"Os X-Men são tristemente mais relevantes hoje do que nunca" | JUDAO.com.br

Talvez o mais importante roteirista da história dos mutantes nos gibis, ele diz que os personagens são ainda mais importantes para fazer as perguntas certas num mundo sem respostas fáceis

Por mais que os X-Men tenham sido concebidos por Stan Lee e Jack Kirby lá em 1963, é difícil pensar em autor tão intrinsecamente associado aos personagens quanto Chris Claremont. Além de ter sido responsável pela criação de uma monte de personagens da mitologia mutante que hoje são essenciais para as suas histórias, o americano de 68 anos nascido na Inglaterra também é o autor de clássicos como A Saga da Fênix Negra e Dias de Um Futuro Esquecido, hoje icônicos não só dentro do universo X mas também para a história dos quadrinhos como um todo.

Apesar de uma longa passagem quase ininterrupta pelos x-heróis, que durou entre 1975 e 1991, Claremont nunca ficou realmente muito tempo afastado dos personagens, já que invariavelmente a Marvel volta a convidá-lo para escrever nem que seja uma edição especial — como foi o caso recentemente com War Children, one-shot no qual reedita a parceria com Bill Sienkiewicz à frente dos Novos Mutantes. Mas, em quaisquer que sejam as suas idas e vindas, ele sempre mostrou que entende o CERNE do que são os gibis dos pupilos do Professor X: “os X-Men são odiados, temidos e desprezados coletivamente pela humanidade por nenhuma outra razão a não ser que eles são mutantes. Então o que temos aqui, intencional ou não, é uma HQ que é sobre o racismo, a intolerância e o preconceito”.

Esta frase, que o Claremont já repetiu algumas vezes, serve como complemento ideal para o que ele disse numa OUTRA entrevista que concedeu semana passada ao Newsarama, convocado pra falar sobre a fase Dawn of X do Jonathan Hickman, sobre os mutantes no cinema... e sobre o quão representativos ainda são os X-Men para o mundo ao nosso redor.

Sobre o retrato dos X-Men nos cinemas, obviamente, Claremont mostra que tem total bom senso e, quando questionado sobre qual de suas obras gostaria de ver retratada nas telonas, logo dispara “Fênix Negra”. A publicação, claro, não perde a chance de lembrar ao autor que já tivemos, na falta de uma, DUAS tentativas de adaptar esta bagaça. “Deixa eu explicar”, responde ele, de maneira polida.

E aí, como contador de histórias, diz que o MCU acertou justamente por ir apresentando as peças narrativas e os personagens de um jeito mais gradual, sem correria, até chegar aos Vingadores, por exemplo. “O jeito ideal de fazê-lo seria como a HBO faz numa temporada de Game of Thrones, com 12 episódios nos quais se cria o mundo e introduz aos poucos os personagens, fazendo com que o público se apaixone por eles aos poucos”, explica. “Não dá pra correr e tentar fazer isso em 90 minutos. (...) É preciso tempo e espaço pra evoluir e atrair o espectador, dando a ele um resultado que valha a pena o investimento de seu tempo”.

Mas aí vem a pergunta que REALMENTE importa: “em 2019, quais são as partes do mito dos X-Men que você enxerga como fundamentais para definir o time para a era moderna?”. E então Claremont responde aquilo que usamos lá em cima: “Infelizmente, como conceito, os X-Men são tristemente mais necessários e relevantes hoje do que nunca”.

Ele lembra, por exemplo, da trama que escreveu com o Magneto para a edição 1 da antologia, X-Men: Black, só sobre os vilões dos títulos mutantes. “Era uma história na qual os Estados Unidos, sob o chamado Ato de Controle de Mutantes, estão reunindo famílias mutantes e aprisionando-as no Novo México ‘por sua própria segurança’. As crianças são colocadas em uma instalação, os pais são colocados em outra, e serão mantidos até que seja determinado se eles são uma ameaça ao país e, se forem, serão tratados de acordo com a política federal”.

Magneto está numa cafeteria falando sobre suas próprias experiências quando era jovem, num campo de concentração, ao lado de algumas pessoas que estão vendo as notícias. E alguns saem dizendo “já estava na hora, precisávamos fazer algo sobre esses mutantes”. Obviamente, o mestre do magnetismo vai para a tal instalação, é reconhecido como um mutante, começa a treta e Magneto, é claro, derrota todo mundo e desmonta o local.

“O ponto é: se um grupo pode ser tratado dessa maneira pelo decreto do governo, o que os impede de perseguir qualquer outro grupo?”, pergunta Claremont. “O lance com os mutantes é que eles sempre representaram os marginalizados e oprimidos. E não importa o quanto lutem, o quanto trabalhem para viver entre os humanos, os humanos sempre recuam com novas leis e novas maneiras de ferir mutantes”.

“O que estou dizendo é que, quando avançamos enquanto sociedade, damos alguns passos à frente, estes passos não são irreversíveis, infelizmente. Então, como abordamos as pessoas que são prejudicadas por isso? Como abordamos nossos concidadãos que são apanhados no meio desta coisa toda?”, questiona ele.

Claremont não acredita que exista uma resposta fácil, mas esta é uma pergunta que precisa ser feita. “E para o bem ou para o mal, dependendo das circunstâncias, o gibi dos X-Men é o lugar nos quadrinhos que sempre traz este questionamento”. Porque SEMPRE foi uma história sobre preconceito, não importando o quão coloridos fossem os uniformes, né?

E tem gente que ainda mete estes loucos de “quadrinhos sem política”...