Do expressionismo alemão, passando pelo gótico inglês e pelas bagaceiras italianas, até chegar ao banho de sangue francês e aos demônios turcos, a Europa é o que há no cinema de terror!
Fato: a Europa é o berço do horror.
Porque, vamos lá, eis o que nasceu no Velho Continente: o primeiro registro de um vilarejo mal-assombrado, descrito em uma carta escrita por Plínio, o Jovem, na Grécia Antiga; os sombrios contos de fada dos Irmãos Grimm; o livro O Castelo de Otranto, seminal romance gótico escrito por Horace Walpole; a lenda da Besta de Gévaudan, que deu origem ao mito do lobisomem; o empalador Vlad Tepes, de Bram Stoker; a criatura de Frankenstein de Mary Shelley; e A Mansão do Diabo, de Georges Méliès, considerado o primeiro filme de terror da história.
Tudo bem que foi com a máquina de Hollywood, depois da Universal investir pesado em seus monstros na década de 30, que o gênero se popularizou, ganhou força e alcançou o mundo, mas o horror europeu sempre nos brindou com alguns dos mais importantes e legendários filmes de terror e seus magistrais diretores (tão aí Hitchcock, Polanski, Bava, Argento, Fulci e Soavi que não me deixam mentir) assim como ciclos e subgêneros que estão profundamente enraizados dentro da própria cultura popular.
E olha que no terror europeu é tipo a Lei de Gil: vale tudo! Do cinema mudo ao cult, o tal filme de arte, passando pelo requinte gótico, pela ultraviolência, o banho de sangue sem pudor, sexualidade à flor da pele e com direito até a umas picaretices e trasheiras italianas de doer no estômago.
Pois bem, naquele serviço de utilidade pública que a gente ama de paixão fazer por aqui, elencamos alguns desses movimentos cinematográficos vindos da OROPA, assim como os filmes que você PRECISA assistir para aquela sua próxima conversa cinéfila de mesa de bar.
Segundo escreveu Pedro Monteiro, autor de O expressionismo recriando conceitos e valores, o expressionismo nascido na Alemanha no final do século XIX é maior que a ideia de um movimento de arte e, antes de tudo, uma negação ao mundo burguês. “Seu surgimento contribuiu para refletir posições contrárias ao racionalismo moderno e ao trabalho mecânico, através de obras que combatiam a razão com a fantasia. (...) Os artistas alemães do início do século fizeram a arte ultrapassar os limites da realidade, tornando-se expressão pura da subjetividade psicológica e emocional”. Foi exatamente esse escapismo, refletindo o espírito sócio-político e cultural do entre guerras, misturado com o aprimoramento de técnicas cinematográficas (distorção de cenários e personagens, uso da maquiagem, recursos de fotografia e jogo de luz e sombra), que permitiu a gênese do cinema de terror, tendo em O Gabinete do Dr. Caligari, de Robert Wiene, lançado em 1920, aquela que é considerada a pedra angular dos filmes de terror.
Qual é o filme?
Nosferatu – Uma Sinfonia do Horror (1922)
Por que assistir?
Porque, até hoje, é a adaptação definitiva de Drácula de Bram Stoker (lide com isso, Coppola). O VISIONÁRIO DIRETOR Friedrich Wilhelm Murnau queria levar o livro do irlandês para as telas, mas não possuía os direitos autorais; por isso, alterou o nome dos personagens (Drácula virou o Conde Orlock, criatura repulsiva interpretada de forma magistral por Max Schreck) e locações, nos brindando com uma aula de como fazer cinema e um dos filmes mais aterrorizantes – e influentes – já feitos. Mesmo assim, os herdeiros do escritor processaram a produção e a Justiça ordenou a destruição das cópias. A sorte é que muitas já haviam sido distribuídas e puderam ver a, hã, luz do sol, após a morte da viúva Stoker. Já pensou o risco que corremos de perder em definitivo uma das maiores obras primas do expressionismo e da sétima arte?
