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Os projetos de Mike Portnoy fora do Dream Theater mostram que um veterano consegue aprender (e ensinar) novos truques

O moderno rock n’ roll – e, por consequência, os estilos dele derivados – é um assunto muito complicado de discutir. Aparentemente, é igualmente difícil para fãs e músicos compreenderem um negócio chamado TEMPO. O que não falta é preconceito com a maior parte da expressividade moderna do rock, como já discutido várias vezes aqui no JUDÃO, em textos como este, este e este aqui.

E, como já disse o Cardim, apesar da caretice de caras como o Gene Simmons, tem SIM gente que faz nos dias de hoje rock da mais alta qualidade, em várias esferas, escalas, e, bem, grandiosidade. Um desses caras é o baterista Mike Portnoy.

Portnoy foi o baterista do Dream Theater entre 1987 e 2010. Você já ouviu falar no Dream Theater, eu acho. Já ouviu que é música pra músico. Mas vou te dizer que mentiram pra você. Dream Theater é música pra todo mundo. Vá ouvir Images and Words, de 1992, e Metropolis Pt. 2: Scenes From a Memory, de 1999. E como eu sei que você tá aí resmungando que as músicas são longas demais e mimimis do gênero, vá ouvir A Change of Seasons, de 1994. Todos os quase 24 minutos dela. Vale a pena, eu juro.

No entanto, o propósito desse artigo não é apresentar o Dream Theater, uma banda que já tem um baita tempo de estrada – mas sim os projetos paralelos do Mike Portnoy... Que não são exatamente poucos. E que são modernos. Atuais. Contemporâneos. Provas de que um veterano ainda consegue aprender (e ensinar) novos truques.

O primeiro projeto relevante, surgido em 1997, foi o Liquid Tension Experiment. Os dois álbuns de rock progressivo instrumental contam com John Petrucci e Jordan Rudess, ambos do Dream Theater, na guitarra e nos teclados, respectivamente; Portnoy na bateria e Tony Levin, baixista do King Crimson (ALÔ VOCÊ que curte Rock Progressivo e nunca escutou o In The Court of the Crimson King: FAÇA-O). O Liquid Trio Experiment também teve Portnoy, Levin e Rudess... Mas o resultado não foi lá tão legal assim. Liquid Trio é meio meh. No entanto, das jams que foram parar no CD do Trio surgiram algumas músicas presentes no Liquid Tension Experiment 2.

Durante as gravações do Liquid Tension Experiment, Tony Levin ficou de saco cheio do Petrucci e do Portnoy quererem escrever tudo bonitinho e soltou um “SE A GENTE NÃO COMEÇAR A GRAVAR EM TRÊS MINUTOS EU VOU EMBORA”. Surgiram, daí, as cinco músicas de nome Three Minute Warning que fecham o primeiro CD da banda. E durante as gravações do Liquid Tension Experiment 2, a bolsa da esposa do guitarrista John Petrucci se rompeu e ele teve que deixar o estúdio. Daí o nome da música When the Water Breaks, que, inclusive, começa com choro de neném ao fundo.

Por fim, foi depois da saída do Petrucci pro hospital que Portnoy, Levin e Rudess continuaram fazendo a jam do que seria lançado depois como Liquid Trio Experiment, uma coisa um pouco mais improvisada e calcada no jazz.

O próximo supergrupo de Portnoy, seguindo a ordem cronológica dos fatos & dos álbuns, foi o Transatlantic, banda de rock progressivo formada por Portnoy, Neal Morse (Spock’s Beard – teclados e vocais), Pete Trewavas (Marillion – baixo) e Roine Stolt (The Flower Kings – guitarra/vocais). Pra começo de conversa, AQUI SIM eu até deixo você reclamar que algumas músicas são longas. Para se ter ideia, o álbum The Whirlwind, de 2009, tem uma única música, de mesmo nome, dividida em 12 partes, que totaliza 77 minutos e 54 segundos de música. É issaí mesmo: um álbum de uma (belíssima) música só!

