A invasão das DC Super Hero Girls tá só começando | JUDAO.com.br

Vai ter boneca, vai ter bonequinho e vai ter até o primeiro filme animado das personagens, no caminho certo para afundar ainda mais o domínio que parecia eterno da Barbie

Em 2015, a Mattel, aquela mesma da Barbie, realizou uma pesquisa para entender quem era o principal público consumidor de seus produtos na área de action figures – os populares “bonequinhos” ou, como os tiozões grisalhos como eu costumavam chamar, “hominhos”. Bom, o resultado trazia um dado bem interessante: 9% dos compradores eram garotas. E este é um número que vem crescendo ano após ano, mesmo que filmes, séries de TV e gibis de ação não costumem ter o público feminino como alvo. E agora, José?

“Todo mundo parecia ignorar isso até pouco tempo atrás mas, surpresa, o mundo mudou”, disse Jim Silver, editor do site de memorabilia TTPM.com. “As barreiras de gênero estão caindo, e agora é mais fácil ver garotas brincando com Hot Wheels e garotos brincando com forninhos de plástico. Sem problema algum. Quem foi que disse que as meninas não podem salvar o mundo?”. Bom, se tem alguém que parece estar acreditando 100% nesta premissa é a DC, parceira da Mattel no projeto DC Super Hero Girls.

Anunciada oficialmente na época da San Diego Comic-Con do ano passado, a iniciativa foi criada com o objetivo de oferecer mais diversidade em um universo dominado por propriedades focadas no público masculino. De acordo com Diane Nelson – que, além de presidente da DC Entertainment, também é presidente da Warner Bros. Consumer Products e presidente da Warner Bros. Interactive Entertainment – a intenção foi se focar nas versões adolescentes das super-heroínas para oferecer personagens e modelos de comportamento que as meninas entre seis e doze anos, fanáticas pelo universo das HQs, nunca tiveram antes.

Em entrevista para a Fortune, Nelson lembra que as Super Hero Girls começaram com alguns curtas animados no YouTube, além de um especial de 1h no Cartoon Network / Boomerang e um gibi distribuído durante o Free Comic Book Day. Mas vem muito mais por aí. “Agora serão lançadas as bonecas, os action figures, os livros, os apps e o filme direto para o mercado de vídeo”, explica.

Sim, sim, o longa Hero of the Year, produção da Warner Brothers Animation, chega ao mercado no dia 9 de agosto em Digital HD e no dia 23 de agosto em DVD – e o primeiro trailer acaba de ser lançado.

A trama vai se focar, claro, no elenco principal: Mulher-Maravilha, Batgirl, Supergirl, Arlequina, Hera Venenosa, Katana e Abelha, que estudam juntas em uma escola para super-heróis cuja diretora é ninguém menos do que Amanda Waller. Ao invés de se focar em namoricos, em paixões platônicas pelo crush da vez, como costumava ser comum em produções do gênero, tudo que elas querem é chutar muitas bundas, exatamente como suas contrapartes masculinas. Desta vez, a grande vilã é ninguém menos do que a versão feminina de Eclipso, encarnação da fúria e da vingança que durante algum tempo tomou o corpo de Jean Loring, a ex-mulher de Ray Palmer, o Átomo. Pelo trailer, dá pra ver que darão as caras as versões teen de heróis e heroínas como Cyborg, Mutano, Lanterna Verde, Grande Barda, Miss Marte e Mulher-Gato.

“A DC tem um rico elenco de personagens femininas, tanto heroínas quanto vilãs, que inspiraram e empoderaram meninas e jovens mulheres ao longo de décadas. Das icônicas Mulher-Maravilha e Supergirl, passando pelas complexas mas interessantíssimas Arlequina e Mulher-Gato, tem sempre uma personagem com a qual cada garota possa se relacionar, não importa em que estágio da vida elas estejam”, opina Diane. “Em algumas de nossas HQs, a Hera e a Arlequina são vilãs mas, na escola, elas estão descobrindo suas forças e fraquezas ao lado das heroínas. Se olhamos para o Batman e para o Superman, existem adaptações que conversam com os meninos de seis anos e outras que falam ao coração dos quarentões. Eu espero que as garotas consigam, com esta série, o tipo de relação que escuto de qualquer outro fanboy”.

O visual das personagens foi inteiramente desenvolvido pela Mattel, mas com orientações criativas muito claras: nada de exagerar no rosa. “Se você andar pela área de brinquedos para meninas em uma loja, tudo vai ser rosa”, reclama Diane. “Queríamos que a paleta de cores refletisse as super-heroínas da DC. Temos dourado, verde, vermelho – que pulam das prateleiras em um mundo dominado por cor de rosa. Além disso, os uniformes são práticos, ao invés dos maiôs e saltos altos que costumamos ver nas versões mais adultas dos gibis”.