Foi no ano de 1934 que a icônica produtora britânica, Hammer Films Production, foi fundada por William Hinds. Porém, apenas duas décadas depois ela começou a investir no horror, mais precisamente em 1955, quando Val Guest dirigiu Terror que Mata, adaptação cinematográfica da série de ficção científica da BBC The Quatermass Experiment, criada por Nigel Kneale. Passaram-se dois anos até que a companhia inglesa resolvesse reinventar os monstros clássicos da Universal, dando origem a uma longa tradição de duas décadas de filmes góticos com vampiros, lobisomens, múmias, cientistas loucos e toda sorte de criaturas mitológicas, além de brindar o mundo com a presença de dois dos maiores e mais classudos atores de todos os tempos: Peter Cushing e Christopher Lee.
Qual é o filme?
A Maldição de Frankenstein (1957)
Por que assistir?
Além de inaugurar as produções da Hammer baseadas nas histórias clássicas da Universal, foi o primeiro filme do estúdio feito em cores, e essa cor era o vermelho sangue em Technicolor! Trazia para as telas um tipo de horror explícito nunca visto até então — e, claro, o longa de Terrence Fisher foi a primeira dobradinha nas telas de Cushing, que interpreta o Barão Frankenstein (retornando ao papel por cinco vezes nos 15 anos seguintes) com Lee, que dava vida à criatura (em um excelente trabalho de maquiagem de Phillip Leakey e Roy Ashton, desvencilhando completamente a identidade visual do monstro eternizada por Boris Karloff, que por sinal, era protegida por direitos autorais). O mesmo Lee, aliás, que mais tarde, dentro da própria Hammer, daria vida a um das mais emblemáticas representações do Conde Drácula na telas.
Mas não eram só os súditos da Rainha que apostavam pesado no horror gótico. A Terra da Bota também teve um período muito fértil de filmes que traziam todo aquele aparato narrativo composto por vilarejos antigos, castelos, carruagens, névoa, cruzes, cemitérios e presenças sobrenaturais. E como a máxima costuma dizer, “italians do it better”, foi por lá, nesse período, que surgiu um dos mais importantes diretores, o Maestro do Macabro, Mario Bava, que simplesmente influenciou esteticamente quase tudo que foi produzido no gênero depois, tanto na Itália quanto no resto do mundo.
Qual é o filme?
A Máscara de Satã / A Maldição do Demônio (1960)
Por que assistir?
Primeiro porque é uma obra prima em forma de cinema. Segundo porque foi o filme que deu origem ao cinema italiano moderno, e não estou falando só de terror, não. Se você é daqueles caras que enche a boca pra falar o quanto gosta de Fellini, Antonioni, Pasolini e Visconti, agradeça a Mario Bava, que ao adaptar o conto do escritor russo Nikolai Gogol, mostrando uma bruxa do Século XVII trazida de volta à vida para executar sua vingança, já mostrava toda sua genialidade como um mestre da luz, composição e movimento de câmera. Tudo descaralhadamente superior ao que era feito no horror gótico vindo da Inglaterra e EUA até então — e olha que estamos falando de um filme monocromático! E, claro, a película tem a beleza exótica de Barbara Steele no elenco, que se tornaria uma memorável Scream Queen.
Engana-se quem pensa que a Europa é só produtora de filmes de arte, objeto de culto, para se assistir naquelas sessões charmosas, ladeado por intelectuais e depois tomar um belo vinho chardonnay e discutir as questões filosóficas da obra. O Velho Continente também é um verdadeiro celeiro trash, principalmente se levarmos em consideração as produções que rolaram durante os anos 60 até 80, graças a nomes como o do espanhol Jesús Franco (pai do movimento, responsável por O Terrível Dr. Orloff, de 1962) e do francês Jean Rollin, que não tinham o menor descaramento de dirigir um sem número de filmes DIY por ano – alternando entre o terror barato e a pornografia, para poder pagar as contas – com orçamentos que eram verdadeiras MIXÓRDIAS, roteiros esdrúxulos, atuações bisonhas, figurino e cenários paupérrimos e muita nudez e violência para compensar.
Qual é o filme?
Vampiros Lesbos (1970)
Por que assistir?
