Primeira versão do roteiro, escrita por Jeremy Slater, teria mais ação e as presenças de Galactus, Toupeira e Giganto — mas isso não quer dizer que era necessariamente melhor, ou até mesmo realista pro orçamento que tinham
Ok, dá pra dizer que o reboot do Quarteto Fantástico nos cinemas é um fiasco. Você pode até ser do contra, falar que gostou e tudo mais, mas o fato é que o filme teve uma repercussão muito negativa, que resultou numa baixíssima bilheteria até agora: US$ 102 milhões, menos até que os US$ 120 milhões gastos nas gravações (fora o marketing).
Porém, o filme poderia ter tido um destino (e um Destino) bem diferente. Não necessariamente os resultados de crítica e bilheteria teriam sido outros – mas a forma pra chegar lá não seria a mesma.
De acordo com o Birth. Movies. Death., o roteiro original do filme, antes da chegada do produtor/roteirista Simon Kinberg e das mudanças de ideia da Fox, era bem diferente daquele que acabou ganhando as telas. Alguns elementos sobreviveram até o final, mas era uma história com muito mais ação. Até mesmo a primeira parte do filme, que recebeu alguns elogios, diverge, além de ocupar menos tempo de tela.
Tudo escrito por Jeremy Slater, em 2012, e adicionando elementos como Galactus, o Fantasticarro e até o HERBIE, aquele robô criado pra série animada da equipe no final dos anos 70.
Pra começar, Reed e Ben eram bons amigos desde a infância, trabalhando num projeto de teletransporte que vai pra algum lugar que eles não sabem qual é. Inclusive, a primeira coisa que conseguem levar pra outra dimensão é um carrinho de brinquedo. Eventualmente, Reed cresce e vai trabalhar no Edifício Baxter como parte de uma bolsa de estudos. Lá, ele conhece Victor Von Doom, da Latvéria.
Até aí, bem parecido com o que vimos no cinema, apesar das cenas serem mais rápidas e dinâmicas.
É nesse momento que as histórias começam a divergir. Victor leva Reed em festas e, numa delas, o futuro herói conhece Sue, que trabalha no laboratório de biologia da Baxter. Só que o cara não tá sendo bonzinho porque sim: Victor está roubando informações sobre o teletransportador do “amigo”, para passá-las aos espiões da Latvéria.
Ou seja, um Doom com mais cara de... Doom.
Como você vê, não existe o Dr. Franklin Storm, nem viagens interdimensionais são únicas preocupações de quem trabalha no Edifício Baxter. Sue, por exemplo, trabalha com o Dr. Harvey Elder (um nome já reconhecido por você, se for leitor de HQs), que quer criar uma nova forma de vida artificial, os Molóides.
A merda começa a acontecer quando a faculdade nega que Reed e Victor usem a máquina que criaram, chamada de Quantum Gate, pra viajar entre dimensões. Eles então resolvem fazer isso por conta própria, chamando Sue (que convoca, meio que de última hora, o irmão Johnny) pra dar uma força. Reed também chama Ben, que, a essa altura, havia se afastado bastante do amigo e que deixou a faculdade de lado pra se alistar no Exército. Reed se sente em dívida com Ben, por ter recebido sua ajuda com os experimentos e os valentões na época de escola, e garante que será ele quem irá dar o primeiro passo na outra dimensão.
O que é parecido nas duas versões é que Sue continua do lado de cá do portal, ajudando os amigos no controle do equipamento – esse sim bem diferente, abrindo um buraco no tecido dimensional, pelo qual passa um módulo que corre num grande braço hidráulico. Johnny também fica no laboratório, dando uma força pra irmã.
Quando chegam do outro lado, Victor Von Doom é, mais uma vez, Victor Von Doom: ele puxa o Ben pra que ele seja o primeiro homem a pisar em outra dimensão.
Outro detalhe é que essa Zona Negativa não é um deserto, nem nada disso. Trata-se de uma antiga cidade abandonada. Eles vão explorando as ruínas, que tem diversos corpos, até encontrar algo grande, um ser humanoide usando armadura e um capacete.
É Galactus.
O Devorador de Mundos, diferentemente dos quadrinhos (onde a origem de sua força é descrita como “Poder Cósmico”), consegue atirar rajadas de Matéria Escura. Uma delas atingir Victor, que aparentemente morre na hora.
