Eu prefiro acreditar que a série vai melhorar, que isso tenha sido só um desvio de percurso. Na verdade, eu acredito mais nisso pra ser minimamente surpreendido…
Lá pela metade do episódio inaugural de Titans, a primeira série original do DC Universe, serviço de streaming com tudo que é produto audiovisual da editora, o policial Dick Grayson conversa com uma colega de trabalho a respeito de seu antigo parceiro na patrulha das ruas, antes do sujeito se mudar de Gotham City pra Detroit. Claro, a moça não faz ideia de que ele é o Robin e que, portanto, o tal parceiro ao qual ele refere é ninguém menos do que o Batman.
Grayson, um dos caras mais teimosos e resistentes do distrito, abre o coração ao falar sobre um cara que era como um pai pra ele. Mais velho, mais experiente, alguém em quem ele se espelhou antes de qualquer coisa. “Mas por que você resolveu sair de lá?”, a policial questiona. “Porque comecei a me tornar muito parecido com ele”.
O diálogo faria bastante sentido e, apesar de óbvio, pelo menos ajudaria a construir um pouco da personalidade do ex-Menino Prodígio... se não fosse a sequência exibida minutos antes, a versão estendida daquela que vimos no trailer, na qual Robin solta o já famoso “Fuck Batman” e cobre a bandidagem de porrada em um beco. Porque ele não apenas arranca sangue e quebra ossos a rodo, mas também esfrega a cara de um criminoso na parede, depois no vidro quebrado e ainda usa o bastão pra agredir o sujeito caído no chão.
Bom, se este é o Robin dizendo que preferiu se afastar do Batman porque estava se tornando parecido demais com o seu mentor, dá pra imaginar o tipo de Batman que temos neste universo aqui? Do que este Cavaleiro das Trevas seria capaz? Dá sim. Acho que seria um Homem-Morcego capaz de marcar os criminosos como gado, talvez? De onde você se lembra de uma cena similar? É, no fim das contas, é isso aí: Titans parece se passar no mesmo mundo de Batman vs Superman, antes do filme da Liga da Justiça existir. Pelo menos em termos de tom e narrativa. É facílimo imaginar Zack Snyder na direção deste episódio, com direito até a uma participação especial do Ben Affleck.
Para aquele que deveria ser o episódio de estreia não apenas de uma série mas também de toda uma nova experiência da DC, dá pra dizer que a parada fracassou miseravelmente.
Mais do que apenas querer mostrar a molecada querendo ser levada a sério, como falamos no texto a respeito do trailer quando foi divulgado, este episódio parece querer se afastar dos personagens no desvairado desenho Teen Titans Go!, além do próprio Arrowverse do mesmo produtor executivo, Greg Berlanti. De longe, estes meros 50 minutos conseguem ser mais sombrios e violentos do que toda a primeira temporada de Arrow.
“Estamos meio de saco cheio de justiceiros que caminham na linha fina entre o bem e aquele mal que eles mesmos enfrentam, né? Os anos 90 já passaram tem um tempinho...”, disse eu, no texto anterior. Pois então, o problema aqui é exatamente este: tudo soa como um verdadeiro exagero típico daqueles gibis da Image noventista. Caso o Robin tivesse uns bolsos a mais no uniforme, daria pra dizer, com toda a tranquilidade, que Titans é como se fosse uma reinterpretação do Rob Liefeld para a equipe que cresceu, trincou os dentes, ficou full pistola e agora recusa ter “Teen” ou “New” na porra do nome. Para mostrar maturidade, é preciso tornar tudo mais sujo e sanguinolento? Não, não precisa, vai.
A treta nem é a violência como elemento narrativo – Tarantino tá aí que não nos deixa mentir. A violência tá lá e faz parte de todo um contexto. A bosta é quando a violência vira uma MULETA narrativa. E é exatamente o que acontece aqui.
