Vítima do monopólio do Grupo Abril na distribuição em bancas, maior editora de quadrinhos no Brasil vai usar um modelo europeu por aqui
A Panini está tentando sair de um dos maiores problemas editoriais no Brasil: o monopólio na distribuição para as bancas. A partir desse mês, a editora está distribuindo as próprias publicações, em um formato inédito – ao menos nesta escala – no País. E não deixa de ser uma ótima surpresa: se der certo, vai ajudar a acabar com uma dominação que faz muito mal ao mercado editorial brasileiro.
Como você já sabe, a Panini é a maior editora de HQs por estas bandas. Além dos títulos de Marvel e DC, a empresa também é parceira da Mauricio de Sousa Produções, que, de acordo com a própria MSP, domina 80% do mercado no qual atua.
Só que isso esbarra em um grande problema. O Grupo Abril, aquele da editora, tem a única grande empresa que presta o serviço de distribuição em banca no Brasil, com a Total, que é o resultado da fusão da própria Total com a Dinap e a Chinaglia, esta última comprada pela Abril em 2007. Dessa forma, a empresa adota políticas agressivas em relação às outras editoras, diminuindo margens de lucro e dificultando a vida de toda publicação que não tiver uma arvorezinha verde na capa.
Em 2015, o JUDÃO já informava sobre os problemas desse monopólio no mercado de quadrinhos. Na época, como relatado pelo jornal Diário de S.Paulo, a então DGB Logística – resultado da fusão da Dinap com a Chinaglia, antes de ser incorporado à Total – estava oferecendo um esquema abusivo para editoras menores, com repasse de pagamentos QUATRO meses após a realização das vendas. Ou seja, o jornaleiro vende o gibi hoje, mas a editora recebe em dezembro.
Naquele momento, nenhuma editora quis se posicionar oficialmente sobre o assunto, por medo de represálias – incluindo a própria Panini. No entanto, uma fonte em uma delas confirmou o aumento dos prazos, mas que não chegava a ser de quatro meses. Além disso, a distribuidora estava parcelando os pagamentos. “As coisas estão bem complicadas. Não apenas eu, mas outros colegas de editoras estão pensando como fazer, se é melhor abandonar as bancas, ou achar formas melhores de atuar no mercado. As contas não batem”, disse a fonte, em 2015. Não por acaso, essa mesma editora acabou cancelando as revistas de banca.
A iniciativa da editora italiana chega para romper tudo isso. Em entrevista ao Universo HQ, o presidente da Panini Brasil, Eduardo Severo Martins, explicou que o novo modelo de distribuição se trata de uma “entrega direta”, com a própria editora enviando as publicações para os distribuidores regionais, que se encarregam de, efetivamente, levá-las para as bancas. “A entrega direta dos produtos aos distribuidores regionais é uma atividade que a empresa já faz em outros mercados, como a Espanha e a Alemanha”, explicou Martins. “A Panini não está criando uma nova distribuidora, mas apenas assumindo a entrega direta de seus produtos para serem entregues às bancas pelos distribuidores regionais”.
Durante o mês de Agosto, com o período de transição, são esperados possíveis atrasos, mas, de acordo com o presidente, a empresa pretende deixar tudo em dia até Setembro. “A Panini já faz a entrega direta de seus produtos às livrarias e lojas especializadas. Essa experiência nos deu subsídios para assumir a entrega direta para os distribuidores do canal bancas”.
Claro que agregar mais uma parte do processo, que antes era terceirizada, deve trazer novos custos para a Panini – principalmente pensando que o Brasil é enorme, muito maior que Alemanha ou Espanha. Ainda assim, não é difícil imaginar que, na ponta do lápis, a iniciativa fique mais barata para a editora. É que, como afirmou a nossa fonte lá em 2015, a distribuidora ficava com 53% do valor na capa da revista – mais da metade. E tem mais: se a venda gerasse menos que R$ 3.500, o editor ainda era obrigado a pagar uma multa para quem estava distribuindo. Tudo isso, pra Panini, ficou no passado.
Na prática, pouca coisa deve mudar para o leitor. Mesmo que a Panini tenha dificuldades para conseguir distribuir fora dos grandes centros, isso já era algo que acontecia pela Total. E uma redução de despesas, caso aconteça, dificilmente deve se repercutir em alguma queda de preço – na verdade, vai ajudar a empresa a ter um respiro e pagar as contas.
O ideal, mesmo, era não ter uma centralização – não, ao menos, um no qual uma maior editora controle, sozinha, a distribuição. Isso tem um nome: monopólio vertical. E aconteceu, por exemplo, no mercado do cinema dos EUA na primeira metade do século XX. Em 1945, os cinco grandes estúdios (Paramount, MGM, Warner, Fox e RKO) tinham 17% dos cinemas do país, que correspondiam a 45% do faturamento. Isso mesmo após o Departamento de Justiça entrar em acordo, em 1940, para que fosse diminuída a integração vertical. Na realidade, os grandes pouco ligavam para os recados do governo e queriam se perpetuar como grandes.
Veja: não era um monopólio, 100%, ainda que fossem importantes 45% da grana, mas era algo que repercutia em ações como a proibição e o bloqueio da exibição de filmes independentes, além de venderem filmes em bloco para os exibidores. Foi o suficiente para o governo e o judiciário entrarem efetivamente em cena em 1948, no caso United States v. Paramount Pictures. Várias práticas dos grandes estúdios foram proibidas, e eles se viram obrigados a separar ou vender as redes de exibidores que tinham.
Isso acabou com aqueles grandes estúdios, de certa forma. A RKO faliu, enquanto os outros quatro grandes viram seu tamanho muito reduzido e acabaram revendendo o seu catálogo de produções antigas para distribuidores de um negócio novo naqueles tempos, chamado “televisão”. Hollywood entrou em um período de decadência, sem glamour.
Por outro lado, os produtores independentes finalmente puderam florescer, as estrelas se tornaram peça ainda mais importante na hora de vender um filme e, nos anos 1970, finalmente descobriram o negócio que salvaria Hollywood: os blockbusters de verão. O resto, depois, é história.
Resumindo: a integração vertical no cinema dos EUA era bom apenas para CINCO e ruim para o resto. Acabar com ele foi doloroso, principalmente porque demorou a acontecer, mas, no longo prazo, os resultados foram bons para todo mundo.
Pena que, aqui no Brasil, o CADE (que cuida tem como finalidade justamente proteger o livre mercado), prefere ignorar isso e, inclusive, nem vê a existência de um monopólio no caso Total-Abril, já que aprovou a compra na Chinaglia lá em 2011.
Por aqui sempre preferem ver o controle e o dinheiro nas mãos de poucos. Ou de um.