Ode à vagabundagem | JUDAO.com.br

Reflexões sobre o tempo e o nada

Quando me vejo empurrando algum afazer com a barriga, hoje em dia, penso que provavelmente executar aquilo é algo desagradável, pelo menos naquele momento. Por qual outra maneira a gente simplesmente não faria O QUE TEM pra fazer? Creio que provavelmente é porque o que a gente tem que fazer não é necessariamente o que a gente quer fazer, então evidentemente aquele negócio chato não é a única coisa QUE TEM pra gente fazer.

Peraí, se no horário tido como comercial não vamos estudar, trabalhar, limpar, arrumar, pagar, nos comprometer, entregar, receber, etc, o que vamos fazer no lugar?

Sei lá, que tal... NADA? Bora dar uma pausa em falar de fazer, fazer, FAZER.

Sim, pô, nada, essa que é provavelmente a coisa mais proibida da nossa sociedade. Por exemplo, quando eu fumava, o cigarro era uma boa desculpa para protelar a labuta em meio à jornada de trampo. Mas, peraí, não é por aí, não é que eu não estava executando nada, eu tava fumando. Isso é alguma coisa. Sei lá, engolir fumaça tóxica é mais digno do que não fazer coisa alguma. Saca?

“Ah, o Nícolas foi fumar lá fora”. Isso pode.
“Ah, o Nícolas tá lá fora fazendo nada”. Viu como soa grave?

A Wikipedia me ajuda nessa: “Para a pessoa que está a procrastinar, isso resulta em stress, sensação de culpa, perda de produtividade e vergonha em relação aos outros, por não cumprir com as suas responsabilidades e compromissos.”

PERDA DE PRODUTIVIDADE.

PERDA.
DE.
PRODUTIVIDADE.

Você acha mesmo que a gente é uma máquina de produção? Essa é uma boa medida para definir o valor de cada um de nós? Se isso realmente faz sentido, a chefia teria que ser a que mais trabalha, não? Os GESTORES teriam que chegar àquela posição após produzir muito; indicações ou experiências no exterior não deveriam ter peso algum.

O filósofo italiano Domenico de Masi, defensor e pesquisador da importância do ócio na qualidade de vida da civilização, arremata o raciocínio que quero deixar claro aqui: “Na verdade, a opinião do indivíduo só vale quando coincide com o parecer dos poderosos”.

Essa agonia deve ter começado quando criaram a máxima que trabalhar enobrece o homem. Evidentemente deve ter sido algum patrão que inventou essa. “Trabalhe cada vez mais, daí você vai se encher de nobreza. Enquanto isso, eu encho meus bolsos”. Taí uma lógica brilhante, não há como negar.

Dentro desse raciocínio, fazer nada é desastroso, uma violência contra nosso modo de vida. Me lembra a experiência de comer algo gostoso nesses dias de verborragia fit. “Ah, tô de dieta, só posso comer carboidrato sexta que é meu DIA DO LIXO”. Quer dizer, no único dia que a pessoa vai comer algo realmente saboroso na semana, ela tem que relacionar aquela sensação de prazer a algo nojento. Pronto, o tesão foi sabotado.

Outra comparação possível é quando afirmamos que se trata de descanso mergulhar nas redes sociais. Esse documentário, que merecia ser indicado ao Oscar, explica muito bem porque não é o caso.

Acho que a principal razão para falar sobre o nada é porque só quando paramos e questionamos o quanto somos ocupados, podemos enxergar a única coisa que tem realmente valor: o tempo.

Diversas pesquisas contam que viajar é o melhor meio de relacionar gasto financeiro com qualidade de vida. Claro, conhecer outras culturas é uma beleza, mas não se trata apenas disso. Quando a gente viaja, não precisa limpar, cozinhar, ver as contas chegando, conversar apenas com colegas de trabalho no almoço, pegar transporte público lotado e por aí vai. A gente conversa, transa, bebe, brinca e passeia sem fritar com essas coisas. Nos permitimos isso a partir de um deslocamento geográfico e, quando voltamos, bate uma tristeza fodida.

Jogando limpo: se nossa vida fosse boa mesmo, do jeito que buscamos acreditar, não seria tão duro voltar. Se a gente tivesse mesmo achado algo que AMA fazer, sentiria saudades de voltar à rotina. Não sentimos. Não amamos trabalhar, isso é só algo que rola pra pagar as contas.

“Porra, véio, tá querendo me deprimir?” Sim e não, na real. Creio que a chave para todas as tretas da humanidade está na nossa relação com o tempo, então um chacoalhão, nessas horas, é importante pra gente chegar nos finalmentes.

Daí eu lanço um teste, após esses quilômetros de texto acima. É bem simples. Quanto você se identifica com o depoimento e a música entoados pelo mestre Paulinho da Viola no vídeo a seguir?

Procrastinação, nessas de ser algo que coloca culpa na gente, é mala onda. Nesse caso, dar nome aos bois me parece uma roubada apenas para quem tá na linha de frente do trabalho. Eu acho que o melhor nome pra isso é vagabundear.

Todos nós precisamos experimentar ser mais vagabundos, largar um pouquinho as coisas de lado, ser malandros com quem está sempre de caô pra cima da gente. Assiste ao YouTube, compartilha o meme, lê o JUDÃO, paquera no Zap, conta aquela sacanagem no reservado para o colega ali na salinha do café, mas, seja o que for, bora procurar fazer tudo isso sem culpa, há uma vida inteira para trabalhar e você não deve nada a chefe algum. Desse jeito, e boto muita fé nisso, conseguimos nos enxergar como iguais, sem competições e fiscalizações mútuas e idiotas.

Chefias, administradores, gestores e afins não merecem tanta dedicação assim, vai por mim. Manda um sambarilove neles, assume que o tempo é algo seu, isso vai alimentar sua autoestima e, ainda por cima, render um prazer sem peso moral, que é a o único que bate de verdade.

Para fechar essa ode ao reconhecimento do tictac do relógio como algo seu e não deles, sejam eles quem forem, deixo aqui uma joia de reflexão sobre o tempo, dessas coisas que não aparecem toda hora na nossa frente, então saboreie com atenção e desprendimento.

Boa viagem.