RESENHA! Beat Bugs, nova série do Netflix

Nova série animada do Netflix, Beat Bugs foca nas crianças mas acaba acertando também nos adultos. Ou talvez principalmente neles.

Eu ainda sou daqueles que, apesar do MP3 e do Spotify, ainda consome bravamente aquele famoso DISCO COMPACTO. Como pai, você imaginar o orgulho que senti quando meu filhote ganhou, praticamente recém-nascido, um desses, dos Beatles — ou, mais precisamente, um daqueles com as versões DE NINAR de clássicos como Hey Jude! e Yellow Submarine.

O que não faltam, aliás, são CDs com essas versões, né? Tem do Metallica, dos Guns n’ Roses e até do Motörhead. Tudo numa tentativa louca e desenfreada de fazer com que a criançada seja, desde a mais TENRA idade, exposta à música de qualidade (que, senhores pais, precisamos convir que é um conceito bastante elástico). “Meu moleque vai ouvir Beatles até dizer chega antes mesmo de saber falar. Já vai crescer convertido ao rock n’ roll”, BRADOU um grande amigo meu, assim que soube que ia ser pai.

Talvez tenha sido este o pensamento por trás da criação do australiano Josh Wakely, os Beat Bugs, série animada cujos primeiros 13 episódios (com duas histórias cada um) estão disponíveis no Netflix. O conceito é simples: cada história está diretamente ligada a uma música diferente dos Beatles, em alguns casos interpretadas por um grande nome da música atual — a 1a temporada tem gente como Sia, Robbie Williams, The Shins e do apresentador James Corden.

Liderados pelo pequeno besouro (sacou?) Jay, os Beat Bugs vivem no quintal da casa de uma menina simpática e sorridente, que aos poucos se torna amiga — do jeito que é possível, claro — dos insetos que, ora bolas, também são crianças. Mas precisamos combinar uma coisa aqui: definitivamente, os personagens estão longe de serem lá muito interessantes e tampouco carismáticos. Na verdade, o quinteto principal formado pelo garoto aventureiro e descolado que anda de skate, pelo gordinho preguiçoso e de bom coração, pelo cientista nerd tímido e genial, pela garota inteligente e responsável e pela caçulinha ao mesmo tempo fofa e maluquinha não é nada além de genérico. Pensa aí em quantos desenhos animados na vida se encaixam nestes estereótipos que acabei de descrever?

Meu filho de 5 anos mal se lembrava dos insetinhos, mas ficou interessado em Lucy in the Sky with Diamonds

Faltou tempero no desenvolvimento do visual e, principalmente, da personalidade dos bichinhos. Se dependesse apenas deles para que a série seguisse em frente, a coisa ia ficar bem difícil. Não é difícil encontrar desenhos infantis com protagonistas bem mais interessantes e criativos.

E nem sou eu quem tou dizendo: quando assisti aos quatro primeiros episódios de Beat Bugs, estava acompanhado de um pequeno espectador bastante interessado que, ao final da sessão, mal lembrava dos insetinhos. Mas tinha uma coisa que ele me pedia insistentemente: “papai, e aquela música que você tava cantando, como é mesmo?”. Ele me ouviu cantarolando Lucy in The Sky With Diamonds junto com a versão da P!nk, que toca no desenho. Os insetos, aqui, são meros acessórios para chegar à música, o que é uma ideia muito boa na hora de apresentar os Beatles para uma nova geração, mas péssima quando você pensa que uma série, seja para adultos ou seja para crianças, tem que ter vida própria, né?

As histórias, aliás, só tem algum tipo de graça a partir do momento do episódio em que se encaixam justamente com as letras da canção. O primeiro que vimos, focado em Help, foi um saco justamente porque a solução foi bastante simples: um dos amiguinhos se perdeu, pediu “socorro”, os colegas vieram buscar. Nhé. Quando os roteiristas são obrigados a dar uma volta maior e mais maluca para chegar no enredo da canção, aí a coisa toda ganha contornos mais divertidos.

