Ator inglês, que morreu aos 89 anos, fez muito mais pelo mundo do que ser apenas James Bond
Fade in. Paisagem do sul da África, mais exatamente da Zâmbia. Crianças passam fome. O país vive uma enorme crise, com uma boa parte da população adulta infectada pelo HIV. Eis então que surge, no horizonte, Roger Moore. Mas ele não está interpretando James Bond. Isto não é um filme. Isto é vida real.
“A situação aqui é horrenda. Eu já vi fome antes, nas minhas viagens com a UNICEF, mas nunca desse jeito. Nunca fome sem esperança”, disse o ator logo após voltar daquela viagem, em novembro de 2002.
Moore havia se tornado Embaixador da Boa Vontade da UNICEF, a Fundação das Nações Unidas para a Infância, em 1991 após um convite da amiga Audrey Hepburn. A partir dali, o inglês trocou um pouco do glamour em Mônaco, onde morava, pela oportunidade de usar o rosto reconhecido por um dos maiores personagens do cinema mundial – ele é o recordista de filmes do 007 até hoje, com sete – para fazer algo por um mundo melhor e chamando a atenção para causas sociais.
Com este trabalho, Moore passou por países como México, Gana, Indonésia, Filipinas, El Salvador, Honduras, Guatemala e até o Brasil. Mas, de alguma forma, nenhuma dessas missões impressionou o ex-agente secreto da ficção como aquela de 2002, na Zâmbia.
“Essa emergência é diferente das secas e crises que aconteceram antes”, disse ele na época. “No passado, sempre tinha um adulto próximo fazendo o trabalho – seja plantando sementes ou arando os campos. Agora, com um em cada quatro adultos na região soropositivos, muitas pessoas estão doentes para trabalhar, ou morreram. E suas crianças, algumas jovens com oito ou nove anos, ficaram sozinhas. É nisso que a UNICEF está focando o seu trabalho”.
Como reflexo disso, a fome também se agravava no país. “Eu visitei vilas periféricas onde as pessoas andam quilômetros para conseguir comida. Eles saem por aí procurando frutas, nozes e até raízes. É horrível ver crianças órfãs que não viram comida por 36 horas. [...] Tudo que eles sentem é fome”.
A crise na Zâmbia não passou até hoje. Mas também podemos dizer que uma pequena luz começa a aparecer no fim do túnel. Se no começo do século cerca de 25% da população adulta tinha HIV, hoje esse número caiu para 12% — ainda é grave, mas demonstra um declínio na epidemia. Já a mortalidade infantil das crianças com menos de cinco anos vem diminuindo – era de 123 mortes para cada 1000 nascimentos em 2004, hoje está em 74. No Brasil, apenas para comparação, essa proporção é de 16 pra 1000.
Obviamente, essa melhora não se deve apenas à visita de Roger Moore e ainda há um longo caminho pela frente. Mas, diferentemente do cinema, ninguém resolve tudo sozinho no mundo real. E Roger Moore estava lá para usar a imagem dele como uma pequena contribuição.
Rooger Moore descobriu um câncer de próstata em 1993. Em 2013, foi diagnosticado com diabetes tipo 2. Ainda assim, nunca abandonou a vida pública e seu trabalho como Embaixador. No começo de 2017 ele pressionou a Primeira Ministra Thereza May para uma nova lei sobre o uso de animais no “entretenimento”, como em circos e, mais recentemente, May convidou o ator para apresentá-la em um evento de campanha nas eleições deste ano no Reino Unido, ouvindo um não como resposta. Pelo que se diz nos bastidores, Moore acreditava que o trabalho na UNICEF o impedia de se envolver com políticos.
Infelizmente, uma trajetória que terminou nesta terça-feira, 23 de Maio de 2017. O câncer finalmente venceu o ator, que tinha 89 anos.
“Sabemos que o nosso amor e admiração serão ampliados muitas vezes, em todo o mundo, por pessoas que o conheciam por seus filmes, seus programas de televisão e seu trabalho apaixonado pela UNICEF, que ele considerava a sua maior conquista”, seus filhos, Deborah, Geoffrey e Christian, disseram em comunicado.
Roger Moore será sempre James Bond, um papel que ele viveu por 13 anos. Ou, talvez, alguns lembrem dele pelas séries Maverick e O Santo. Mas foi no papel de Embaixador da Boa Vontade, que durou mais de 25 anos, que ele deixou a sua marca mais duradoura no mundo.
Obrigado, Roger.