Oyster, que era pra ser o futuro dos eBooks, ou o Netflix dos Livros, chega ao fim
A Oyster, que já foi uma das chamadas “Netfix de alguma coisa” — dos livros, nesse caso — está encerrando suas atividades depois de ser comprada pelo Google. De acordo com o Wired, boa parte da equipe, incluindo os co-fundadores Andre Brown e Willem Van Lancher, estão se juntando ao Google pra trabalhar na loja de livros do Google Play.
Quem é assinante do serviço será contactado para receber (parte do) dinheiro de volta, afirma a empresa em seu blog oficial.
O anúncio pegou muita gente de surpresa, chegando depois de uma curta história, com um pouco mais de dois anos de existência. Em 2013, eles anunciaram o serviço pelo qual o usuário pagaria US$ 9,95 por mês e teria acesso a quanto quisesse ler na plataforma, que tinha apps pra iOS, Android, Nook e Kindle Fire. Além disso, a empresa conseguiu acordos com os cinco gigantes do mercado editorial (Hachette, HarperCollins, Macmillan, Penguin Random House e Simon & Schuster), que sempre deram trabalho em acordos com a Amazon.
Dessa forma, o Oyster se tornou o céu: 1 milhão de livros pelo preço de um. Por mês.
Só que, na prática, o modelo deles não era lá dos melhores. Assim como o Scribd e o Amazon Kindle Unlimited, os autores e editoras recebem uma quantia em dinheiro toda vez que o leitor alcança um determinado número de páginas. Então, basicamente, quando mais o cara lê, mas dinheiro a empresa tem que pagar. A chance de as contas não fecharem é enorme e, num e-mail vazado em julho, o Scribd deixou passar que iria tirar diversos livros românticos e eróticos do catálogo, já que eram obras muito lidas.
Esse tipo de pagamento, aliás, é bem polêmico do outro lado: recentemente a Amazon mudou as regras de seu serviço, avisando que não pagaria mais os royalties integramente depois que 10% da obra fosse lida pelo usuário, mas sim por um valor proporcional por página lida. Ou seja, se o cara chegou na página 100 de 200, o autor recebe 50%. Isso deixou muito escritor puto da vida.
Porém, o mercado erra feio ao adotar essa estratégia. Se esses serviços são chamados de “Netflix dos livros”, faria sentido imitar também o modelo de pagamento da própria empresa de Los Gatos. Pra começar, eles não informam a ninguém (inclusive quando é uma produção original) o quanto de cada filme ou série foi assistido. “Eles não divulgam a audiência nem pra nós”, confirmou o showrunner de Demolidor, Stephen DeKnight, num Q&A.
O máximo que dá pra fazer é uma pesquisa por fora, com algumas empresas de tecnologia acompanhando uma amostragem de usuários. E só.
Distribuidores, produtores, atores e executivos ficam no escuro, ou, na melhor das hipóteses, no LUSCO-FUSCO. Pode parecer filhadaputisse? Até é. Mas pense no lado prático: ninguém pode argumentar que quer receber um valor por assinante que assistiu, ou usar esses dados pra ganhar mais na próxima renegociação de contrato.
Todos os filmes, séries, shows e documentários são licenciados por um valor contratual, com base na qualidade ou fama – e também na base de assinantes do serviço. Se você tem um personagem famoso, um ator renomado, uma franquia de sucesso, ou qualquer outra coisa que vá trazer mais assinantes, independente de quem vê ou não, vai ganhar mais dinheiro. Simples assim. Se você quiser mais e a plataforma achar que a conta não fecha por ter pouco espectador, ADIÓS.
É só pensar em quanta gente assinou Netflix por causa de Demolidor — e não necessariamente todos eles assistiram a todos os episódios.
Pense agora no caso do Oyster e de seus concorrentes: ter as grandes obras das grandes editoras é um argumento pra fazer a galera assinar o serviço. “Nossa, cara, tem Harry Potter aqui. Stephen King. MANO, até Cinquenta Tons de Cinza, assim posso ler sem ninguém saber. Sensacional”. Depois, bom, se você não ler aqueles livros e continuar pagando a assinatura, pra eles tá ótimo. Eles terão usado o nome do personagem e do autor pra ganhar dinheiro, mas não vão pagar nada pra eles.
Porém, se a empresa paga um valor fechado com base no tempo que o livro estará lá e no reconhecimento da obra e do autor, acaba a treta. E se a editora sentir que tem crescido a leitura – e dá pra monitorar isso, seja via as consultorias já citadas ou mesmo pelas redes sociais – é só negociar um valor melhor no próximo contrato.
Há também uma outra clara vantagem pra plataforma: não há sustos. Se você negocia todos os contratos previamente, você sabe o quanto vai gastar por mês. É igualzinho ao celular pré-pago. Agora, se você tem um acordo flexível, um celular pós, bom... Se você empresta o telefone por alguns dias pra aquele seu amigo POPULAR, que usa internet pra caralho e essas coisas, já sabe o que vai acontecer.
Resta saber, agora, o que o Google fará com esse pessoal e os conhecimentos do Oyster. Patentes e inovações do serviço devem ser agregados ao Google Play, mas não deve ser só isso. Há quem arrisque que a empresa de Mountain View esteja preparando o próprio serviço de assinatura de livros. “E por que não simplesmente agregar o Oyster ao Google, como fizeram com o YouTube, ao invés de encerrá-lo?”. Bom, se a plataforma tem contratos ruins, porque continuar com eles?
Essa seria uma boa mexida no mercado, que tá precisando. Desde o ano passado as vendas de eBooks estão desacelerando, algo que deve ter sido sentido inclusive pelo próprio Google. De acordo com a Association of American Publishers, houve uma queda de 7,5% das vendas de livros eletrônicos no primeiro trimestre de 2015, comparando com o mesmo período do ano passado. O resultado tá próximo das obras físicas de capa dura, que caíram 6,7%, mas bem longe do resultado das brochuras, que subiram 8,6%. Como um todo (e incluindo outros formatos, como audiobooks), o mercado dos EUA caiu 6,6%.
Da mesma forma que o Netflix fez muita gente voltar a pagar pra ver filmes e séries, um “Netflix dos livros” bem pensado, com as contas certinhas, pode fazer o mesmo nesse mercado e reverter essa queda, nem que seja só no digital. É só querer.
A nós, resta torcer. :)