Quatro anos e cinco volumes depois, se fecha um ciclo para Mayara & Annabelle | JUDAO.com.br

Em entrevista ao JUDAO.com.br, o roteirista Pablo Casado explica um pouco mais sobre passado, presente e o futuro, ainda indefinido, da dupla que conquistou uma boa e inesperada fatia de leitores

Dá pra dizer que a dupla Mayara & Annabelle, que não toca sertanejo mas sim o terror contra demônios e demais criaturas sobrenaturais, é meio que sinônimo de Comic Con Experience pra gente aqui do JUDAO.com.br. Lá em 2014, na primeira edição do evento, a dupla Pablo Casado e Talles Rodrigues tinha acabado de sair de uma bem-sucedida campanha de financiamento coletivo e tava lançando a 1a edição com as aventuras das duas funcionárias públicas, uma ninja e uma maga.

Na época eles diziam, em entrevista pra nós, ter a ambição de transformar a obra em uma HQ contínua, seriada, ao invés de fechar em um único especial. “Se nós vamos conseguir, são outros quinhentos. Mas queremos tentar. Estamos bancando o gibi do próprio bolso e esperando que as vendas empatem os custos e, se tudo der certo, garantam a impressão do volume 2”, apostou o Pablo.

Eis que agora em 2018, quinta edição da feira, lá estão eles novamente — provando que deu tudo certo e, além de garantir a impressão do volume 2, suas campanhas no Catarse garantiram anualmente a produção de mais outros três volumes, chegando no quinto que eles agora lançam, teimosamente, na comic con deste ano.

“Acho que a maior recompensa para quem já acompanha a série seja poder ler a conclusão desse primeiro arco. Quantos quadrinhos seriados brasileiros não ficaram pelo caminho, né?”, afirma o roteirista, numa nova conversa com a gente. “Mas sim, acrescentamos umas coisas novas que esperamos que deixem os leitores pirados – até pra que voltem depois pra saber no que vai dar”.

Na trama, digamos que dá pra sentir uma pitadinha de realidade, ainda que dolorida, em meio ao cenário fantasioso: o subsecretário da Secretaria de Controle de Atividades Fora do Comum de São Paulo se revelou um demônio. Munido de uma das joias do exército, artefato místico usado pelos militares durante a Ditadura, abriu um portal para o inferno e trouxe um exército de suas profundezas. E enquanto a maior cidade do país está prestes a sofrer um golpe de estado infernal, Mayara luta contra Annabelle, que está possuída por um youkai. Com pouco tempo e muita coisa em jogo, sacrifícios terão que ser feitos se elas quiserem vencer — e nada será o mesmo depois disso.

“Dito isso, o volume cinco não termina em cliffhanger nem nada”, explica o autor. “A última página encerra mesmo o que demos início em 2014”. Isso significa, portanto, que não teremos mais Mayara & Annabelle? Não, nada disso. Mas... “Sem uma editora, continuar com um volume por ano vai nos deixar malucos e acabar com os espaços nas nossas casas, hahaha. Por isso nossos planos ainda estão meio indefinidos”, diz. “As aventuras das meninas vão continuar, até porque ainda temos histórias pra contar, só estamos vendo como”.

Um mistério, aliás, que deve fazer uma base de fãs roer as unhas em antecipação. Sim, pois é, já dá pra dizer que eles têm mesmo o seu próprio séquito de leitores fiéis. Quando visitamos a mesa da dupla na comic con, na última quinta-feira (6), pudemos presenciar uma garota se aproximar e dizer “vocês são uma baita inspiração pra mim, adoro vocês, lendo as meninas eu comecei a fazer meus próprios gibis”. Já no nosso Instagram, quando começamos a fazer uma cobertura do artistas expondo no Artists Alley, as pessoas pediram nominalmente que colássemos lá pra falar com eles.

“A gente tem uma fanbase bem sólida e que vai se renovando à medida que novos volumes saem e quando vamos aos eventos”, confirma Pablo, com empolgação. “Os volumes 1 e 2 esgotaram nos últimos dois anos e rodamos mais, porque eles são os que mais saem nos eventos. Nossos leitores mais antigos sempre estão falando da série pra novas pessoas, e são estas que aparecem. Só estamos aqui por causa do boca a boca que vai além do Catarse. E a relação dos leitores é um negócio que até hoje deixa a gente feliz demais”. Ele diz que o público feminino e LGBT abraçou demais as duas personagens e afirma, sem medo de errar: “quem acompanha a série não o faz pelo Talles e pelo Pablo, mas por causa da Mayara e da Annabelle. Elas são maiores que nós e isso é foda”.

Ele diz que que o financiamento coletivo hoje, no Brasil, é a melhor alternativa pro autor independente que quer levar adiante um projeto seriado. “Eu cresci comprando gibi mensalmente em banca, então é uma sensação muito bacana poder replicar de forma anual o formato seriado. Agora, claro, como qualquer projeto de crowdfunding, não dá pra dizer que vai funcionar pra todo mundo”, opina, já dando a dica. “Esses dias, fiz um levantamento por alto de publicações seriadas de 2010 pra cá: são cerca de 14, das quais 5 passaram em algum momento pelo Catarse; em ‘algum momento’ porque, por exemplo, o Tools Challenge do Max Andrade teve os dois primeiros volumes financiados no Catarse e do terceiro em diante foi pra [Editora] Draco”.

Pode servir de vitrine? Pode. Mas não se engane, querido aspirante a quadrinista: também pode ser apenas mais um passo pra você continuar, como eles, fazendo todo o trabalho, do início ao fim.

Ainda assim, é inegável que as personagens são exemplo de sucesso numa plataforma de financiamento coletivo — e quando pergunto, Pablo não sabe dizer muito bem qual é o segredo para encaixar uma campanha certeira. “Se tem algum segredo, a gente ainda não descobriu, hahaha”. Mas ele arrisca um palpite: o principal, em se tratando de financiamento coletivo, é saber até onde você pode ir e cumprir com o prometido.

“Então não é só produzir uma HQ que as pessoas curtam, mas entregar num prazo adequado, por exemplo. O processo precisa ser transparente. São coisas bem óbvias. O problema é que dá muito trabalho”, confessa. “E às vezes a ficha só cai quando você tem que ir aos Correios enviar mais de 200 recompensas no mesmo dia”.

Apesar de estarmos falando de dois fanáticos pelo impresso, que neste momento é também uma forma de ter retorno financeiro direto (vendeu um exemplar, entra uma grana, ainda que pouca), ele e Talles não descartam nada daqui pra frente — vai que uma sobrevida online é viável?

“Claro, quando começamos não havia o financiamento recorrente nos moldes atuais”, pondera, lembrando do modelo que a gente aqui no JUDAO.com.br usa (aliás... já assinou?). “Por sermos independentes e cuidarmos de todas as etapas do processo de produção, é uma alternativa que estamos considerando”.

De qualquer forma, o recado tá dado: “o formato atual se encerra com a campanha do volume 5”. Não que o mesmo possa ser dito da relação deles com a comic con paulistana. Mas a regra e a tradição dos volumes anuais finalmente vai ser quebrada. Como um feitiço. Que pode muito bem ser seguido de novas e empolgantes palavras mágicas.