É a obra mais cultuada do papa do Eurotrash, Jess Franco, que trabalha de forma escancarada em sua genialidade subversiva, o lesbianismo intrinsecamente ligado ao vampirismo, bola que Sheridan Le Fanu já tinha levantado em seu clássico livro, Carmilla, lá no século XIX, e que depois fora transportada para o cinema em diversas produções. Mas nunca com a dose cavalar de erotismo vista aqui! O espanhol pega o texto de Bram Stoker, O Convidado de Drácula, de forma não creditada, e traveste a história para um onírico soft porn com vampiros, estrelado pela belíssima Soledad Miranda – atriz fetiche do diretor – que mesmo forçando os temas tabus e teorias freudianas sobre a natureza sexual humana, pega mesmo é pelas atuações qualquer nota, roteiro sem pé nem cabeça e uma direção esquizofrênica e quase amadora de Franco – repleta de seus exageros em close ups, uma de suas marcas registradas.
Vem da palavra italiana para “amarelo”, termo derivado da cor das capas de famosos livros pulp baratos de bolso que publicavam tramas de mistério e violência. A receita de bolo do gialli era: um matador misterioso usando luvas pretas de couro que assassina mulheres violentamente e precisa ser descoberto ao melhor estilo whodunit da literatura de Edgar Wallace. O pontapé inicial foi dado por ele, Mario Bava, e depois elevado à enésima potência por Dario Argento seguido de perto por uma dezena de cineastas como Sergio Martino, Antonio Margheriti e Massimo Dallamano.
Qual é o filme?
Prelúdio Para Matar (1975)
Por que assistir?
Se pudermos falar de forma grosseira que Dario Argento é o Hitchcock italiano, Prelúdio Para Matar é seu Psicose. O thriller ultraviolento repleto de sadismo é a quintessência do giallo, um clássico com uma história que envolve toda a narrativa básica comum nesse tipo de filme, com requintes de crueldade extrema e perversão sexual, tudo captado pelas lentes do diretor em um verdadeiro desbunde técnico, amparado por um misé-en-scéne impecável e trilha sonora desconcertante do Goblin, transformando a violência estilizada em algo sublime. Foi para fazer escola.
Foi em 1972 que o cineasta Umberto Lenzi, ao dirigir Mundo Canibal, deu o pontapé inicial ao infame ciclo italiano canibal, que predominou em parte da produção made in Italy entre os anos 70 e 80. De cada dez filmes do subgênero, onze traziam a mesma história envolvendo canibalismo praticado por tribos perdidas de nativos nas inóspitas selvas tropicais da América do Sul e da Ásia, e as mais brutais formas de violência gráfica, nudez à rodo e todo tipo de DESCALABRO, incluindo aí crueldade animal genuína. Para você ter ideia, até a Emanuelle (!!!) teve suas aventuras sexuais dentro do ciclo, em uma porcaria dirigida pelo picareta Joe D’Amato.
Qual é o filme?
Cannibal Holocaust (1980)
Por que assistir?
O suprassumo de Ruggero Deodato se autodenomina “o filme mais controverso já feito”. Pense em uma produção que resolve colocar todos os elementos possíveis para descompassar o espectador em uma única película: sanguinolência, empalamento, canibalismo, aborto, crueldade real com animais, desmembramento, nudismo frontal… A coisa foi tão feia na época de seu lançamento que, dez dias depois, todos os rolos foram apreendidos porque a obra foi confundida com um snuff movie e Deodato acabou preso, saindo do xilindró só depois que apresentou os atores vivinhos da silva no tribunal e jurou de pé junto que não matou ninguém. Além disso, o filme ainda foi o precursor do tal do found footage e tem uma baita crítica social velada, fazendo você se perguntar quem são os verdadeiros canibais…
O splatter, largamente inspirado pelo teatro Grand Guignol, tem seu foco num horror repleto de violência gráfica, gore em abundância, destruição física do corpo e a dor que esse processo acompanha, com ênfase nos efeitos especiais e maquiagem, trazendo o NIILISMO exacerbado e a boa e velha desconstrução da ordem moral. O subgênero nasceu com Despertar dos Mortos do saudoso Geogre A. Romero em 1978, mas foi mesmo na Itália conservadora, tradicional e católica, muito graças ao excomungado Lucio Fulci, que ele atingiu novos patamares de grosseria cinematográfica, aumentando ainda mais a abundância de sangue, vísceras e tripas, criando um ciclo de produções que deixaria o Papa ultrajado lá no Vaticano.
