Atenção: logo abaixo você vai ler um monte de palavrões. Se você acha que vai se ofender com isso, não siga.
Vai se foder. Vai tomar no cu. Pega no meu pau. Filha da puta. Puta que o pariu. Caralho. Porra.
Sua vaca! Galinha! Piranha!
Seu viado! Cuzão! Bicha!
Se você já abriu a boca para xingar alguém, em momentos de raiva ou amor genuíno entre amigos de longa data, certamente foi machista, misógino ou homofóbico.
Sim, pois a lista de palavras de baixo calão que usamos como forma de ofensa, na imensa maioria das vezes, se refere às mais variadas formas de agressões sexuais. Seja inferindo comportamento libidinoso em mulheres ou acusando homens de manter relações homoafetivas com outros homens.
Alguém te fechou no trânsito? Você manda o cara se punir cometendo alguma forma de auto-penetração não muito clara.
A atendente de telemarketing te tirou do sério após longas horas ao telefone? Você sugere que a moça introduza alguma coisa no ânus.
Sua amiga não te ligou para convidar para a festa de aniversário? Você comenta que ela tem relações com muitos homens, de forma indiscriminada e irresponsável.
Isso tudo não faz sentido. Pelo menos quando a gente racionaliza.
Mas, na verdade, palavrão tem tudo a ver com tabu. Se uma coisa pode, potencialmente, constranger ou ofender alguém, logo vira palavrão.
Repare como as pessoas mais velhas têm muito mais problemas com expressões como “vai se danar”, “vai pro inferno” ou “diabo”. Eu lembro de ser criança e minha mãe dizer que não se deve dizer “maldito”, por exemplo.
Em sociedades em que a religião ocupa papel mais central, esses termos são tabus. E, portanto, têm função de palavrões. Porém, hoje eles perderam força e já não ofendem daquele jeito gostoso que um dia ofenderam.
“A perda de eficácia das palavras tabus relacionadas à religião é uma óbvia conseqüência da secularização da cultura ocidental”, diz o psicólogo cognitivo e professor da universidade de Harvard Steven Pinker, em uma entrevista de 2008 para a revista Superinteressante.
Assim, hoje é até engraçado quando vemos um filme antigo e alguém solta um “diabos” para reclamar de alguma coisa. Antigamente, era o equivalente a se dizer “puta que pariu” ou “merda”.
Aliás, o mesmo vale para termos que remetem a coisas que geram sensação de nojo ou sujeira. É o caso de “merda”, por exemplo. Por mais que mandar alguém à merda ainda seja um xingamento bastante comum, a palavra “merda” hoje agride bem menos que já agrediu.
Repare como é comum vê-la até nas nossas pudicas legendas de filmes. Bem diferente de um sonoro “fuck you” proferido por um personagem, que costuma ser atenuado pelo mais contido “vai se ferrar”.
Se bem que “se ferrar” é “levar ferro”, hein…
O tabu sobre excrementos, aliás, já não fazia tanto barulho na Idade Média. Segundo Melissa Mohr, autora do livro Holy Sh*t: A Brief History of Swearing, em entrevista para a revista Time, esse tipo de palavrão era menos comum naquele tempo.
Segundo a pesquisadora, as pessoas tinham muito menos privacidade naquela época. Não só dividiam a cama com mais pessoas na hora de dormir como também faziam suas necessidades em ambientes bem menos reclusos. “Eles tinham um senso de vergonha bem menos avançado”, diz Mohr.
Assim, palavrões sobre fezes — e mesmo sobre sexo — causavam poucos problemas. Por outro lado, ai de quem experimentasse dizer o santo nome de Deus em vão…
Em uma sociedade em que o sexo é tão usado como forma de dominação e demonstração de poder, não é surpreendente que a maior parte de nossos palavrões e ofensas gire em torno desses termos. Mas esse tipo de comportamento não vem de hoje.
Desde o Império Romano as palavras obscenas povoam as mentes e línguas das pessoas. Porém, Melissa Mohr explica que entre os romanos essa prática era um pouquinho diferente.
Os romanos não dividiam pessoas entre heterossexuais e homossexuais. Eles dividiam entre passivos e ativos. Então, o importante era ser o ativo.
A matéria da Superinteressante (clique aqui para ler na íntegra) explica ainda que esse reforço da posição de ativo/passivo remete a tempos ainda mais antigos que o Império Romano. Já entre homens pré-históricos, transar à força com mulheres garantia uma prole maior. Uma vantagem em termos evolutivos.
Já entre as mulheres, ser “fodida” sem o consentimento é ruim, já que ela precisa selecionar melhor os parceiros para ter poucos e bons filhos.
Portanto, quem “fode” levaria a vantagem sobre quem “é fodido”.
O mesmo vale, ainda segundo a Super, para relações entre homens do mesmo sexo. Em algumas espécies de animais, o estupro homossexual funciona como demonstração de dominância e poder. Isso acontece entre seres humanos, por exemplo, em situações de encarceramento, como cadeias.
Termos usados até hoje refletem esse tipo de lógica. Afinal, não é incomum um cara mandar outro “pegar no seu pau” ou “chupar minha rola”. Se o xingado seguisse a sugestão à risca, talvez não fosse tão bem recebido.
Ou talvez sim…
E finalmente chegamos ao assunto que motivou esse post. O âncora Ricardo Boechat perdeu a compostura durante transmissão de rádio na Band News FM. Após ser criticado pelo pastor Silas Malafaia, Boechat desafogou o peito de muita gente ao descarregar sobre o pastor uma série de “elogios”.
Porém, entre eles, repetiu por duas vezes para Malafaia “procurar uma rola”. Obviamente, ele não se referia ao animal.
O gesto, é claro, foi louvado por toda a internet. Porém, Boechat foi também acusado de homofobia, já que precisou do falo, talvez não o dele, para reforçar seu discurso.
É claro que esse tipo de xingamento reforça uma lógica machista e homofóbica, tão prejudicial para nossa sociedade. Tanto quanto uma torcida de futebol chamar a outra de “bambi”, por exemplo.
Porém, de forma isolada, é claro que o surto de Boechat não teve objetivo homofóbico.
Pode ter sido deselegante. Impensado. Mas ele apenas reflete uma tradição de palavrões e xingamentos tão arraigada em nossa cultura que é impossível não levar isso em consideração.
Claro que o assunto deve ser debatido.
Talvez seja a hora de cada um enxergar sua parcela de culpa em um sistema nefasto que incita ódio e preconceito.
Porém, se não fosse o termo chulo, talvez o esporro (olha aí a referência sexual de novo) de Boechat não tivesse alcançado a propagação que alcançou. E todo mundo tem o direito de perder a linha de vez em quando. Faz até bem.
Segundo uma pesquisa comandada pelo psicólogo Timothy Jay, do Massachusetts College of Liberal Arts, entre 0,3% e 0,7% das palavras proferidas por qualquer ser humano é um palavrão.
Ou seja, nós usamos esses termos com mais frequência do que imaginamos. Jay afirma ainda que falar palavrões pode gerar alívio emocional e da dor. Disse ele para o Discovery:
As pessoas têm um senso de catarse, elas se sentem melhores após usar esse tipo de linguagem. A maioria das pessoas olha para os palavrões como uma coisa ruim, que você não deveria dizer, sem se perguntar sobre os aspectos positivos deles.
Portanto, mesmo que digna de reprovação, a reação de Boechat precisa ser vista dentro de um contexto bem mais complexo do que pensamos. Antes de mudar nossos palavrões, precisamos mudar nossos tabus. E lutar contra a intolerância, o preconceito e o ódio é um dos caminhos para isso.