Yvonne Craig, que participou da série do Batman dos anos 60, deixa um legado que se mistura não só com a história da própria personagem, mas com a própria presença feminina nos quadrinhos e na televisão
Na madrugada dessa quarta-feira (19) o site oficial de Yvonne Craig confirmou a morte da atriz, aos 78 anos, em decorrência de um câncer de mama no último dia 17. Ela ficou famosa por ser a Bargirl na clássica série do Batman dos anos 60, além de ter feito participações em séries como O Agente da UNCLE, Meu Marciano Favorito, Jornada nas Estrelas, Viagem ao Fundo do Mar, Terra de Gigantes, entre outras. Yvonne teve poucos papeis a partir dos anos 70, mas o último trabalho foi com dublagem na animação Olivia.
É mais uma grande perda para a história da cultura pop, até porque a vida de Yvonne se mistura com a história da própria Batgirl, a personagem que é tão relevante para as HQs.
Apesar de já ter existido nas HQs do Batman uma heroína chamada Bat-Girl no começo dos anos 60, que lutava ao lado da Batwoman original, ela era bem diferente daquela versão que se tornou famosa – e nem atendia pelo nome de Barbara. A personagem acabou deixando de ser utilizada poucos anos depois, na medida que o Homem-Morcego foi ficando mais sério e mais distante de uma heroína tão pouco realista, que sempre ficava em situações de perigo e precisava justamente da ajuda do Batman.
A sua verdadeira história começou em 1967, quando o produtor executivo William Dozier queria atrair o público feminino para a série Batman, que estava com a audiência caindo depois do fim da Batmania, pedindo que o editor Julius Schwartz criasse uma nova personagem que pudesse tanto ser introduzida nos gibis quanto na série. O que se diz é que foi o próprio Dozier que sugeriu que a nova personagem fosse filha do Comissário Gordon e que usasse o nome de Batgirl.
Os responsáveis por colocar as ideias no papel foram o roteirista Gardner Fox (co-criador do Flash da Era de Ouro) e o artista Carmine Infantino (co-criador do Flash da Era de Prata). Quando Dozier, ao lado do produtor Howie Horowitz, viu as primeiras artes de Infantino numa visita aos escritório da editora, tratou de rapidamente fechar o acordo com a DC e garantir que a personagem fosse pra TV.
Assim, com a data de capa de janeiro de 1967, a Batgirl estreava em Detective Comics #359 — HQ que foi publicada pela primeira vez no Brasil no ano seguinte, em Almanaque do Batman da Ebal, editora que batizou, naquele e nos anos seguintes, a heroína com o nome de Menina-Morcego, Moça-Morcego, Mulher-Morcego e, finalmente, de Batmoça.
Essa primeira história era bem bobinha, sobre o dia em que a Barbara Gordon foi a um baile vestida numa versão feminina do Batman e, meio que sem querer, acabou atrapalhando uma tentativa de sequestro de Bruce Wayne, atraindo a atenção do Batman. No final, Barbara resolveu aproveitar o traje e as capacidades que tinha pra combater o crime, algo do qual tenta ser convencida do contrário pelo próprio Homem-Morcego por (anos 60...) ser mulher
Barbara não concordou e continuou por aí como Batgirl, numa clara cutucada da DC no pensamento dominante naqueles tempos.
Uma das melhores sacadas sobre a Barbara estava sem a máscara: ela era uma Ph.D, uma doutora em biblioteconomia com uma grande carreira e chefe da biblioteca pública de Gotham City, considerada uma das maiores (se não for A maior) do Universo DC na época. Não era uma personagem feminina bobinha, como era comum na Era de Prata. Nem uma ~dama em perigo...
Mais ou menos na mesma época, os produtores da TV estavam transpondo aquela personagem pro live-action. Foi aí que escalaram Yvonne Craig para o papel. Hoje é difícil saber se escolheram a atriz pela semelhança com os esboços de Infantino, ou se a escolha da atriz influenciou as feições finais da personagem, mas o fato é que os dois rostos são muito parecidos. “Eu costumava achar que eles tinham me contratado porque eu poderia andar de moto”, disse, anos depois, Yvonne em depoimento ao livro Batman: The Complete Story. “Mas aí eu percebi que me contrataram porque eu tinha voz de desenho animado”.