Aliás, durante o show gravado para o CD ao vivo Transatlantic – Live at Shepherd’s Bush Empire, em Londres, em 2010, Portnoy fez um comentário engraçado a respeito. Basicamente, ao final da segunda música (All of the Above, do álbum SMPT:e, primeiro da banda, lançado em 2000), que, por acaso, tem módicos TRINTA MINUTOS, Portnoy pega o microfone e fala: “Hey, Londres! A gente tá tocando há DUAS HORAS e tocou duas músicas só. Legal, né?” e a galera vai à loucura.

O Transatlantic tem 4 álbuns de estúdio: os já citados SMPT:e e The Whirlwind, the 2000 e 2009, respectivamente; o Bridge Across Forever, de 2001, e o Kaleidoscope, de 2014. Eu quero que você me prometa que, se REALMENTE não conseguir lidar com rock progressivo de música longa e tal, você vai ao menos pegar o CD extra de covers que vem com o Kaleidoscope. Nem que seja só pra escutar covers belíssimos de Elton John, Yes e King Crimson.

Aí, corta pra 2011. Após a tristeza da saída do Dream Theater e ter passado pela gravação/turnê do álbum Nightmare com o Avenged Sevenfold no lugar do baterista The Rev, que havia falecido, Portnoy estava novamente órfão de banda. Eis que ele não aguenta ficar parado e se junta a Russell Allen (Symphony X) e Mike Orlando (carreira solo; trabalhos com caras com Zakk Wylde e Ron “Bumblefoot” Thal) pro que, à época, ele não quis chamar nem de “projeto paralelo” nem de “supergrupo”, alegando que seria a sua banda de fato: o Adrenaline Mob.

Após o lançamento de um EP homônimo, o Mob colocou na rua seu primeiro álbum: Omertà. O disco tem uma pegada mais heavy metal e bons hits, como Psychosane. No entanto, o brilho do negócio chama-se Russell Allen. MEU DEUS como esse cara canta. Ainda que a guitarra do Orlando seja virtuosa demais até pra este que vos fala, a voz do Allen faz o som ser sensacional. Fora que é tudo bem criativo e acessível, pesado mas podendo facilmente ser ouvido por quem não necessariamente gosta de heavy metal. Portnoy, no entanto, não ficaria muito tempo junto com os caras. Depois do ótimo EP de covers Covertá, com excelentes versões para Stand Up And Shout (Dio), Break On Through (The Doors), Barracuda (Heart) e The Mob Rules (Black Sabbath), entre outras, ele daria mais uma vez linha na pipa.

O motivo atenderia pelo nome de Flying Colors, mais um supergrupo surgido nos intervalos de uma de suas muitas atividades. Classificado como “pop progressivo”, este aqui tem uma lineup BASTANTE respeitável: Portnoy, claro, na bateria; Neal Morse, nos teclados e vocais; Steve Morse, guitarrista do Deep Purple, na guitarra; Dave LaRue, baixista GENIAL dos Dixie Dregs e do Planet X; e Casey McPherson, à época um ilustre desconhecido de todos mas amigo de Mike Portnoy, que acabou convidando-o para o grupo, para tomar conta dos vocais.

Agora eu quero que você preste bastante atenção: o primeiro CD do Flying Colors, auto-intitulado, é INCRÍVEL. Excelente do começo ao fim. Nota 10 em tudo! Extremamente criativo, bem composto, bem executado, tocado por alguns entre os melhores do mundo em seus respectivos instrumentos. Na minha opinião, foi o melhor álbum de rock lançado de 2000 até então – no caso, até 2012 (já explico). É realmente difícil falar mais sobre álbum. É muito bom. Mesmo. Eu juro. AH! O Portnoy até se arrisca nos vocais aqui. Não bastando ser o terceiro vocal em várias músicas, é ele quem canta em Fool in my Heart!

