Pode dizer que eu sou um sonhador, mas não sou o único
Imagine uma sociedade onde ir atrás de ter mais, o melhor, o mais foda, o incrível, seja o tom.
Imagine que nada que compõe esse melhor seja, de fato, essencial.
Imagine que, para a gente ter o melhor, alguns terão que ser escravizados ou mesmo mortos.
Imagine só a gente correndo atrás de ser tão foda quanto aquele(a) atleta/ator/modelo/youtuber/empresário/empreendedor/chef.
Imagine a gente, todos nós, acelerando para ser melhor que nosso vizinho de quarto, apê, casa, escritório, baia, mesa, banco do busão/metrô/trem/lotação.
Imagine que, para a gente se sentir melhor, achar um ídolo que resolva com meia dúzia de frases de efeito todos os problemas do mundo, pareça, de fato, uma solução.
Imagine que, para tanto, o discurso dele parta da humilhação, erradicação, eliminação, diminuição de toda uma parcela da sociedade.
Imagine que, a cada seguidor desse cara, dezenas ou até centenas de outros apareçam para desmoralizar um indivíduo cada vez que o mesmo questiona a ideia de mundo dele.
Imagine que competir com o(a) outro(a) pareça ser nossa única alternativa.
Imagine que querer a vaga dele(a) ou querer que ele(a) queira a nossa vaga seja a coisa mais próxima de felicidade real com que a gente se depare.
Imagine que, para isso, a gente esteja sempre subindo e noiado que nossos(as) concorrentes estejam chegando perto.
Imagine que a vida nessa sociedade seja uma corrida sem ponto de chegada (ou beijo de namorada, só pra lembrar do Cazuza).
Imagine que trabalhar seja o único caminho de superação possível.
Imagine que, para tal trabalho, a gente precise ver menos as crianças, os velhos, os amigos, as pessoas que a gente mais ama e que, provavelmente, nunca vamos amar tanto alguém como amamos esses seres, não importa quanto tempo nossa vida dure e caminhemos sobre a Terra.
Imagine que a gente odeie esse trabalho, seja ele qual for, não importa quanto dinheiro ele nos pague.
Imagine que a gente precise se olhar no olho.
Imagine que vai ser muito difícil a gente recuperar essa habilidade que abandonamos com o tempo.
Imagine que a gente precise se ver no outro.
Imagine que, para tanto, a gente precise pensar no(a) outro(a).
Imagine que alguém tenha pensado no único e apocalíptico caminho possível para que isso aconteça.