Christine Kim, uma das líderes da equipe de desenvolvedoras de bonecos na Mattel, revela que as pesquisas com consumidoras feitas durante a fase prévia mostraram que elas não queriam que as super-heroínas fossem muito “menininhas”, o que foi um problema com relação aos primeiros modelos que surgiram. Uma garota, por exemplo, disse que as personagens pareciam mais “bonitinhas do que super-heroínas”. Outra questionou o quanto o cachecol que a Hera Venenosa usava no pescoço podia atrapalhar numa luta. E a Mulher-Maravilha, coitada, foi apontada como sendo “muito magrela e pouco atlética”. De volta para a prancheta, então.

As referências acabaram sendo ginastas, dançarinas e jogadoras de basquete para que as bonecas tivessem versões um pouco mais musculares. “Queríamos que elas fossem fortes, com o corpo bem definido, mas sem esquecer que elas ainda estão na escola, então não estão tão amadurecidas assim”, explicou Kim. “Só que, no fim das contas, elas têm que parecer que vão salvar o dia ao invés de serem salvas”.

A invasão de produtos licenciados começa oficialmente em julho – mas alguns testes foram feitos nos EUA com brinquedos como o escudo e os braceletes da Mulher-Maravilha nas lojas de departamentos Target. De acordo com Diane Nelson, as vendas estão sendo “incríveis” e todos os revendedores parceiros estão loucos para colocar as mãos nas mais de 30 categorias de produtos. Este número promete se expandir para 70 categorias conforme o lançamento for acontecendo em cerca de 35 mercados diferentes em todo o mundo. “Nossa divisão de produtos de consumo representa um negócio de cerca de US$ 6 bilhões”, abre ela. “A marca DC representa por volta de metade disso. Nossas projeções indicam que, como marca, DC Super Hero Girls pode se tornar algo maior do que US$ 1 bilhão”.

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Para a Mattel, ter as DC Super Hero Girls em sua linha de produtos significa uma vitória e tanto, especialmente num momento em que a popularidade da Barbie é cada vez mais colocada em cheque. As vendas da boneca platinada que outrora foi sinônimo de brinquedo ideal para meninas caíram 21% no quarto trimestre de 2014, por exemplo, e contribuíram para que a Mattel tivesse um lucro líquido 60% menor do que no período anterior. As ações da empresa chegaram a cair 11%, chegando ao menor valor em três anos e ocasionando a demissão do presidente-executivo e presidente do conselho, Bryan Stockton.

As principais porradas que a Barbie anda tomando, aliás, vieram de dentro da própria Mattel: as bonecas do fenômeno Frozen, da Disney, com a princesa Elsa e seus superpoderes, e a linha Monster High, estrelada pelas filhas de personagens clássicos dos filmes de terror como Drácula, Frankenstein, Múmia e Lobisomem. Quando a fabricante de brinquedos fez uma pesquisa para medir os efeitos do marketing de busca paga para a marca Monster High em alguns mercados-teste durante o período de 13 semanas, a empresa notou um aumento de 3% nas vendas das bonecas assustadoras. Legal. Mas isso nitidamente canibalizando as vendas da própria Barbie.

Em entrevista ao Daily Beast, a devotada colecionadora Nikeeyia Howell talvez tenha uma razão coerente para o sucesso de Monster High e da aposta que a DC está fazendo sobre as DC Super Hero Girls. “Com as Monster High, eles não estão vendendo apenas uma boneca, mas sim uma ambientação inteira, uma narrativa completa”, explica, lembrando que existe uma história por trás da linha de bonecas: as relações entre elas, seus gostos pessoais, quem são seus amigos e suas famílias. “A Barbie não tem uma narrativa linear. Talvez as crianças estejam cansadas de dezenas de Barbies diferentes ocupando seus universos paralelos”, relembra, mencionando que Barbies enfermeiras, médicas, veterinárias e afins não criam uma única trama entre elas: são apenas variações de um mesmo tema, com uma roupa diferente.

Justamente por isso, além de criar Barbies com uma aparência menos idealizada e mais real, com corpos, cores de pele e tipos de cabelo diferentes e mais próximos das mulheres de verdade, a Mattel também está investindo em lançar pacotes diferentes, com linhas de bonecas diretamente relacionadas às histórias dos muitos longas animados diretamente para DVD que vem produzindo, como Super Princesa (na qual ela é, vejam vocês, uma super-heroína que tem que salvar o dia), Rainhas do Rock e Vida de Sereia.

Antes que fossem anunciadas publicamente, as DC Super Hero Girls foram apresentadas no quartel-general da Mattel justamente para algumas das maiores críticas da Barbie: blogueiras, jornalistas e acadêmicas, todas bem alinhadas com o feminismo. Entre elas, estava a escritora Melissa Atkins Wardy, autora do livro Redefining Girly: How Parents Can Fight the Stereotyping and Sexualizing of Girlhood, from Birth to Tween. Uma pessoa que sempre se posicionou contra a Mattel ao longo dos anos. Para a Bloomberg, ela conta que chegou ao encontro esperando se decepcionar de primeira. Mas quando teve a chance de ver os brinquedos... “Senti que era tudo pelo que a gente vinha lutando nos últimos anos”, disse. “Tudo representado diretamente no tônus muscular das bonecas”.