Marvel Comics irá promover Civil War II no próximo ano, aproveitando o gancho dos cinemas – mas o conflito pode ser outro, e até mais interessante, além de atual
Nem foi tão surpresa assim – já havia informações desde outubro, pelo menos – mas a Marvel Comics confirmou que teremos no próximo ano o crossover Civil War II. Sim, uma segunda Guerra Civil dos quadrinhos, acompanhando a estreia de Capitão América: Guerra Civil quase que na mesma época.
Os roteiros desse novo crossover vão ficar com Brian Michael Bendis (que atualmente escreve o Homem de Ferro e o Homem-Aranha que atende pelo nome de Miles Morales) e com arte de David Marquez. Apesar da confirmação e da revelação da equipe criativa, nada foi dito sobre o enredo... Mas, pela primeira arte – a mesma que tinha rolado lá atrás – tá prometido um novo confronto entre o Homem de Ferro e o Capitão América (manto que, agora, é de Sam Wilson).
Num primeiro momento você pode pensar que tudo isso de Guerra Civil DOIS é caça-níquel, só pra lucrar com a popularidade da saga original E com o novo filme da Marvel Studios. ÓBVIO que é. A Casa das Ideias precisa pagar as contas, como todo mundo, e esse é um título forte. MAS, até pela escolha do roteirista, tá bem claro que ninguém quer fazer uma Guerras Secretas II (aka uma saga totalmente esquecível dos anos 80).
Quando Guerra Civil, a original, começou a ser publicada, em julho de 2006, o mundo e os EUA passavam por um momento complicado. Havia se passado quase cinco anos dos ataques do 11 de Setembro e as articulações de guerra do governo George W. Bush no Iraque e no Afeganistão já pareciam uma espiral de merda. Havia quem defendesse que aquele estado de alerta interminável e de autovigilância tinha se tornando uma parte importante do dia-a-dia dos americanos. No sentido oposto, tinha aqueles que acreditavam que tudo isso ia contra os ideais de liberdade que levaram à fundação do país.
Esse choque de ideias, de posicionamento opostos, acabou se tornando a inspiração para o crossover original, escrito por Mark Millar, desenhado por Steven McNiven e que colocou Homem de Ferro contra o Capitão América. Quem era a favor da existência de um Registro e do controle de Super-Humanos contra quem acreditava que controle e registro apenas mascaram governos totalitários. Foi uma grande alegoria pro mundo.
Se passaram quase 10 anos. O governo Bush acabou e a esperança num outro caminho fez Barack Obama presidente. Muita coisa evoluiu, mas também o Estado Islâmico, novos problemas, velhos problemas... E, com as eleições presidenciais acontecendo em 2016, os Estados Unidos estão divididos mais uma vez.
Nesse contexto, é fácil imaginar que Bendis, um ótimo roteirista, queira transformar a Guerra Civil II em uma nova alegoria pro atual momento do país – dividindo as pessoas entre os dois lados distintos. “A parte divertida de Guerra Civil era que as edições envolviam não só heróis divididos, mas elas também dividiram os fãs, pra não dizer as equipes criativas”, comentou o editor Tom Brevoort ao site oficial da Marvel. “A tentativa era criar um conflito no qual cada lado tinha um argumento e uma posição defensáveis, então o leitor poderia fundamentalmente concordar com qualquer um dos lados, sem ser totalmente pintado como estando certo ou errado. Enquanto as edições vão desenvolver de forma diferente, vamos ter a mesma abordagem com Civil War II”.
Nesse cenário pós-Secret Wars, na fase All-New Marvel, dá pra começar a ter uma ideia um pouco mais concreta do que será feito no novo crossover. Um dos lados, por exemplo, está se desenhando no gibi Captain America: Sam Wilson, sobre o qual também já falamos aqui no JUDÃO. Basicamente, Wilson rompeu com a SHIELD e resolveu se aproximar mais dos conflitos no dia a dia das pessoas, em conflitos sociais, começando por uma questão de imigração clandestina de mexicanos aos EUA – o que levou a bater de frente com Steve Rogers, o antigo (e agora velho, sem o Soro do Supersoldado) Capitão América.
Além disso, é revelado que Wilson ajudou um hacktivista chamado Whisperer, que vazou informações secretas da SHIELD para o público, revelando o Kobik Program – um projeto para unir diversos fragmentos do Cubo Cósmico em um só que, de acordo com o cara, seria usado para planos criminosos. A SHIELD, claro, quer prender o Whisperer, o que coloca Sam Wilson contra Steve Rogers, que defende que o hacker deve pagar pelos seus crimes, por mais que suas atitudes tenham tido boas intenções.
Perceba já aí duas grandes nuances desse mundo atual: a crise da imigração, que assola a Europa e é motivo de debate entre o governo e pré-candidatos Republicanos nos EUA, com Donald Trumpo cogitando o fim da entrada de muçulmanos nos EUA, mesmo que como turistas; e as informações divulgadas pelo Edward Snowden em 2013.
No lado do Homem de Ferro, o tom político também está presente. Invincible Iron Man #1, que acaba de iniciar a nova fase escrita por Bendis e (veja só!) desenhada por Marquez, vemos Tony Stark sendo avisado de um confronto armado no antigo Castelo do Dr. Destino, na Latveria, que tá no caos desde o fim de Secret Wars. Lá, o herói encontra um grupo de revolucionários que quer dominar o país. Pra piorar, parece que Victor Von Doom não está tão morto assim...
Ainda é muito pouco pra saber qual caminho vão escolher, mas essa questão de apoiar revolucionários que querem derrubar um ditador, ou apoiar um ditador de interesse que quer esmagar revolucionários é uma prática comum dentro da política externa dos EUA. Aconteceu no Vietnam, no Afeganistão, acontece hoje na Síria... Mais uma vez, um link com o nosso mundo.
Pra reforçar isso, já sabemos que o segundo título mensal do Ferroman será INTERNATIONAL Iron Man, justamente com o herói saindo por aí não pra salvar só uma cidade ou um país, mas todo o mundo.
Não é difícil imaginar que essa mistura de “refugiados + informações da SHIELD” e “envolvimento numa revolução num país politicamente importante + se meter na política de outros países” faça o novo Capitão América cruzar o caminho com o Homem de Ferro. Mas, ainda assim, estamos falando de super-heróis, de fantasia. Ainda vai existir um grande estopim, algo que eleve o conflito a algo importante entre esses seres superpoderosos, como rolou na Guerra Civil original. E, o grande plot twist aqui, é possível que o Steve Rogers fique ao lado do Homem de Ferro e contra o velho amigo ex-Falcão, tendo em vista essas primeiras edições de Captain America: Sam Wilson.
Talvez um novo registro, pra controlar as ações de heróis que queiram se meter em conflitos pelo mundo? Um grande acidente na Latveria? Informações secretas que revelem um uso mais polêmico para o Cubo Cósmico? Bom, aí tudo vai depender da imaginação do Bendis.
O importante, nisso tudo, é que os quadrinhos da Marvel continuam extremamente atuais, fazendo todo mundo refletir sobre suas atitudes e sobre o mundo que quer para o futuro – não importando de que lado está nessa briga. E ainda tem gente que realmente acredita que a cultura pop tem nada a ver com política... :)
Ainda não há uma data oficial, mas Civil War II deve começar a ser publicada em maio.