Desde que Dinap e a Chinaglia foram fundidas sob o guarda-chuva da Abril, uma série de novas dificuldades surgiram no mercado editorial brasileiro – e isso inclui, claro, as editoras de histórias em quadrinhos, que estão tendo um caminho mais difícil, quase impossível, pra chegar nas bancas
Distribuição sempre foi um assunto polêmico – e caro – no Brasil, ao menos quando falamos das vendas em banca. Afinal, estamos falando de um País enorme, com muitas estradas precárias, principalmente fora dos grandes centros. Não é fácil mandar revistas do OIAPOQUE AO CHUÍ™.
E se o trampo é difícil pra, sei lá, a TODATEEN, imagina pras editoras que publicam histórias em quadrinhos, com revistas em banca com tiragens infinitamente menores e que acabam tendo pouca ou nenhuma influência junto à quem distribui? Não é fácil. E é ainda pior quando a gente lê a reportagem do Diário de S.Paulo do dia 09 de Março, que afirma que a ÚNICA distribuidora do PAÍS tá procurando editoras menores e oferecendo um esquema abusivo.
Oficialmente, nenhuma editora quis falar com o jornal – justamente por medo de retaliações de uma empresa que tem o monopólio da distribuição nas bancas. Ainda assim, fontes dessas editoras chegaram a avisar que a distribuidora estaria querendo repassar pagamentos QUATRO MESES depois das vendas realizadas. Não há, convenhamos, negócio que funcione fazendo um trabalho pra receber tanto tempo depois. Inviabiliza tudo.
O JUDÃO procurou as principais editoras do mercado nacional de quadrinhos que atuam nas bancas, pra tentar entender se houve mudanças nos pagamentos feitos pela DGB (a distribuidora) e se a concentração de mercado afeta de alguma forma as nossas revistas em quadrinhos. Mythos, Panini, NewPop, JBC e HQM não quiseram se pronunciar oficialmente. Até um “não sei do que vocês estão falando” nós recebemos.
Até alguns anos atrás era possível escolher qual empresa seria responsável pela distribuição da sua revista: Dinap, do Grupo Abril, ou a Chinaglia. ERA. Desde 2009, as empresas são uma só, um braço do Grupo Abril (que, lembre-se, também edita revistas).
A Abril comprou a Chinaglia e, em 2007, orquestrou a fusão das duas empresas de distribuição que existiam na época. Nascia a DGB Logística S.A., que passou a ser a única a prestar o serviço no Brasil. Monopólio? Não de acordo com o CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), num documento disponibilizado pelo Jornal GGN.
De acordo com o relatório, as editoras Carta Editorial, Escala, Globo, Panini e Três discordaram da fusão, já que a nova empresa teria nas mãos 100% da distribuição para as bancas de todo o Brasil – sem falar que a Abril concentraria mais de 50% do mercado de edição de revistas. Outra bola levantada pelas editoras é que a distribuidora única poderia cobrar preços que não seriam competitivos AND ter uma “prática discriminatória” na distribuição dos títulos.
Após uma longa análise e colocar algumas condições – além de alegar a entrada de uma terceira distribuidora, a pequena Dibra, que distribui as revistas da dona, a Editora Escala – o CADE concordou com a fusão das empresas, em agosto de 2009.Se pras editoras grandes já há o medo de retaliação, imagina as de quadrinhos?
Ainda assim, uma fonte do mercado de HQs, que preferiu não se identificar, nos contou que novos acordos estão REALMENTE sendo propostos pras editoras. “Houve sim alteração no prazo de pagamento (que não foi tão grande quanto citado na matéria do Diário) e, ao invés de pagar o total, ainda querem parcelar o acerto. As coisas estão bem complicadas. Não apenas eu, mas outros colegas de editoras estão pensando como fazer, se é melhor abandonar as bancas, ou achar formas melhores de atuar no mercado. As contas não batem”.
Outra fonte relata que não foi abordado recentemente sobre um novo acordo, mas afirma que houve mudanças há cerca de um ano. Anteriormente, os pagamentos eram feitos cinco dias após a revista ser recolhida das bancas (que acontece normalmente 30 dias após o lançamento), mas agora o prazo passou para 15 dias. O problema não acaba aí. “Hoje, mais de 56% do preço de capa fica com eles. Duvido que os donos de banca fiquem com mais de 26%”, afirma. No passado, a distribuidora ficava com por volta de 53% do valor de venda. “E não é só isso: se a venda gera menos de R$3.500 de pagamento para eles, precisa pagar uma ‘multa’ pra inteirar esse valor”. Antes da fusão, a prática da “multa” já era comum na Chinaglia, com a Dinap apenas ficando com uma porcentagem das vendas.
Tentamos falar com a DGP pra saber o posicionamento deles sobre tudo isso, mas não tivemos retorno até o fechamento dessa matéria – se eles fizerem isso, atualizamos o texto. De qualquer forma, com essa movimentação nos bastidores, o CADE já determinou uma nova medida cautelar ao Grupo Abril, proibindo mudanças no padrão de negócios até que tudo seja explicado ao órgão. Vai dar em alguma coisa? Vamos ver. Mas, independente das mudanças, o dia a dia não tá fácil pra quem trabalha com as bancas, seja ele o editor ou o coitado do jornaleiro...