Os dois sobreviventes saem correndo desesperadamente enquanto os irmãos Storm tentam fazer que o Quantum Gate funcione novamente. Eles escapam, mas não antes de Galactus jogar uma rajada de Matéria Escura no portal interdimensional. A junção de energias tão diferentes faz tudo ir pelo ares, e Reed, Ben, Johnny e Sue ganham seus famosos poderes.
A cena que rola a seguir é bem parecida com o filme finalizado (que, vamos combinar, é uma das melhores partes). A diferença é que Sue começa a ficar invisível de fora pra dentro, com a pele sumindo e mostrando os músculos do rosto. É um efeito parecido com aquele de O Homem Sem Sombra, com o Kevin Bacon.
Ok, o filme, até este momento, tem muito mais ação, mas... Não sei se é tão sábio gastar Galactus, um dos maiores vilões da Marvel, logo na origem do Quarteto Fantástico. Ou até mesmo ligar as duas coisas. Mas, calma, a confusão piora.
Há nesse momento um salto no tempo, que não é de um ano – mas sim de QUATRO anos no futuro. Johnny é estrela de um reality show, Sue ainda tá no Edifício Baxter dando uma força pra pacientes com câncer e Ben tá usando os poderes que ganhou pra ajudar o governo, como arma de guerra. Já Reed foi considerado culpado pelo acidente e acaba indo se esconder em Jacarta, na Indonésia. Ainda assim, ele consegue desenvolver um robô, o HERBIE, e ainda o Fantasticarro, que ele espera vender pra Toyota.
Os japoneses não aceitam o projeto, tudo porque o Sr. Richards talvez não seja tão gênio assim. Na boa, quem acha que vai vender um carro pra uso pessoal que, bom, é movido a REATOR NUCLEAR? Pois é.
Lá na Latvéria os cientistas locais terminam o Quantum Gate deles, criado a partir das informações roubadas por Victor Von Doom. Eles mandam a primeira equipe de exploradores ao novo universo, mas... CUÉN. O único que retorna é justamente Victor Von Doom, agora totalmente feito de Matéria Escura.
Sim, isso mesmo: esse primeiro roteiro já cai nesse estranho lugar comum dos cinemas, de colocar o Doutor Destino como um ser hiperpoderoso. Qual é o problema em ele ser apenas um grande FDP que usa máscara? Que domina a ciência e a magia, mas ainda assim apenas um grande FDP que usa máscara.
O que importa pra esse filme é que o Destino é tão foda, mas tão foda que ele mata a elite de Latvéria com um piscar de dedos e se transforma no novo ditador local (vamos lá, estamos caminhando bem...ou quase). Enquanto isso, Ben encontra paz consigo mesmo por ser um monstro, por mais que odeie Reed por tê-lo abandonado. Coisa que a Sue não fez, já que ela revela estar usando as pesquisas contra o câncer no Edifício Baxter pra tentar encontrar uma cura pro amigo – o que ela não consegue.
É nesse momento que as coisas começam a dar errado novamente. Reed, lá na Indonésia, é atacado por um exército descrito no roteiro como “Tropa de Choque” e, sei lá como, o cientista percebe que eles foram enviados por Victor Von Doom, que para a surpresa do Borrachão ainda tá vivo. Ele voa pra Nova York com o Fantasticarro, pra avisar os amigos (celular, oi?), só que os mesmos caras começam a atacar o Edifício Baxter antes dele chegar.
No meio da confusão, o Dr. Elder toma a substância molóide que estava criando e vira o vilão Toupeira, além de (sei lá como) os soldados serem injetados com a mesma substância misturada com Matéria Escura. Eles viram os Molóides.
Nos gibis, o Toupeira encontra os Molóides em Subterrânea, um reino no centro da Terra e... Bom, é uma adaptação. Isso não é necessariamente o problema.
É aí que começa mais uma grande cena de ação, com Johnny e Sue atacando os Molóides (e, no script, Sue literalmente destrói os caras com seus campos de força). Além do Reed chegar no meio da briga, Ben (olha só que coincidência!) tava lá perto brincando com cachorrinhos num pet shop, percebe toda a confusão e vai ajudar os amigos.
Juntos, os quatro então enfrentam o que o site descreve como um “Molóide gigante”, “igual ao visto na capa de Fantastic Four #1”. Se for o mesmo personagem do gibi, estamos falando do vilão Giganto, que é controlado pelo Toupeira.
No meio dessa luta, o Coisa é devorado pelo monstrengo, saindo pela boca só pra ver o Sr. Fantástico se fazendo de estilingue pra jogar um ônibus inteiro no vilão, enquanto o Tocha-Humana vai em chamas contra a cabeça do cara.