Dá pra contar tudo que eles querem e precisam sem estes exageros, sem ter que pesar a mão no sangue apenas e tão somente pelo sangue, sem sujar a cara do herói de respingos depois de surrar um bando. Dava pros criminosos e o espectador se convencerem que o primeiro Robin é um vigilante que não precisa viver na sombra do Batman sem fazer com que ele soe como um dos capangas mafiosos do Pinguim em Gotham. Daria para construir a imagem de determinação da Estelar como uma mulher fodástica sem que ela precisasse torcer o pescoço de um sujeito já derrotado e caído no chão (temos um padrão).
Pelo menos neste episódio 1 de Titans, os crânios rachados são muito mais um jeito de gritar e esfregar na cara de quem tá assistindo “olha como eles são foda, olha como o Dick virou um cara BADASS” do que qualquer outra coisa.
E aí vem a segunda e talvez pior comparação com o tom de Batman vs Superman: a obviedade.
Não, Titans não teve assim, logo de primeira, um Momento MARTHA. Mas tudo acontece do jeito mais genérico possível, segundo uma espécie de manual de instruções dos roteiros para se reunir uma equipe disfuncional de super-heróis. Você sabe EXATAMENTE quem são os infiltrados se passando por bonzinhos mas que tão querendo levar a jovem Rachel, aka Ravena (uma Teagan Croft estreante que realmente se esforça, é preciso admitir) pras mãos de um sujeito cujo objetivo tá claríssimo desde a primeira vez que pinta em cena. Tá na cara de cada um deles, do tipo “ah, este aí, certeza que vai tentar levar ela embora”. Bingo. Ele leva.
O mesmo vale pra origem amnésica da Estelar (se infiltrou numa gangue virando amante do chefão, MAS AH JURA?), pro comportamento do Grayson com os colegas de departamento (“ah, mas é que ele veio de Gotham, aquela cidade cheia de malucos”) e até para a inacreditável sequência de coincidências que fazem a Ravena ir parar JUSTAMENTE na delegacia do sujeito cujo acidente dos pais no circo vinha povoando seus pesadelos há semanas.
É tudo tão do jeito que naturalmente já se espera que não sobra espaço pra sua imaginação preencher nenhuma lacuna. Não sobra uma surpresa sequer, um gancho que você se pega pensando “rapaz, como eles vão resolver isso nos próximos episódios?”. Quando a Estelar apanha, na mesa de um desafeto, a foto de uma garota que ela em tese estaria procurando, nem precisa virar: você JÁ SABE que ali tem a imagem da Ravena. E em se tratando de uma série que vai liberar um episódio por semana, tamos falando de um pecado MORTAL.
Eu prefiro acreditar que a série vai melhorar, que isso tenha sido só um desvio de percurso. Na verdade, eu acredito mais nisso pra ser minimamente surpreendido
Eu gosto MUITO dos personagens originais, veja. Principalmente do Dick Grayson, que sempre foi mais legal do que o Batman pra mim e que eu sempre torci para ver em sua versão Asa Noturna num filme/série (e tá meio claro que, em algum momento desta temporada, é isso que vai acontecer, o que só comprova a questão do parágrafo anterior). Sou meio Poliana, fico aqui acreditando que vai melhorar, que foi só um desvio de percurso de alguém querendo mostrar impacto, que o grupo vai se reunir e aprender junto que precisa ser mais do que isso no mundo de hoje... Sei lá. No fim, acho que este sou eu nem tanto torcendo pra isso acontecer, mas sim para ser minimamente SURPREENDIDO.
Para quem ainda tinha alguma esperança de que estas séries do DC Universe de alguma forma se cruzassem com Oliver Queen, Barry Allen e demais integrantes da tropa do CW, um detalhe já desenha a linha na areia. Afinal, a Estelar cruza o caminho de um mafioso russo chamado Konstantin Kovar e que, NÃO, não é o Dolph Lundgren que vimos nos flashbacks de Arrow — A não ser que eles recorram, como no caso da Supergirl, ao lance do Multiverso, considerando que esta é uma Terra paralela e tal. Mas, a julgar por este primeiro episódio, olha, eu prefiro MESMO que não.
Tô aqui esperando pela Patrulha do Destino e pela Stargirl, isso sim.