Pro Netflix, a guerra pela sua atenção é com o Fortnite | JUDAO.com.br

E o pior é que a declaração do gigante do streaming aos seus acionistas faz um baita sentido

A gente sabe que esta coisa toda de economiquês é chata pra dedéu, todo mundo concorda, até mesmo quem ganha a vida fazendo fórmulas sem fim em planilhas do GDocs. Mas aí a gente preciso um mínimo deste mundo pra falar sobre certos aspectos da cultura pop, por exemplo. Afinal, na maioria dos casos, estamos lidando com empresas gigantescas, globais, monstruosas, que num jogo de videogame futurista seriam responsáveis pelo governo do mundo, tipo um Netflix da vida que, em carta aberta aos seus acionistas liberada no finalzinho da semana passada, anunciou que chegou à marca de 139 milhões de assinantes em 2018, com uma receita anual de US$ 16 bilhões.

Como a gente sabe disso? Então: Netflix é, desde 2002, uma empresa de capital aberto. Isso significa que eles são, de acordo com a explicação estruturada da Wikipédia, uma “sociedade anônima cujo capital social é formado por ações — títulos que representam partes ideais — livremente negociadas no mercado sem necessidade de escrituração pública de propriedade”. Como empresa de capital aberto, portanto, eles têm que reportar os seus resultados aos acionistas. E foi o que fizeram com ESTE documento.

Um documento enviado ANTES das indicações de ROMA ao Oscar (que com certeza se tornaria destaque na área reservada a “Content”) e que, entre muitos números e tabelas, reserva um posicionamento bastante interessante, ali na pequena parte de “Competition”. Na breve análise sobre quem eles acreditam e tratam como sendo seus maiores concorrentes, veio a frase que repercutiu pra caramba na imprensa especializada: “nós competimos (e perdemos) mais para o Fortnite do que para a HBO”.

Virou polêmica, teve gente tratando como um “óóóóóóóó, como assim, que absurdo, isso é cagar e andar pra concorrência, é muito salto alto”. Mas não. Isso é só uma empresa que entende EXATAMENTE o que é e o que NÃO é. E vale lembrar que, apesar do conteúdo, o Netflix não se enxerga (e nem deveria) como um canal de TV tradicional. Eis o ponto.

Antes de qualquer coisa, a turma lá de Los Gatos se entende de maneira inteligente como uma empresa de tecnologia. É isso que eles são. Um provedor de conteúdo, cada vez mais interessado em produzir conteúdo original para evitar a dependência de uma Disney da vida, por exemplo, que resolveu fazer o seu próprio serviço de streaming e tá carregando aos poucos suas propriedades para lá. O que eles querem é bom conteúdo, com uma interface de produto simples e fácil de usar e um algoritmo afiadíssimo para poder oferecer esse conteúdo cada vez mais certo para as pessoas certas, fazendo com que elas passem cada vez mais tempo ali, conectadas, dando um play depois do outro.

Por maior que seja a HBO com seu Game of Thrones, não é ali que o Netflix enquanto HUB DE ENTRETENIMENTO tá interessado. “Nós ganhamos quando garantimos tempo de tela do consumidor, tanto mobile quanto televisão, e temos uma grande variedade de competidores”, diz a empresa no documento. E “tempo de tela” é algo que inclui não apenas o hábito de ver séries e filmes, mas também ficar adicionando coisas na sua lista, rodar a sua timeline das redes sociais ou mesmo jogar videogame. É este tempo que o Netflix quer ganhar. “Quando o YouTube caiu por um curto período de tempo em outubro, nossas visualizações e novas assinaturas tiveram um pico no período”, complementa o texto. Adivinha qual é um dos conteúdos mais consumidos dentro do YouTube atualmente? Gameplays. Sacou?

Obviamente é aí que entra o Fortnite, este fenômeno criado pela Epic Games em 2015 e que, em 2017, se tornou gratuito. Na real, estamos falando de três módulos diferentes: o Save the World, que é um jogo de sobrevivência cooperativo contra criaturas meio zumbificadas; Creative, que dá liberdade total aos jogadores para criarem seus próprios mundos e arenas de batalha; e o Battle Royale, no qual os jogadores lutam, em grupos de até 100 participantes, para ver quem é o último a sobreviver. Este último formato é a grande galinha dos ovos de ouro dos caras, disponível para ser jogado também via iOS e Android, com a quantidade mais absurda de jogadores. Joguinho de graça. O que o Netflix quer, com seus 139 milhões de assinantes em 2018, é roubar parte dos mais de 200 milhões de jogadores declarados de Fortnite, o maior jogo gratuito do planeta.

Eles não tão preocupados com você vendo Game of Thrones — eles querem que você, no busão, ao invés de lutar pela sobrevivência em Fortnite, faça uso da plataforma de entretenimento deles. Ou alguém aí acha que a narrativa interativa e metalinguística de Bandersnatch foi à toa? Ou alguém aí acha que esta vai ser a última iniciativa do gênero dos caras? ;)

“Nosso foco não é no Disney+, na Amazon ou em outros, mas em como podemos incrementar nossa experiência para nossos usuários”, encerram eles. BINGO.