Digamos que essas mudanças na distribuição para as bancas não sejam um ato isolado. O mercado editorial não passa por um bom momento, muito por conta da mudança do comportamento das pessoas, da queda do número de bancas e, claro, do fato das editoras não terem entendido o que é a internet e como reagir a ela.
Nos últimos anos, a Abril cancelou diversas revistas e demitiu funcionários – a última cartada do tipo foi transferir 10 títulos para a Editora Caras, também do grupo, e o cancelamento da versão impressa da Info. Com menos gente, agora em janeiro a editora entregou diversos andares do prédio que ocupa na Marginal Pinheiros, em São Paulo, que sempre foi um marco para a empresa.
Isso sem falar, fora do mundo editorial, do fim da antiga MTV Brasil e o rolo que está sendo a venda do sinal aberto de TV e da antiga sede.
A questão é que se o mau momento do mercado editorial agride a Abril, a reação dela agride o mercado como um todo – formando um circulo vicioso. Se fica cada vez menos viável ter uma revista na banca, mais títulos das outras editoras vão sendo fechados. Com menos opção, menos gente vai até elas. Com o mercado fragilizado, a Abril vai se ver obrigada a fazer mais cortes...
Também não está fácil para os jornaleiros. Além de receberem menos do que você imagina por venda, eles estão sofrendo pressão também pela mudança do comportamento das pessoas, pelo avanço imobiliário (que tem feito muitas bancas fecharem ou mudarem de endereço), a falta de segurança, legislação ultrapassada, concorrência com livrarias, pressão das Prefeituras, etc., etc. e etc.
Em 2012, o Meio&Mensagem avisava que São Paulo perdia uma banca a cada dia útil. Entre 2007 e aquele ano, a cidade foi de 5 mil pra 3,9 mil bancas. É a última pesquisa do gênero que se tem notícia, mas hoje a situação deve ser pior – apesar de, recentemente, a Prefeitura ter liberado oficialmente a venda de outros produtos nesses pontos.
A luz no fim do túnel fica cada vez mais longe...
Quando algo tá difícil, bora procurar alternativas. Só que pra infelicidade das editoras de quadrinhos, elas também não são lá muito boas...
As vendas de HQs em livrarias cresceu muito nos últimos anos, conquistando um bom espaço nas principais redes. O que atrapalha, nesse caso, é que as tiragens são ainda menores que nas bancas, o que muitas vezes resulta em preços mais altos pro leitor (você aprendeu isso na escola). Sem falar que as livrarias vendem no consignado. Ou seja: se alguém compra, repartem a grana. Se não compram, prejuízo de quem publica.
São raros os casos dos pontos de venda que realmente compram as revistas e encadernados, pra manter um estoque e assumindo o risco. Esse é o caso da Comix, famosa comic shop de São Paulo.
Uma alternativa, talvez, seja seguir o modelo americano. Lá também há um monopólio da distribuição, da Diamond. Porém, depois de diversas brigas (principalmente nos anos 90), as editoras possuem um pouco mais de liberdade. Diferentemente daqui, que temos as revistas sendo recolhidas após o período de venda e com a editora assumindo o prejuízo (e ficando com o chamado encalhe), lá o dono da comic shop efetivamente compra o gibi e assume esse risco. Se por um lado os pedidos dos lojistas são mais comedidos, há todo um fluxo de solicitações, reservas e distribuição que ajudam no processo. O cara sabe o que compra antes de ter que revender. Sem falar que as editoras podem, quando apostam muito em um lançamento, oferecer descontos e incentivos pra loja.
O problema nisso tudo é que as editoras de HQs dos EUA abandonaram completamente as bancas, isso desde os anos 1980. Aliás, diria que o mercado de lá como um todo abandonou a banca, ao menos da forma que vemos aqui no Brasil. Você compra jornais como compra refrigerante (ou guarda-chuvas, se estiver Hong Kong) e revistas ficam em supermercados e livrarias.
Como comic shops não são tão comuns nos EUA quanto você pensa, isso acaba limitando bastante a atração de novos leitores. Ter tantas bancas, ainda que fragilizadas, poderia ser um grande trunfo das editoras brasileiras na formação de novos fãs. Só que com taxas tão altas para as editoras... ¯\_(ツ)_/¯
E isso tudo é quando falamos da venda física, claro. HQs digitais podem – e devem! – ser a solução. Sem questões de distribuição, sem monopólios, sem custos de impressão, sem ficar pagando multa... Pena que, no Brasil, esbarramos no alto custo pra ter um tablet e no atraso das editoras. Iniciativas independentes do tipo apenas surgiram mais recentemente e, só agora em março, a Mauricio de Sousa Produções lançou o seu primeiro app do tipo.
Mais do que ter medo, as editoras precisam agora se unir, pressionar e lançar alternativas. Só assim o nosso mercado de HQs no Brasil vai pra frente.