Habemus Quarteto Fantástico. Mas esse não é o fim.
Lá na Latvéria, o Doom se torna o centro de um problema internacional. Ele simplesmente construiu um canhão de energia escura pra destruir Galactus.
Sim, Galactus. Nesses quatro anos que passou na Zona Negativa, o Dr. Destino se tornou o ARAUTO do cara, ajudando a encontrar outros planetas pra ele devorar. Por outros planetas, entenda a TERRA. Depois da cagada feita, Victinho quer usar o canhão pra destruir o Devorador de Mundos assim que ele chegar.
Isso não é o cliffhanger pro segundo filme – ainda. O Quarteto ainda vai pra Latvéria chutar a bunda do Doom. Só que eles descobrem que aquele é um Doombot (SIM! SIM!). O Dr. Destino original ainda está fisicamente preso à Zona Negativa.
Os inimigos foram derrotados, mas #GalactusIsComing. O governo dos EUA então dá o Edifício Baxter pro Quarteto, onde eles o transformam não só numa base, mas também numa escola pra crianças inteligentes que possam ajudar a derrotar o vilão. Fundação Futuro, é você?
Como você vê, o filme teria bastante coisa. São 121 páginas de script com muita ação e, provavelmente, passaria muito rápido. Porém, é difícil imaginar que funcionasse.
O primeiro resultado de um roteiro assim é aquele que realmente aconteceu: filmes tão megalomaníacos são um risco, um risco que a Fox não estaria disposta pro Quarteto Fantástico. Tantos vilões, batalhas e efeitos especiais nunca encaixariam no orçamento. A tesoura então começou a funcionar – como sempre funciona em qualquer filme assim. Alguns longas do tipo até veem a luz do dia com mais ou menos cortes, enquanto outros nunca saem do papel (como, por exemplo, outro projeto megalomaníaco: Superman Lives).
Ou ainda pode acontecer como aconteceu com Quarteto Fantástico: os cortes e mudanças deixaram não só o filme irreconhecível frente ao primeiro script, como o deixaram monótono e sem cenas de ação, inclusive obrigando as regravações que rolaram mais pra frente.
Tem mais. Por mais que tanta ação e reviravolta deixe os fãs mais roots felizes, as coisas ficariam muito superficiais – como o Toupeira. Fora que, pro público comum (que é a maioria no cinema), um filme com tanta gente, tanta reviravolta, poderia ser bem confuso. Sem falar que essa versão cometeria quase que os mesmos erros com o Destino (apesar de evoluir melhor a personalidade do personagem, vamos admitir, tem pelo menos o lado ditador na jogada) e ainda colocaria Galactus com um protagonismo muito de cara.
Se, por um instante, considerarmos que a Fox pudesse gravar essa versão, dificilmente ela teria sucesso. Um orçamento tão grande pra comportar tanta coisa precisaria depois de uma grande bilheteria – e, pelos motivos já listados, ainda seria difícil chegar lá. Também é difícil imaginar que esta versão seria mais próxima da pegada da própria Marvel Studios para o Quarteto, como comenta o Birth. Movies. Death.
Parece mais uma visão ao estilo Sony.
Vale dizer que essa ainda era uma versão bem inicial do roteiro. Ainda houve diversas outras posteriormente, já com Simon Kinberg envolvido. Uma delas, informa a Entertainment Weekly, deixaria o miolo da história um pouco mais movimentado.
Após o pulo de um ano, haveria uma cena do Coisa atacando rebeldes chechenos. Algo cheio de ação, explosões e tudo mais. Um trecho dessa cena, inclusive, tá num dos trailers divulgados antes do lançamento (a partir dos 2’09’’ do vídeo a seguir).
Não se sabe exatamente porque a cena não entrou no corte final – há diversas versões vindas de diversas fontes. Entre elas, que o diretor Josh Trank estava indeciso sobre acrescentar ou não o trecho, e acabou decidindo que não era necessário. Outra versão afirma que o estúdio obrigou o corte no começo da produção, por causa do orçamento. Mais pra frente, quando perceberam que faltava ação no filme, mandaram gravar a tal cena, mas Trank teria sido proibido de participar. Só que a gravação acabou sendo feita num estilo documentaresco, câmera na mão, que não casava com o resto do estilo do filme. Trank, então, teria cortado o trecho.
O fato é que são tantas histórias, tantas versões, tantas mudanças que, agora, fica difícil saber o que esse reboot do Quarteto Fantástico poderia ter sido. Uma história que, pelo visto, começou tão errada quanto terminou...