O segundo álbum da banda, Second Nature, lançado em 2014, encontrou problemas pelo padrão de comparação: é um bom CD. Mas só. A expectativa era TÃO alta, por conta da genialidade do primeiro álbum, que esse aqui passou até meio desapercebido pelos demais seres humanos. Foi uma pena. Mas a banda continua aí, firme e forte, e pode ser que tenhamos novos álbuns tão bons ou melhores que o primeiro nos próximos anos.

Bom, corta de novo pra 2012. Como se não bastasse a enorme quantidade de coisas que ele já faz (sério, que horas este sujeito dorme?), Mike Portnoy estava discutindo um projeto ainda sem nome com Billy Sheehan, baixista do Mr. Big, e John Sykes, guitarrista com passagens pelo Thin Lizzy e Whitesnake. No entanto, embora tudo ainda meio por debaixo dos panos, o projeto miou. Pouco tempo depois, soube-se que Portnoy e Sheehan mantiveram a ideia de gravar juntos e convidaram Richie Kotzen, guitarrista/vocalista com passagens pelo próprio Mr. Big e pelo Poison, além de uma respeitável carreira solo.

Em 2013, então, chegaria aos ouvidos dos homo sapiens o álbum The Winery Dogs. Se você já escutou alguma coisa do que eu disse lá em cima, você já estabeleceu certa confiança em mim. Mantenha-a, se gostar de hard rock: escute The Winery Dogs. Aquela pegada do hard rock oitentista tá aqui, em pleno esplendor – sem o teclado (normalmente) chatéssimo e o glitter. Meio Van Halen, meio Mr. Big... Esse tipo de coisa. Escute esta música aqui em cima. Vai.

De nada.

Agora chegamos, finalmente, à principal razão pra eu ter decidido falar sobre Portnoy: o novo álbum dos Dogs, lançado no começo de outubro, Hot Streak. Lembra que eu falei que, na minha opinião, o melhor álbum de rock lançado entre 2000 e 2012 foi o do Flying Colors? Pois é. O melhor desde então é esse aqui. Sério. São orgasmos auditivos. Muitos deles. É maravilhoso. Até as baladas obrigatórias funcionam bem, por conta da voz do Kotzen, da letra e, bem, da execução das melodias. E fique esperto, porque a tour deve passar pelo Brasil. Eles vieram em 2013, na turnê do primeiro álbum. Agora não deve ser diferente, creio. Ou espero. Ou os dois.

Embora eu tenha falado um tantão, não, eu não falei tudo. Mike Portnoy gravou CD com o Bigelf, embora não seja membro da banda; tocou com o Haken; tocou com o Stone Sour no Rock in Rio de 2013; fez turnê por aqui tocando com o Fates Warning; gravou com o Mastodon... E agora tá aí, junto do David Ellefson e mais um monte de gente (incluindo Phil Anselmo, do Pantera, e o eterno arroz de festa Andreas Kisser) num negócio muito bom chamado Metal Allegiance, reunindo grandes nomes do metaaaaaaaaaaaaal em canções inéditas.

Atualmente, ele está em turnê na bateria do Twisted Sister – a chamada série de shows de despedida do grupo, celebrando o legado do recentemente falecido baterista AJ Pero. Curiosamente, foi Pero quem substituiu Portnoy no Adrenaline Mob quando o sujeito resolveu sair... :(

Acho que você já entendeu que estamos diante de um workaholic assumido. E acho que você também percebeu o quanto foi boa, pra musicalidade desenvolvida por Portnoy AND pro o planeta Terra, a sua saída do Dream Theater.

Sobre o Dream Theater, bem... Mike Mangini é outro instrumentista incrível, então tá tudo bem por lá também. Esqueça de vez esta coisa de #VoltaPortnoy e deixa o camarada seguir a vida dele que tá bom demais. :D