A imagem do cantor sertanejo agonizou por horas na tela da TV e um PM atirou em suspeitos à queima roupa ao vivo. E daí?
Em uma semana onde a TV aberta deu show de jornalismo, só que ao contrário, não dá pra fugir muito do assunto. Na terça, Datena, da Band, e Rezende, da Record, narraram ao vivo uma perseguição policial que culminou em um soldado atirando à queima roupa em dois suspeitos que já estavam rendidos.
Tudo isso, claro, fartamente ilustrado por tomadas aéreas e narração tensa, saciando, assim, a sede de sangue notícia de parte de sua audiência.
Na quarta, mais um espetáculo travestido de conteúdo noticioso, desta vez com adesão da Globo, que até derrubou a tradicional Sessão da Tarde para cobrir, sem muita interrupção, cada partícula de novidade que surgia sobre o acidente que matou o sertanejo Cristiano Araújo.
Vale lembrar que tal formato de cobertura já havia sido testado pelo canal carioca nos protestos de março deste ano, em um domingo, dia mais nobre da programação televisiva nacional.
Não deveria, mas vou seguir viagem e ignorar aqui o que não se pode ignorar, o fato das TVs serem concessões públicas e, portanto, terem obrigação de se abster de postura ideológica, além do telhado de vidro inerente à bagaça, umas vez que podem ser cobradas, devido à sua qualidade, por qualquer cidadão, e não o contrário.
Afinal de contas, onde o noticiário da TV aberta quer chegar, uma vez que decidiu tomar essa estrada de destino barulhento, mas incerto?
Esse tweet do Dave Pell, um dos caras mais legais para seguir no Twitter, a mente por trás do Next Draft, sintetiza bem o que temos acompanhado no noticiário: a notícia sai antes na internet, mas a TV tenta “guardar” para exibir de forma oficial, de acordo com seu próprio calendário. Fazer essas coberturas de urgência duvidosa, ao vivo, pelo tempo desnecessário que forem necessárias, é mais uma face dessa busca inglória pela “propriedade” da notícia.
Tenho aí meus 15 anos de serviços prestados, para alguns, imprestável, à comunicação do Brasew e, por consequência, algumas crenças. Uma delas é que o tipo de audiência que surge em coberturas desta natureza vem na base da inércia emotiva e pouco agrega ao cotidiano do veículo em questão, morta de capacidade de debate que é, seja pelas lágrimas de emoção ou baba de raiva que escorrem de sua face. O estrago que a prática proporciona, no entanto, é enorme. Só abrir o Facebook e ver. ;)
O jornalismo televisivo, no entanto, ainda busca imprimir uma certa marca de exclusivismo, mesmo estando invariavelmente atrás, pelo menos no tempo, em relação à internet, como sempre esteve, aliás, em relação ao rádio, mas este nunca lhe diminuiu volume importante de audiência ou mesmo de anunciantes.
Então, o que resta à TV? Desistir do hard news? Manter o teatro?
Acredito que o caminho é permanecer dando a notícia, mas arrematando editorialmente as principais manchetes. Esse arremate pode ser didático, direcionado a contextualizar informações, mas além do infográfico. A explicação deve ter um rosto. O Fantástico, da Globo, tem ido por esse caminho, vez por outra, e, quando o faz, me agrada bastante.
Outra possibilidade de arremate é assumir que a tal imparcialidade jornalística, tão judiada atualmente, está descartada. A partir daí, é importante que os editoriais ou colunas sejam feitos a partir de informações reais e não de achismos ou de mera idiossincrasia. As colunas do Bob Fernandes, no Jornal da Gazeta, são ótimo exemplo desse mote.
A profusão de programas de debate recheados de informações quentes ou que, pelo menos, cheiram a novidade, do frescor do Navegador, da GloboNews, ao formador de caráter Linha de Passe, da ESPN Brasil, também dão um tom interessante a essa dinâmica. Gente que ama os temas que comenta sempre vai despertar interesse no público. Comigo, funciona que é uma beleza.
Pensar naquela tela da Bloomberg, cheia de elementos simultaneamente dispostos para consumo da audiência, parece uma visão paleolítica, mas, pensando bem, conceitualmente não é tão diferente assim da fileira de abas em nossos navegadores.
Aliás, da CNN à Fox Sports, seja para exibir tweets da audiência ou para auxiliar na “navegação” do programa, os GCs em tempo real ainda quebram o galho do hard news enquanto rola a falação opinativa. Há, portanto, a notícia e o interlocutor coexistindo.
Os jornais e revistas sempre trabalharam assim, a mídia de papel tem essa vocação. Artigos e reportagens se amparam e constroem a reputação de uma publicação. A Galileu, por exemplo, sob o slogan “exercite sua curiosidade”, deu uma guinada muito interessante do ano passado pra cá e a Piauí é uma que não perde a excelência.
Pra fechar, portanto, seja qual for o caminho escolhido, uma coisa apenas não pode ser esquecida: o zelo pela credibilidade. Ano passado, Xico Sá pagou o pato na Folha de S. Paulo por ter defendido que o jornal assumisse publicamente sua postura editorial durante as eleições presidenciais. E esse é o tipo de história que não pode mais se repetir. A ombuds(wo)man do jornal falou muito bem sobre essa questão.
O preço pode ser alto, a custo de assinaturas do jornal com 18 ou mais anos de vida serem canceladas. Como a minha, neste caso.
Aliás, foi também ponto para a concorrência. Xico escreve agora para o El País Brasil e suas colunas semanalmente estão entre as publicações mais vistas do veículo.
¯\_(ツ)_/¯
Pra não dizer que não falei das flores jovens de nosso jardim, indico aqui dois projetos que tão brotando e espero que tenham fôlego pra seguir viagem nesta dura funça de renovar o cenário praticando o bom e velho jornalismo: o Brio e o Elástica.
Passando a régua, aliás, fica também o convite óbvio: voltem sempre. A casa judônica é vossa. :)