A diferença ficava no uniforme: a versão da televisão usava uma roupa roxa e brilhante, bem no esquema campy da produção.
Pra introduzir a Batgirl aos executivos do canal ABC, Dozier criou um curta de sete minutos no qual a personagem luta contra o vilão Mariposa Assassina – o mesmo que é o antagonista da primeira aparição da versão das HQs. A ideia era que o canal não só comprasse a ideia de uma nova personagem, mas que também confiasse nela pra aumentar a audiência e garantir uma terceira temporada – naqueles tempos, os canais tinham ainda menos paciência com produções que perdiam audiência entre um ano e outro.
O tal curta nunca foi exibido – naquela época. Eventualmente, foi reencontrado em algum baú e hoje pode ser assistido na internet como o “piloto” da Batgirl.
A estreia efetivamente aconteceu em 14 de setembro de 1967, em Enter Batgirl, Exit Penguin, que é o episódio de estreia da terceira temporada e o de número 95 (!) da série. Só que Barbara não soca os vilões do mesmo jeito que a Dupla Dinâmica: as mulheres não podiam, na época, trocar uns tapas com outras pessoas na televisão. Pra contornar isso, os movimentos da personagem eram coreografados mais como uma dança do que qualquer outra coisa, o que, juntando com o efeito nas onomatopeias na tela, chegava um pouquinho mais perto de uma luta de verdade.
Uma pena que Yvonne e a sua Batgirl não chegaram num bom momento. A audiência caindo fez com que a série tivesse diversos cortes, começando pelo fato de que não seriam mais dois episódios por semana, mas sim um – praticamente eliminando aqueles famosos “cliffhangers” avisando que era pra continuar acompanhando aquela aventura no “mesmo bat-horário, e no mesmo bat-canal”. Os cenários também passaram a ser visualmente mais baratos e os roteiros (ainda mais) viajantes, quase lisérgicos.
No final da terceira temporada ABC tratou de cancelar a produção. Porém, aqueles 120 episódios, sendo 26 com aparições da Batgirl, passaram a se tornar reprises comuns em emissoras afiliadas em todos os lugares dos EUA e do mundo, incluindo aqui no Brasil.
Assim, a Batgirl de Yvonne Craig se popularizou como uma das primeiras heroínas mascaradas conhecidas pelo público em geral. Tanto é que, em 1973, ela voltou (ao lado de Batman e Robin) num anúncio de serviço público sobre salários igualitários entre homens e mulheres.
Essa foi a última vez que a atriz encarnou a heroína em alguma produção pra TV. Até houve uma continuação da série em desenho animado, chamada The New Adventures of Batman e que teve 16 episódios em 1977, mas a Batgirl era dublada por Melendy Britt.
Nos quadrinhos, a Batgirl continuou presente, inclusive criando uma grande amizade com a Supergirl. Nos anos 70 e 80, a personagem fez aparições em diversas publicações, além de ter um posto de destaque em Batman Family. Já durante a Crise nas Infinitas Terras, de 1985, a origem dela foi modificada: Barbara passou a ser filha de Roger e Thelma Gordon, sendo sobrinha de Jim Gordon, que a adota em certo momento.
Em 1988, Barbara abandonou a vida de combate ao crime, se aposentando. Pouco depois, o Coringa invade a casa dos Gordon, atirando em Barbara, deixando paraplégica numa tentativa de atingir o tio comissário. Era a clássica graphic novel A Piada Mortal.
Anos depois, tal acontecimento serviu de exemplo para que a hoje roteirista Gail Simone provasse um ponto: de que a indústria dos quadrinhos estava matando, tirando os poderes ou ferindo gravemente todas as personagens femininas relevantes da mídia. Era a Batgirl, mesmo por baixo, ajudando novamente a trazer igualdade à cultura pop.
E agora, em agosto de 2015, Yvonne Craig parte deste mundo – um mundo no qual a Barbara Gordon voltou a ser a Batgirl, e que a personagem está presente em diversas mídias, indo das HQs aos games. Pode não ser ainda perfeito, mas foi um grande avanço em relação àquela primeira história, em 1967, na qual Batman diz que a Batgirl não podia combater o crime só por ser mulher.
Valeu pela força, Yvonne. Nunca vamos esquecer.