Talvez o episódio mais bonitinho, I’ve Just Seen A Face, que trata da obsessão de Jay pelo enorme rosto humano que via do outro lado da lupa que a garotinha da casa grandona usava para estudá-los. Em Lucy in The Sky With Diamonds , um dos insetos tem problemas de sono e a trupe parte para pedir o auxílio de Lucy (ah, vá), uma sábia voadora com olhos de caleidoscópio e que leva a descrição lisérgica da letra da música direto para o mundo dos sonhos dos pequeninos. Faz sentido. E em Magical Mystery Tour, Eddie Vedder (ele mesmo) dá voz a um gafanhoto chamado Jasper, de ares de apresentador circense, que faz a turma embarcar em uma viagem rumo à aula de ciências da menina que eles descobriram alguns episódios antes.

Josh Wakely durante o TCAs 2016

Josh Wakely durante o TCAs 2016

A segunda temporada já está devidamente confirmada para o dia 18 de Novembro e músicos como Rod Stewart, Jennifer Hudson, Chris Cornell, Regina Spektor e a banda Of Monster and Men vão participar. Além disso, parece que a coisa de “licenciamento de catálogos completos” está virando a assinatura das produções de Wakely: também para o Netflix, ele está desenvolvendo outra série animada, ainda sem nome, baseada nas canções da lendária gravadora de soul/R&B Motown, com curadoria de Smokey Robinson. Sabe-se que a trama deve ser sobre um grupo de amigos em uma cidade inspirada em Detroit e que descobre um mundo mágico que se esconde por trás da arte pintada nos grafites. E para a Amazon/Lionsgate, ele está à frente de Time Out of Mind, totalmente inspirada nas músicas de Bob Dylan.

Nascido na cidade australiana de Newcastle, Wakely conta que, desde pequeno, já começou a visualizar histórias enquanto ouvia músicas. “Tenho memórias de mim mesmo ainda bem novo e já pensando como seria estar num submarino amarelo ou quem seria a Eleanor Rigby”, explica ele, em entrevista à revista Rolling Stone. “Foi esta imaginação que me preparou para ser um adulto”.

Assim que foi trabalhar em Los Angeles, no mercado do entretenimento, saiu falando pra todo mundo que conhecia a respeito de sua ideia para um programa infantil baseado no catálogo dos Beatles. “Eu fui realmente bem ingênuo”, admite ele, em entrevista ao Los Angeles Times.

A gravadora Sony/ATV sempre foi BASTANTE restritiva e superprotetora com as canções dos Beatles. Mesmo quando o criador enfiou as caras e conseguiu, via contatos no braço australiano da Sony, um primeiro encontro com Marty Bandier, executivo fodão da gravadora, tudo que ouviu foi “este é um projeto bem ambicioso, não?”. Só que o papo não acabou aí. Na verdade, eles continuaram conversando e conversando. No total, foram três anos de negociações e mais três de desenvolvimento. E o que ajudou bastante foi o fato de que não era um projeto SOBRE OS BEATLES. Nada relacionado à história deles, nem personagens chamados Paul, John, George ou Ringo. “Na verdade, minha ideia sempre foi criar algo novo a partir do trabalho deles”, diz Wakely.

A coisa toda seguiu em frente até que o produtor, até o momento um nome praticamente desconhecido em Hollywood, conseguiu arrebanhar alguns parceiros para entrarem na jornada com ele e, de acordo com fontes do Wall Street Journal, desembolsou algo em torno de US$ 10 milhões para garantir os direitos do catálogo.

Wakely não tem medo de ficar sem material (“existem 310 músicas dos Beatles, então tá tudo bem”) e, apesar de ainda não ter recebido algum tipo de feedback diretamente de Paul McCartney ou Ringo Starr, tem plena certeza de que acertou porque conseguiu um OK de seu crítico mais feroz: seu próprio filho, de três anos de idade. “Quando ele saiu por aí dizendo I am the Walrus, entendi que estava fazendo a coisa certa”.

Em tempo, uma ironia: a Austrália é o único país do mundo onde Beat Bugs não está disponível no Netflix. :P