel Mansell pilotou para ser campeão em 92), o Ferrari F2004 (modelo do sétimo título de Michael Schumacher, considerado até hoje um dos mais dominantes e rápidos carros da categoria) e o Red Bull RB6 (que deu a Sebastian Vettel o primeiro título, em 2010). Há, ainda, o McLaren MP4/4, da histórica temporada de 1988 – único carro que venceu 15 de 16 etapas de um mundial, além de ter dado o primeiro título ao Senna – mas está disponível apenas para quem comprou a versão “day one”. Para quem perdeu, o modelo estará disponível em DLC mais pra frente.

Visualmente, correr com qualquer um desses carros é incrível. Eles foram reconstruídos em cada detalhe, o que torna possível até acompanhar a evolução técnica da categoria. Os sons também são bem perfeitos, o que faz do game uma verdadeira sinfonia para os fãs do automobilismo – você irá curtir os sons de motores V12, V10, V8, V6 Turbo...

Só que tudo isso é bonitinho, mas ordinário. É que, ao pilotar, os carros têm exatamente o mesmo comportamento que o das versões de 2017. Não houve uma virgula na mudança da física e do comportamento, o que transforma esses carros em meros avatares.

Não é só isso: para o mais fanático, pode parecer estranho correr com esses carros. O pessoal da Codemasters até tentou dividir os modelos clássicos em dois grupos (um com os dos anos 1980 e 1990, e outro com os das décadas de 2000 e 2010), mas a diferença entre desempenho deles é quase que aleatória. Até porque, vamos combinar, a Ferrari de 2004 daria um pau na McLaren de 1991, por exemplo.

Também não há acertos exclusivos para os carros históricos, ou ainda grafismo na tela específico para eles – é possível disputar uma temporada com carros históricos em circuitos clássicos (que ainda continuam no calendário atual, como Mônaco e Interlagos), mas o GC fica nos informando como se fosse uma temporada normal de 2017 – e o narrador fica falando sobre DRS, coisa que não existe com estes modelos.

No geral, correr com os carros clássicos é igual a correr com os de 2017 – só mudam os avatares

Se você não estiver procurando muito realismo e não ligar para estes detalhes, deve conseguir se divertir, é claro. É possível usar esses carros do passado para os modos “Grande Prêmio”, “Tomada de Tempo” e “Campeonatos”.

Por falar em “Campeonatos”, este modo de jogo também inova ao ir além de trazer uma simples temporada de 2017. Agora, além do já citado modo com carros e circuitos clássicos, é possível disputar uma série só com as pistas de rua, de sprint e outros modelos malucos que parecem vir daquela galera que cria os regulamentos dos campeonatos estaduais de futebol aqui do Brasil – que podem ser divertidos quando somos só nos, o sofá, a TV e um joguinho. Há também eventos específicos para os carros clássicos, que incluem desafios como ultrapassar um número pré-determinado de adversários ou bater um tempo específico.

Vale dizer que todo o game tem ótimos gráficos, com detalhes bem trabalhados mesmo nos circuitos mais complicados, como Mônaco, Singapura e Azerbaijão. Com mais tempo, houve uma substancial melhora ao que já era visto no F1 2016. Fica faltando, apenas, um melhor ESMERO nas animações com pilotos e integrantes das equipes, ainda muito robóticos – mas não é nada que mude o jogo em si. Outro ponto que faltou foi atualizar o visual dos carros para a partir do GP da Espanha, quando entrou em vigor uma nova regra para o posicionamento dos números e do nome dos pilotos dos carros, o que levou a drásticas mudanças visuais em alguns times (como a Ferrari), mas que acabaram ignoradas no game.

O que irrita, na realidade, é a localização em português. A distribuidora nacional não aprendeu com os erros das edições anteriores e até piorou em certos aspectos. Além da tradução errada de alguns termos e uma pronúncia estranha de alguns nomes, para dizer o mínimo, mantiveram o fraco dublador do comentarista Anthony Davidson (que apenas lê a tradução dos comentários ditos pelo ex-piloto na versão original) como também trocaram a voz do locutor. Simplesmente botaram outra pessoa para “fazer” a voz de David Croft, da britânica Sky Sports, e o resultado é de mediano para ruim.

Pior: há algumas frases, principalmente no modo “Grande Prêmio”, que estão ainda na voz do dublador anterior. Isso sem falar que, nos diálogos dos personagens dentro do jogo (como engenheiros e a empresária que representa o jogador), as falas não casam com a batida da boca. Bizarro.

Já disse isso anteriormente, mas repito: um jogo como esse pede uma versão realmente localizada, com uma dupla de narrador e comentarista composta por brasileiros do mercado. Poderiam até ter um ex-piloto daqui no lugar do Davidson, com comentários locais, como fazem com a série FIFA ou PES. Para fazer um trabalho incompleto, era melhor deixar legendas com as vozes originais.

Ou seja, tirando essa parte de localização, tudo isso é muito curioso: o game acerta em vários pontos, mas fica devendo justamente no PLUS A MAIS que tentou trazer para atrair aqueles que não comprariam o F1 2017. Teria sido melhor ficar no arroz com feijão – ou gastar um tempinho a mais no desenvolvimento destas novidades.

Quem sabe eles acertam mais no F1 2018, né? Aliás, fica desde já a minha dica para a próxima edição: ao invés de trazer modelos clássicos de anos aleatórios, por que não adaptar uma temporada INTEIRA, como 1988 ou 1972? Mesmo que fossem com os circuitos de hoje, apenas com carros, pilotos e, principalmente, FÍSICA e ACERTOS como os da época. Seria incrível.

Fica a dica, Codemasters. ;)