O fake stream se tornou um enorme problema para a indústria fonográfica | JUDAO.com.br

Todo sistema de sucesso inevitavelmente vai gerar um aproveitador…

Você já deve ter percebido isso (ou pelo menos esperamos que sim), mas os bots invadiram a internet há algum tempo. Esses programas que simulam ações humanas dominaram praticamente todas as redes sociais e, hoje em dia, não é difícil encontrar serviços – pagos ou não – que oferecem seguidores e interações que repetem padrões, assim como um robô faria.

Agora, os bots invadiram serviços de streaming musicais e estão fazendo um estrago considerável na indústria. Segundo a revista Rolling Stone, o fundador da gravadora Hopeless Records, Louis Posen, notou saltos bastante incomuns nos números de streaming da sua empresa. Fazendo uma investigação bastante simples, ele percebeu que determinada música com tráfego de 3.000 por dia nas plataformas pulou para astronômicos 35.000 fluxos por dia durante três dias consecutivos. “Quando olhamos de onde vieram esses fluxos, 100% deles vieram de seis listas de reprodução do Spotify”, afirmou Posen. “Não poderia ser mais suspeito: as playlists foram criadas recentemente; eles ganham um monte de seguidores em uma semana; eles nunca ganharam outro seguidores deste então; e todas as reproduções aconteceram em um período de três dias”, completou.

Sem nomear suas fontes, Posen afirma que “de três a quatro por cento dos fluxos globais são fluxos ilegítimos”, tornando essa manipulação um imenso problema para os selos independentes. “Isso é cerca de U$ 300 milhões em receita potencial perdida, movida de fluxos legítimos para fluxos ilegítimos e ilegais”, afirmou o diretor da gravadora – segundo a própria publicação, essa porcentagem não pôde ser comprovada de forma independente pela revista.

Durante um painel de discussão sobre o assunto na Indie Week – uma conferência de quatro dias em Nova York, focada em discutir problemas enfrentados pela comunidade musical independente -, Posen reafirmou esses números numa conversa com Angel Gambino, diretor comercial do Napster; Bruce Houghton, diretor do site de notícias musicais Hypebot; e Markus Tobiassen, um jornalista do jornal norueguês Dagens Næringsliv que investigou uma alegada manipulação no TIDAL.

“No streaming, há um pote infinito de [receita]”, disse Houghton. “Se tudo isso for para uma fonte ilegítima, vira um problema para [a comunidade independente]”, completou.

Apesar de Gambino afirmar que “qualquer coisa que não seja fãs ouvindo músicas que amam” pode ser considerado manipulação de streaming, determinados casos podem ser classificados em classes diferentes. Para Tobiassen, existe uma delas que é a versão streaming do chamado pay-for-play, em um cenário onde os próprios artistas ou suas equipes de marketing pagam para entrar em listas de reprodução na esperança de impulsionar fluxos, exatamente como alguém que compra seguidores no Instagram. Segundo uma fonte anônima que trabalha com distribuição digital e conversou com a revista, são oferecidos ouvintes mensais e esses artistas pagam para ter acesso a isso.

Mas existem formas de manipulação mais sofisticadas, que envolvem efetivamente fraudar os serviços de streaming com bots que geram fluxos que não podem vir de usuários reais, como os robôs que levam hashtags específicas nas redes sociais, por exemplo. Além disso, Posen afirma que a tecnologia está avançada o suficiente para pessoas serem capazes de invadir contas legítimas e disfarçar fluxos falsos como reais. Desta forma, determinadas canções podem crescer consideravelmente em determinados territórios e entrar em listas das canções mais ouvidas por regiões.

Outra forma de manipulação que se tornou bastante conhecida é o roubo de identidade de determinados artistas. Em 2019, Rihanna, Beyoncé e SZA sofreram com vazamentos de materiais reais, falsos ou inacabados – cujas fontes ainda não foram determinadas – em serviços de streaming. No caso das duas últimas artistas, um usuário fez upload dos álbuns por meio de um serviço de distribuição que oferece músicas independentes para o Spotify e a Apple Music. O tal álbum vazado de Rihanna intitulado Angel até chegou a estrear na parada de sucesso mundial do iTunes na posição 67.

Entre todas as manipulações, essa última pode ser a mais fácil de solucionar. Recentemente, as plataformas de distribuição CD Baby, Orchard e Distrokid fizeram uma parceria com a Audible Magic, que se intitula “líder em identificação automatizada de conteúdo de áudio e visual”, para assegurar que as músicas que eles entregam aos serviços de streaming sejam autênticas.

Esse tal “impulso mágico” pode fazer diferença na divulgação de uma música ou até mesmo na permanência de um artista sob os holofotes da mídia. Todos esses abusos das plataformas acabam tirando fluxos reais de artistas que não estão pagam ou estão sendo beneficiados por esse “modelo de negócio”. Inflacionando determinados álbuns e impulsionando canções, os outros artistas acabam perdendo um espaço precioso no ouvido dos usuários.

Em uma ação para tentar solucionar o problema, diversas gravadoras, publicistas, organizações que cuidam de royalties e outros grupos da indústria assinaram um código de conduta condenando esses fluxos falsos, prometendo trabalhar para erradicá-los o mais rápido possível. Esse é o primeiro acordo coletivo do setor sobre o tema. O documento define a manipulação de streaming como a criação artificial por contas automatizadas que não representam plays legítimos.

Além disso, o acordo também pede que todos ajudem a detectar, evitar e reduzir a manipulação. Os signatários incluem as três grandes gravadoras Sony, Warner e Universal, bem como os serviços de streaming Amazon, Deezer e Spotify, além de grupos musicais que representam o mercado, como a Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI).

Diferente da manipulação no Instagram, que pode facilmente ser vista em uma comparação simples entre números de seguidores e a interação real, esse “fake stream” pode não ser tão fácil de detectar. No caso de Posen, ele precisou analisar um exemplo específico para chegar nesses números, fazendo um trabalhando bastante manual.

Sem um processo mais rápido e menos orgânico, o avanço das manipulações será muito mais avançado do que as soluções para esses abusos. O jeito é esperar para ver se a tecnologia que tanto prejudica os artistas poderá ajudá-los nesse problema.