Morto em 2014, o artista suíço foi o responsável pelo visual dos xenomorfos de Alien – e também por um legado de imagens icônicas e perturbadoras no cinema, na música, na decoração e até em galerias de arte
“Eu só fiquei satisfeito com Alien“, foi a resposta do artista plástico suíço H.R. Giger, quando questionado pela Vice sobre como tinham sido suas outras experiências com o cinema em Hollywood.
“Quanto às outras coisas, nunca fiquei muito feliz com elas”. Algumas destas “coisas” foram um layout jamais usado do batmóvel para Batman Forever (1995), o visual das criaturas no filme japonês Tokyo: The Last Megalopolis (1988) e alguns estudos de design para Poltergeist II (1986). Ah, sim, e não podemos esquecer dos lendários conceitos que ele fez para a nunca produzida versão de Alejandro Jodorowsky para o clássico Duna, com liberdade total para criar o visual do lugar. “Meu planeta era regido pelo mal, um lugar onde se praticava magia negra, as agressões comiam soltas e a falta de controle e as perversões estavam na ordem do dia”, contou ele para o DuneInfo.com. “Do jeito que eu gosto”.
Muito antes de Alien, Giger bebeu na fonte de escritores como Samuel Beckett, HP Lovecraft e Edgar Wallace, além de seus próprios medos infantis e pesadelos sobre a Segunda Guerra Mundial, para desenvolver seu estilo único, uma conexão entre corpos humanos e máquinas de uma maneira ao mesmo tempo fria e assustadora. Fã do escultor Stanislas Szukalski e Salvador Dalí, embora tenha experimentado pintura à óleo, fez fama de fato usando o aerógrafo para dar profundidade e mais camadas de contraste a uma obra basicamente monocromática.
Seus trabalhos começaram a ganhar corpo em 1969, quando H.H. Kunz, dono de uma loja de pôsteres, lhe deu uma chance e acabou imprimindo versões de alguns de seus trabalhos, sensuais, macabros e com um quê de cyberpunk. Já Necronomicon, seu primeiro compêndio de imagens, saiu em 1977, devidamente batizado como o GRIMÓRIO maldito da obra de Lovecraft. E foi justamente um exemplar desta parada que caiu nas mãos de Ridley Scott, que estava trabalhando em seu primeiro Alien, foi amor à primeira-vista, em especial pela pintura Necronom IV, e logo o cineasta convocaria Giger para desenvolver as artes conceituais do filme.
O produtor, Gordon Carroll, achava o trampo de Giger muito “doente”, mas Scott bateu o pé e, anos mais tarde, mesmo tendo certo receio de conhecer Giger pessoalmente (já que o artista morria de medo de andar de avião), admitiu: “A decisão de tê-lo no filme foi a mais acertada da minha vida”. O Oscar de efeitos visuais que O Oitavo Passageiro levou pra casa em 1980 ajuda a comprovar a teoria. ;)
Mas, por mais que Giger, que morreu em 2014, aos 74 anos, tivesse um puta orgulho do trampo com os xenomorfos, a relação não foi sempre apenas de amor. Afinal, seu trabalho obviamente continuou inspirando o que rolaria nas continuações.
Só que quando chegamos no questionável Alien – A Ressurreição, de 1997, o bicho pegou. Ele até afirmou ter gostado do filme (não sabemos bem o motivo), mas ficou putíssimo por ter sido deixado de fora dos créditos, ainda mais em uma produção que, segundo Giger, recuperou um visual mais próximo de suas primeiras versões para os ovos, para o Facehugger e o Chestburster.
Numa carta escrita por ele para a Fox, o recado foi curto e grosso: “A todos os responsáveis por esta conspiração: desejo uma criação de Aliens dentro dos seus peitos”.
O visual das obras de Giger também é prato cheio para a estética do rock, principalmente do heavy metal, e justamente por isso os seus desenhos se tornaram capa/arte de uma série de discos de bandas como Celtic Frost (To Mega Therion), Magma (Attahk), Carcass (Heartwork), Danzig (Danzig III: How the Gods Kill), Atrocity (Hallucinations) e, mais recentemente, do Triptykon (Eparistera Daimones e Melana Chasmata).
No álbum KooKoo, primeiro trabalho solo da cantora Debbie Harry (Blondie), cuidou da manipulação da imagem da capa, transformando o rosto dela em parte de suas artes biomecânicas. Seu grande momento, no entanto, foi mesmo na lindíssima ilustração de Brain Salad Surgery (1973), do supergrupo progressivo Emerson, Lake & Palmer, aquela que acabou sendo editada por ser muito “sexualmente explícita”.
O mesmo, claro, não aconteceu com o pôster edição limitada de sua pintura Landscape XX, que vinha encartado no álbum Frankenchrist, dos punks do Dead Kennedys. A coleção de muitas pirocas pós-modernas acabou levando a gravadora dos caras a um processo por obscenidade, o que por muito pouco não faliu todos os envolvidos no processo.
Era de se imaginar que toda a estética de Giger já tenha inspirado também um bocado de jogos de videogame — mas ele, pessoalmente, só cuidou da coordenação visual de um único título: Dark Seed , de 1992 (e sua continuação, Dark Seed II, lançado em 1995).
O joguinho de aventura com toques de horror psicológico, ambientado tanto no mundo real quanto em sua contraparte sombria, foi produzido pela hoje finada Cyberdreams para PC, Macintosh e Amiga (é, isso mesmo), além de ter versões lançadas para PlayStation e Saturn no Japão.
Parte dos originais destas obras podem ser conferidos pessoalmente por quem estiver de passagem por terras suíças, já que, em 1998, depois do sucesso tremendo de uma mostra retrospectiva de seus trabalhos, foi inaugurado o HR Giger Museum, dentro do castelo medieval Chateau St. Germain, que tem mais de 400 anos e fica na região de Gruyères. Estão lá pinturas, esculturas, móveis, os muitos designs feitos para o cinema e ainda parte da coleção pessoal de arte do próprio Giger, com itens de Dalí, Ernst Fuchs, Dado, Bruno Weber, Günther Brus, Claude Sandoz, François Burland e Friedrich Kuhn, entre outros.
Além disso, dentro do castelo está o primeiro Giger Bar, com mesas, cadeiras, teto, paredes e a porra toda refletindo a pegada de sua obra, com direito até a uma série de arcos no formato de ossos para evocar o DNA medieval original da construção, dando-lhe uma expressão meio de catedral. Um outro bar semelhante, também com sua supervisão direta, foi inaugurado em Chur, sua cidade-natal, depois que uma versão na cidade de Tóquio acabou inaugurada sem que ele tivesse concluído os designs finais.
“Eu me apaixonei pela cidade. Aí, ouvi que estavam querendo vender o castelo e que ele estava indo a leilão. Mas foi difícil pra mim, porque não sou realmente rico, né?”, explicou Giger. “Tive que vender um monte de pinturas para pagar por ele. Foi uma bosta. Mas sempre procurei um lugar para minhas pinturas e esculturas — e acho que um castelo é o lugar certo para mim, não?”.
Ele contou ainda que o povo de Gruyères sabe bem quando os fãs de Giger tão chegando pra visitar o museu, já que eles estão sempre vestidos de preto, variando do gótico ao metaleiro. “E acho que é possível que eles transem dentro do castelo”, admitiu. “Não sei. A gente não controla tanto as coisas assim”.
Fica a dica. ;)