Qual é o filme?
Zumbi 2 – A Volta dos Mortos (1972)
Por que assistir?
Com o enorme sucesso que Despertar dos Mortos fez na Europa, o cinema italiano, como de praxe, resolveu produzir a sua versão, e aí que entra em cena o diretor Lucio Fulci, que transformou Zumbi 2 – A Volta dos Mortos na sequência não oficial do clássico de Romero, com direito a um verdadeiro banho de sangue e nojeira que supera o original nesses quesitos. Longas cenas grotescas e sanguinárias, mortes escatológicas, olhos perfurados (o fetiche de Fulci), membros devorados, cérebros tomando pauladas, antropofagia extrema e zumbis pútridos e sujos de terra e barro, méritos do maquiador Giannetto De Rossi, fazem essa produção ser o ápice do splatter italiano, além de seu pontapé inicial.
O termo foi cunhado pelo crítico James Quandt para a safra de filmes transgressores oriundos do novo país residência do Neymar, que surgiram no final dos anos 90 até o final da década de 2000 e juntos criaram um dos mais efervescentes e prolíficos movimentos do cinema de horror desse novo século. Espere encontrar um crossover entre violência selvagem, decadência sexual, perturbações psicológicas e sociais e controvérsias políticas, que têm em suas raízes o body horror e o exploitation, criando, por incrível que pareça, um mix entre o artsy e o terror. Foi dái que surgiram nomes como Alexandre Aja, Grégory Levasseur, Xavier Gens, a dupla Alexandre Bustillo e Julien Maury (toda uma galera já fisgada por Hollywood, que não é boba nem nada), e vale também para catalogar produções de língua francesa de outros países, como o canadense Martyrs de Pascal Laugier (dos melhores filmes da década passada) e o belga Calvaire, de Fabrice Du Welz.
Qual é o filme?
Alta Tensão (2003)
Por que assistir?
Se hoje em dia Alexandre Aja é figurinha carimbada no cinema de terror de Hollywood, conhecido por seus filmes extremamente brutais e gráficos, gastando litros e litros de sangue para cobrir tanto suas vítimas quanto protagonistas, dá pra dizer que o new french extremity ganhou seu status e principalmente a distribuição internacional por culpa de Alta Tensão, que revelou ao mundo esse apreço ao gore e à violência gráfica desmedida do diretor francês e de seu fiel escudeiro, Grégory Levasseur, inspirado claramente no cinema de terror dos anos 70. Fora que as cenas de, hã, alta tensão, são de dar gastrite nervosa, além do plot twist completamente demente em seu final.
Até meados dos anos 2000, filmes de terror na Turquia eram algo bem raro. Agora, a Terra da Capadócia é a bola da vez do cinema do horror europeu nesta última década. Inspirado principalmente por um sem número de demônios e bestas terríveis vindas da mitologia turca, numa mistura doida de influências do Oriente Médio com a Ásia Central, geralmente retratam um aspecto cultural local, uma vez que as criaturas exportadas do ocidente, tipo vampiros, zumbis e lobisomens, nunca fizeram efetivo sucesso por aquelas bandas. A tresloucada série D@bbe, surgida em 2006, e que já virou uma franquia digna da quantidade de sequências dos filmes slasher (já foram lançadas mais cinco continuações, e contando...) é a prova cabal disso.
Qual é o filme?
Baskin (2015)
Por que assistir?
O perturbador filme de Can Evrenol, baseado em seu curta homônimo de 2013 e feito na cara e na coragem é um surreal pesadelo de uma pesadíssima viagem ao inferno, repleta de elementos à la Clive Barker, trazendo sangue, tortura e sadismo aos borbotões, que foi a virada da chave que o terror turco estava precisando. Foi aclamado em festivais, arrancou elogios de gente como Eli Roth e teve uma excelente recepção internacional, além de um considerado alto nível de produção, mesmo com seus parcos 350 mil dólares de orçamento, suprindo uma deficiência técnica e de expertise que assolava as produções do gênero por lá, nos dando boas expectativas para um futuro promissor.